O direito ao trabalho é o mais importante e talvez o menos efetivo dos direitos fundamentais. A Constituição brasileira designa o trabalho como um direito social fundamental (art. 6º) e fundamento da ordem econômica (art. 170), afirmando o primado do trabalho como base da ordem social (art. 193). O mesmo direito está consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em diversos tratados e declarações de direito internacional, destacando-se a Resolução n.º 34/46, de 1979, da Assembleia Geral da ONU, que enuncia claramente que: “a fim de garantir cabalmente os direitos humanos e a plena dignidade pessoal, é necessário garantir o direito ao trabalho”.
De fato, há cada vez mais evidências científicas de que o trabalho é central na vida das pessoas, pois, se dele pode resultar o pior, em termos de adoecimento, acidentes, alienação, perda de dignidade, exploração, também é certo que o trabalho é indispensável para que possa suceder o melhor, em termos de construção da identidade, da saúde psíquica, formação de relações de solidariedade, participação útil na sociedade. O direito humano e fundamental ao trabalho é, então, a primeira mediação jurídica para isso que, nas palavras de Karl Polanyi, é “só uma outra palavra para expressar o modo de vida das pessoas comuns”: o trabalho. Percebe-se aí uma fundamentalidade antropológica para a vida concreta das pessoas, que implica a sua fundamentalidade jurídica, como uma condição da dignidade.
No entanto, há um claro déficit de efetividade desse direito e que começa já pela escassa referência que encontramos a respeito tanto nos livros de direito constitucional e de direito do trabalho quanto na jurisprudência do STF ou do TST. Sua centralidade normativa é inquestionável, mas seu baixo desenvolvimento científico e sua inaplicação prática são tão evidentes quanto. Considero que, para enfrentar essa inefetividade exemplar, é preciso repensar, antes, a fundamentação do direito ao trabalho, de modo a tornar mais visíveis as diversas dimensões do seu conteúdo. É certo que o Estado não pode garantir um posto de trabalho a todos. Mas o conteúdo do nosso direito não se esgota aí. Ele deve atuar com toda a inteireza da relevância concreta do trabalho para a dignidade humana; tanto daqueles que, precisando, não têm um trabalho, quanto daqueles que têm um trabalho, assalariado ou não.
A sociedade moderna quase eliminou – para o bem e para o mal – a maior parte das formas de trabalhar e produzir, reduzindo-as a uma única e específica nova forma de trabalhar, própria ao capitalismo: o trabalho assalariado subordinado. A partir daí, o direito do trabalho desenvolveu a compreensão de que aquele que trabalha tem interesse apenas nas condições econômicas que o trabalho propicia, o salário e outros benefícios. Quando muito, aceita-se que o trabalho não deve ferir a pessoa física ou moralmente. Mas não se questiona a ideia de que quem trabalha não tem interesse no próprio trabalho. O ato de trabalhar em si e a organização do trabalho interessariam apenas ao empregador. É isso que consagra a noção de alteridade, ou de alienidade do proveito abrigada pelo direito do trabalho. Quem trabalha, trabalha para o outro, não para si mesmo. Com isso, apaga-se o fato de que aquele que trabalha não só está se desincumbindo de uma obrigação de prestação que interessa ao empregador, mas, nesse mesmo ato de trabalho, no desempenhar a sua atividade que se insere na organização do trabalho, o trabalhador também está exercendo um direito fundamental que, juridicamente, contrarresta, relativiza, o direito do empregador sobre a atividade e a organização do trabalho. Em verdade, quem trabalha não só trabalha para outrem, mas também para si mesmo, consigo mesmo e com outrem, devendo ter oportunidade de desenvolver, no trabalho, as suas capacidades e dons, como está previsto no art. 1º da Convenção 122 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Eis aí o primeiro grande ganho da reconstrução da fundamentação do direito ao trabalho: a compreensão de que se inclui como sua dimensão central o direito ao conteúdo do próprio trabalho.
Essa percepção é radical, uma verdadeira Revolução Copernicana do Direito do Trabalho. Se a atividade de trabalho e a organização de trabalho realizam, além do interesse do empregador, também necessidades fundamentais de desenvolvimento da personalidade e vivência coletiva, protegidas pelo direito fundamental ao trabalho, recupera-se o espaço da organização do trabalho como espaço de cidadania. Há limites proibitivos e conteúdos necessários para a atividade e a organização do trabalho que devem ser observados.
Diversas outras dimensões desse verdadeiro “megadireito” podem ainda ser estudadas. Uma delas determina o conteúdo do princípio da busca do pleno emprego (art. 170, VIII, da CF). Este não pode ser compreendido apenas do ponto de vista quantitativo, mas qualitativo, ou, no dizer do art. 6º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), “ocupação plena e produtiva, em condições que garantam as liberdades políticas e econômicas fundamentais da pessoa humana”. Este é um limite constitucional das políticas de emprego.
Outra dimensão está na compreensão de que os titulares do direito ao trabalho não são apenas os empregados, mas todos aqueles que trabalham de forma pessoal. Contudo, isso não deve significar o esvaziamento gradativo do standard jurídico do emprego juridicamente protegido, que corresponde ao mais elevado – para o bem e para o mal – nível de proteção do trabalho a que a sociedade capitalista brasileira logrou alcançar.