O mercado de franquias no Brasil cresceu 14% em 2023 e alcançou um faturamento de cerca de R$ 240 bilhões. Comparado a 2019, o ano anterior à epidemia de covid-19, o aumento foi de 29%. Já no 1º trimestre de 2024, a variação foi de 19% em relação ao mesmo período de 2023, de acordo com a Associação Brasileira de Franchising (ABF).
Ao final de 2023, o país contava com 195 mil operações de franquias e mais de três mil redes. Os setores de alimentação; saúde, beleza e bem-estar; e hotelaria e turismo tiveram os melhores desempenhos no ano. No mesmo ano, segundo a ABF, o setor gerou 1,7 milhão de postos de trabalho, um recorde.
O comemorado crescimento do franchising no país veio acompanhado de um efeito colateral: o aumento das ações judiciais. Pesquisa pelo termo "franquia" no painel DataJud, do Conselho Nacional de Justiça, mostra que 4.500 novos processos chegaram à Justiça em 2023, aumento de 20% em relação ao ano anterior. No acervo, havia 9.500 casos, 3,5% a mais do que em 2022.
Entre todos os assuntos debatidos nesses processos, a grande discussão no setor gira em torno dos casos em que franqueados, aqueles que compraram o direito de uso da marca, pedem o reconhecimento do vínculo trabalhista com o franqueador.
Apesar de a Lei de Franquia (Lei 13.966/2019), já em seu parágrafo 1º, afirmar que esses negócios não caracterizam "relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento", os pedidos de reconhecimento de vínculo são recorrentes.
Debate que se desdobra em um segundo: a competência para julgar essas ações seria da Justiça do Trabalho ou da Justiça comum?
O Supremo Tribunal Federal recebeu, em maio de 2024, a ADPF 1.149, na qual o partido Novo busca o reconhecimento de que qualquer ação relacionada à fraude, irregularidade trabalhista ou outros vícios em contratos de franquia seja julgada pela Justiça comum.
Apesar de ainda não ter pautado o caso, o STF já se manifestou em diferentes oportunidades contra o reconhecimento do vínculo e a favor da competência da Justiça comum em casos semelhantes.
Até março de 2024, os ministros haviam validado oito contratos de franquia e derrubado os respectivos vínculos trabalhistas reconhecidos pela Justiça do Trabalho. No julgamento da Reclamação 64.762, o ministro Gilmar Mendes criticou o fato de a jurisprudência da Suprema Corte ser deixada de lado em detrimento da validação do vínculo de trabalho entre franqueador a franqueado.
"Ao fim e ao cabo, a engenharia social que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção, os quais têm sido acompanhados por evoluções legislativas nessa matéria", afirmou em seu voto.
A tese definida no Tema 725, de recuperação geral, tem fundamentado as decisões do STF. Nela, consolidou-se o entendimento de que a Constituição Federal não veda a terceirização, inclusive da atividade-fim das empresas. A decisão é de 2018. Dois anos depois, em 2020, a corte reforçou a sua posição ao julgar a ADC 48.
"O STF já vem há alguns anos sinalizando seu entendimento, com relação a contratos empresariais de diversas naturezas, que o tipo de relação ali existente é de natureza civil e não trabalhista e que a competência para julgar tais questões, inclusive, para definir a natureza do contrato e se há ou não algum tipo de fraude é da Justiça comum e não da Justiça do Trabalho", afirma Sidnei Amendoeira, diretor jurídico da ABF.
Diante da ação proposta pelo partido Novo, a Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra) reagiu. "É uma ação realmente inusitada, eu creio que a gente nunca teve esse tipo de questionamento, tão específico, com relação a decisões da Justiça do Trabalho, em casos envolvendo contratos de franquia. Desde que a Justiça do Trabalho é a Justiça do Trabalho, ela analisa se há os requisitos do contrato de emprego, a partir de uma alegação, a existência de fraude", afirmou Luciana Conforti, presidente da entidade, em entrevista ao site Jota.
A relatora da ADPF 1.149, ministra Cármen Lúcia, intimou os presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho das 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 9ª, 10ª e 21ª Regiões a prestar informações sobre decisões que reconheceram vínculo de emprego em contratos de franquias.
Recentemente, o TRT-10 (Distrito Federal) reverteu decisão do Supremo que havia anulado o vínculo de trabalho de corretor com seguradora, dona de uma rede de franquias. O STF determinou que o TRT julgasse novamente o caso, levando em consideração seu precedente vinculante que validou a terceirização de qualquer atividade.
Ao reanalisar o processo, a 3ª Turma do TRT-10 concluiu que a discussão era diferente do precedente do Supremo e voltou a reconhecer o vínculo. De acordo com a relatora, desembargadora Maria Regina Machado Guimarães, a reclamação questionava a regularidade do contrato de franquia e o desvirtuamento da legislação aplicável, "com o intuito de descaracterizar eventual relação de emprego vigente entre as partes".
Para decidir a favor do corretor, o TRT levou em conta o fato de que exercia funções relacionadas à atividade negocial da seguradora, não podia ser substituído ou contratar assistente, recebia remuneração da própria seguradora e era subordinado a gerentes que controlavam suas atividades e sua assiduidade no trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho já reconheceu a competência da Justiça comum para decidir ação por desvirtuamento do contrato entre franqueadora e franqueado. De acordo com a 8ª Turma, o caso só deve ir à Justiça do Trabalho se ficar provado o vício na relação contratual.
O relator, ministro Caputo Bastos, destacou que o Supremo, no julgamento do Tema 550 de repercussão geral, definiu que cabe à Justiça comum julgar casos que envolvam a relação jurídica entre representante comercial e representada. "No caso, o Tribunal Regional declarou a incompetência desta Justiça especializada para a apreciação do feito, sob o fundamento de que a análise quanto a eventual relação de emprego entre as partes depende primeiramente da declaração de nulidade da relação jurídica havida entre os contratantes, a qual deve ser realizada perante a Justiça comum", resumiu. A decisão se deu por maioria.
Em 2019, ano em que o país já contava com quase 161 mil operações de franquias, o mercado de franchising passou a contar com um novo regramento. A Lei 13.966 revogou a Lei 8.955/1994 com o objetivo de dar mais transparência à relação contratual. "Entre as inovações importantes que a Lei 13.966 trouxe, temos o regramento sobre as penalidades, a obrigatoriedade de indicação de existência ou não de conselho de franqueados, a indicação de regras de limitação à concorrência e especificação de regramento após a extinção do contrato de franquia", detalha o advogado Maurício Alves de Lima, autor do livro Do Contrato de Franquia - Interpretação, Convenções e Reparações de Danos.
A nova legislação manteve a estrutura da anterior e buscou avançar em outros temas como o interesse das franqueadoras que investem pesadamente nos pontos comerciais a serem ocupados pelos seus franqueados. "Ponto de grande relevância para o franchising, e que impactou com mais força alguns segmentos, cuida da nova configuração trazida pelo artigo 3º da atual Lei de Franquia que permite que a franqueadora sublocadora total do ponto comercial onde se encontra a unidade franqueada promova a chamada ação renovatória de contrato de locação prevista na Lei do Inquilinato. Antes da nova Lei de Franquia, somente a sublocadora parcial de imóvel tinha o direito de ajuizar a referida ação judicial", explica.
O advogado lembra, ainda, que discordâncias entre franqueadores e franqueados também podem ser resolvidas por meio da arbitragem, em que o litígio é solucionado com o auxílio de um árbitro, um especialista no assunto a serviço de uma entidade privada, a Câmara de Arbitragem.
"A rapidez na conclusão dos procedimentos, bem como o conhecimento técnico e prático dos árbitros são características distintivas positivas da arbitragem. A obrigação de sigilo, por seu turno, é uma qualidade que interessa às franqueadoras", ressalta Maurício Alves de Lima.
De maneira geral, o melhor caminho para franqueadores e franqueados é não entrar em discordâncias. "Do lado do franqueado, cumpre lembrar que o contrato de franquia tem prazo de validade e, portanto, devem ser muito bem escolhidas as brigas, sob pena do franqueador não renovar o seu contrato e retirá-lo da rede. Sob a ótica da franqueadora, cabe trabalhar preventivamente para evitar as lides através de boa comunicação junto aos membros do seu sistema e correto registro do atendimento de suas obrigações", finaliza o especialista no tema.