O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as receitas próprias dos tribunais federais devem ser excluídas do arcabouço fiscal, criado pela Lei Complementar (LC) nº 200, de 2023. A decisão, unânime, diverge especialistas e órgãos do próprio governo.
A Advocacia-Geral da União (AGU) é contra a exclusão do novo teto de gastos. Argumenta que compromete o resultado primário e a meta fiscal — mas não fala em valores. Já a Procuradoria-Geral da República (PGR) é favorável, assim como entidades representativas do Judiciário, pois o montante serviria unicamente para custear serviços judiciais.
Como mostrou o Valor, a exclusão faz o Judiciário aumentar seu orçamento. Isso porque são valores que podem ser gastos além do repassado pela União. Em 2024, as receitas próprias foram da ordem de R$ 2 bilhões. Fontes também avaliam que a decisão pode provocar um efeito em cadeia para outros poderes serem excluídos do arcabouço.
A decisão do STF foi unânime, em julgamento realizado no Plenário Virtual e que se encerrou à meia-noite de sexta-feira. O entendimento impacta todos os tribunais da União - o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDF), os da Justiça Federal, do Trabalho, Militar, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o próprio STF.
A ação foi proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em maio de 2024. Ela alega ser inconstitucional o artigo 3º, caput e parágrafo 2º, IV, da LC nº 200/2023, que impôs um limite de despesas para órgãos e poderes em âmbito federal. A AMB diz que o teto viola os princípios constitucionais da separação dos Poderes, da autonomia financeira e eficiência da Justiça.
Diversas entidades pediram ingresso como amicus curiae (parte interessada) no caso, como a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Associação dos Servidores da Justiça do Distrito Federal (Assejus).
A arrecadação própria dos tribunais federais advém das custas, taxas, auxílios, doações, inscrição em concursos públicos, venda de espaços na TV e Rádio Justiça, aluguéis, multas contratuais, do banco que recebe a folha de pagamentos dos servidores e dos “spreads” bancários dos depósitos judiciais (ADI 7641).
Segundo a Ajufe, esses recursos poderiam ser usados “na melhoria e no aperfeiçoamento dos serviços jurisdicionais prestados na esfera federal”, como na instalação de novas varas e juizados.
Ela também diz, nos autos, que os valores só podem ser usados para financiar a prestação jurisdicional no país, de modo que não há reversão aos cofres do Tesouro Nacional para pagamento da dívida pública. Para a associação, o impacto na meta fiscal é ínfimo, comparado ao total da despesa primária.
A AGU, contudo, defendeu que, mesmo que esses valores não retornem ao caixa único do Tesouro, “servem para o cumprimento global da meta de resultado primário de determinado ano”. “Sem eles [os recursos], outras despesas teriam de ser cortadas ou outras receitas, criadas, para o cumprimento da meta fiscal do exercício financeiro”, disse.
Prevaleceu o voto do relator, o ministro Alexandre de Moraes. Na visão dele, a exclusão das receitas próprias do Judiciário federal do arcabouço é “solução que prestigia sua autonomia, se aproxima daquilo que já se pratica entre os tribunais estaduais e não afeta o comprometimento institucional no esforço de recuperação da higidez fiscal”.
Isso porque, acrescenta no voto, as receitas provenientes da União e conformadas pelo orçamento público continuarão a ser regidas pelo teto do regime fiscal sustentável. “Subtrai-se dele somente aquilo que o Poder Judiciário angaria sponte própria.
A presidente da Anamatra, Luciana Conforti, afirma que a decisão permite que a arrecadação seja destinada integralmente para o custeio das atividades judiciais, sem limite em razão do arcabouço fiscal. “Isso é de grande valia para o Poder Judiciário da União, para que possa planejar e executar as suas atividades mais adequadamente, como já ocorre com a Justiça Estadual”, diz.
João Marcos Fonseca de Melo, sócio do Fonseca de Melo & Britto Advogados, que representa a Assejus, defende que “esses recursos são fundamentais para garantir que o Judiciário funcione com eficiência, especialmente em um cenário de crescentes demandas e restrições orçamentárias”. E acrescenta: “Submetê-los ao teto de gastos, como se fossem recursos ordinários do Executivo, comprometeria diretamente a autonomia do Poder Judiciário e limitaria sua capacidade de investimento em áreas essenciais.”
Em nota, o Senado Federal diz que acompanha o julgamento, procedimento padrão adotado pela Advocacia do Senado (Advosf). Afirma que respeita as decisões tomadas pelo STF, mas “não tem competência para avaliar o impacto da decisão judicial nas contas públicas”.
Procuradas pelo Valor, a AMB e a AGU não deram retorno até o fechamento da edição.