Em seu voto, o ministro Flávio Dino, membro da Primeira Turma do STF e relator da ação, deu razão ao argumento da AGU de que as sentenças que determinaram a condenação da rede varejista não violaram as decisões do STF. Segundo ele, a Justiça do Trabalho não decidiu "no sentido de ser inválida a terceirização de atividade-fim".
"O que houve foi a conclusão de que, no caso concreto, estão presentes a dissimulação de quem seria o verdadeiro empregador e a verificação dos atributos específicos caracterizadores da relação de emprego", assinalou.
Portanto, de acordo com Dino, nenhum dos precedentes do STF relacionados à terceirização impede o reconhecimento do vínculo de emprego em casos específicos. "O vínculo empregatício não é compulsório, tampouco foi banido da ordem jurídica. Trata-se de análise específica, de lide com contornos próprios, e não de debate abstrato sobre tese jurídica", concluiu.
Todos os demais ministros da Primeira Turma - Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux - acompanharam o voto de Dino.
Em nota, a Pernambucanas afirma que não há "qualquer decisão definitiva em relação à matéria" e informa que, "exercendo seu direito constitucional ao contraditório, permanecerá lutando para que seja reconhecida a conformidade das suas operações com a lei e com os princípios morais e éticos aplicáveis, que sempre orientam sua conduta". Leia aqui a íntegra da resposta.
"Mais ainda: serve como um paradigma para quando houver o debate envolvendo terceirização e trabalho escravo. Não há problema nenhum em terceirizar, as empresas fazem, isso é uma realidade. No entanto, a terceirização não pode ser utilizada de maneira fraudulenta para ocultar direitos trabalhistas", diz à Repórter Brasil.
Luciana Paula Conforti, presidenta da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), lembra que o próprio acórdão do julgamento da atividade-fim no STF afirma que "apesar de não haver nenhum impedimento de terceirização de qualquer atividade, isso não significa que as fraudes não possam ser constatadas e que os vínculos de emprego não possam ser reconhecidos desde que estejam presentes os requisitos do artigo 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho".
"É exatamente isso que nós defendemos. Não estamos defendendo que a terceirização de atividade-fim será ilícita, até porque o Supremo já disse que não é, nem estamos defendendo que em qualquer caso haverá vínculo. Para nós, é da competência da Justiça analisar caso a caso se houve ou não cumprimento da legislação, que é o que exatamente o ministro Dino fala", diz a magistrada à reportagem.
Ela pontua ainda que a Lei da Terceirização, de 2017, exige uma série de requisitos legais para que a prática seja permitida. "Se há a constatação de que a empresa cumpriu o exigido, não tem problema. No caso da Pernambucanas, ela não cumpriu. A terceirizada não tinha capital, estrutura, nada. E as roupas saiam da oficina até com a etiqueta da rede varejista. É um caso clássico de fraude", ressalta.
O auditor-fiscal Renato Bignami acredita que a decisão deve nortear também a discussão sobre a terceirização no próprio Supremo. "Pela primeira vez, o STF está fazendo esse debate sob a ótica da fraude", diz.
Para Conforti, a decisão unânime da Primeira Turma do STF lança luz também para a necessidade de se delimitar o recebimento das reclamações constitucionais a respeito de decisões da Justiça do Trabalho relacionadas à terceirização.
"É preciso resgatar esses nortes que já foram fixados no próprio julgamento do Supremo e que lamentavelmente, em algum momento, se perderam. Começou-se a se argumentar que a Justiça do Trabalho desrespeita o acórdão quando determina a existência do vínculo empregatício em certos casos. A Anamatra vem repetindo que a regra não é de descumprimento, pela Justiça do Trabalho, dos precedentes vinculantes do Supremo, especialmente o da terceirização", afirma.
Costureiros trabalhavam para oficina subcontratada por fornecedorEm março de 2011, auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) resgataram 16 trabalhadores bolivianos que eram explorados em condições de escravidão contemporânea na fabricação de roupas para as Pernambucanas. A operação foi acompanhada pela reportagem da Repórter Brasil.
A oficina estava localizada na zona norte de São Paulo (SP) e costurava peças para a intermediária Dorbyn Fashion Ltda, uma das fornecedoras da rede varejista, que já havia sido flagrada explorando trabalho escravo no ano anterior. No momento em que a fiscalização chegou ao local, o grupo confeccionava blusas da coleção outono-inverno da Argonaut, marca da empresa.
Os resgatados trabalhavam mais de 60 horas semanais, sem o pagamento de horas-extras. Recebiam, em média, R$ 400 mensais, valor abaixo do salário mínimo estabelecido para 2011, de R$ 545. A inspeção recolheu anotações referentes a descontos irregulares, configurando a servidão por dívida.
O ambiente de trabalho apresentava riscos à saúde e segurança das vítimas. Não havia janelas ou qualquer tipo de ventilação, os alimentos eram armazenados de forma irregular e não havia a possibilidade de se tomar banho com água quente.
Em entrevista à Repórter Brasil na época, o auditor-fiscal Luís Alexandre Faria afirmou que a Pernambucanas não poderia alegar que apenas vendia as peças de vestuário que os trabalhadores resgatados confeccionavam.
"Os atos diretivos e empresariais são da Pernambucanas. É a empresa que determina a tendência, faz o controle de qualidade de cada peça, estipula o preço e o prazo que as peças devem ser entregues", disse.
Em dezembro de 2014, a rede varejista foi condenada no TRT2 a pagar R$ 2,5 milhões em danos morais coletivos por explorar trabalhadores em condições análogas às de escravos. A empresa recorreu, mas a sentença foi confirmada em 2017.
Leonardo Sakamoto