O atual momento do dano moral, no Brasil, está enfrentando um grande desafio, pois devido a falácia que se criou de que estaríamos diante de uma indústria do dano moral, foram criados mecanismos legislativos que acabaram inibindo o ingresso de ações judiciais com pleito indenizatório por danos morais, o que gerou preocupação de várias instituições que defendem o livre acesso à Justiça e o direito dos cidadãos.
Na verdade são duas questões no âmbito legislativo que se verificam a necessidade de alteração, ao menos no meu entendimento, e de vários doutrinadores.
A primeira mudança legislativa necessária encontra-se na esfera trabalhista, que contém uma inconstitucionalidade absurda!
A lei 13.467/17,1 chamada de "Reforma Trabalhista," alterou vários pontos contidos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e, de maneira substancial, dentre outras situações estranhas, o art. 223 A e G,2 tabelou o valor a ser pago a título de indenização por dano extrapatrimonial, fazendo clara distinção no valor de cada vida perdida, por exemplo, num acidente de trabalho.
Ora, de acordo com esta infeliz alteração, os familiares de um funcionário que foi vítima fatal de acidente de trabalho farão jus a uma indenização maior do que os familiares do funcionário que recebia um salário mais modesto, o que é desumano e difícil até de explicar para quem perde um ente querido em acidente de trabalho.
O referido artigo, que parece ser uma reedição do tabelamento do dano moral, quando da antiga Lei de Imprensa, o qual foi considerado inconstitucional, ao definir que os valores da condenação deverão ter como referência o último salário contratual do empregado - até três vezes, quando a ofensa é de natureza leve, alcançando o máximo de 50 vezes para casos gravíssimos.
E dessa forma, flagrante, esses nefastos artigos da Reforma Trabalhista, violam o princípio da reparação integral do dano, conforme acentua o art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, pois não permitem que os danos causados sejam livremente medidos pelo julgador, haja vista, a limitação da norma cuja declaração de inconstitucionalidade se faz necessária.
Esses arts. 223 A e G da Reforma Trabalhista, também violam o princípio da isonomia, consoante art. 5º, caput da CF, e os arts. 7º, XXVIII, 225, caput, VI da Constituição Federal.3
Em breve síntese, é evidente o afrontamento ao princípio constitucional da igualdade, pois na Justiça do Trabalho existe o limitador do famigerado artigo, mas na Justiça Cível o julgador é livre para condenar o agente causador, por dano moral, arbitrando o valor que bem entender.
Ou seja, as vítimas que sofrem e fazem jus a indenização por danos morais teriam seu direito limitado na Justiça do Trabalho, ao passo que na Justiça Cível não haveria qualquer limite de indenização !!
Por conta disso, atualmente, tramitam no Supremo Tribunal Federal, três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), que postulam a declaração da inconstitucionalidade dos artigos da reforma trabalhista.
Pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) ADIS 6050, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria, ADI 6082, e a movida pelo Conselho Federal da OAB, ADI 6069.
Neste momento, após o Ministro Gilmar Mendes4 se pronunciar em seu voto, de forma muito sábia pelo livre arbitramento do dano extrapatrimonial pelos magistrados, embora não tenha considerado que os artigos são inconstitucionais, o Ministro Cassio Nunes, pediu vista ( outubro/2021), e assim se encontra o processo até a presente data a referida Ação Direta de Inconstitucionalidade 6069.
A segunda questão do dano moral, está contida no Código de Processo Civil,5 no art. 292, inciso V,6 que obriga o advogado a inserir o valor do dano moral na petição inicial.
É sabido, que na jurisprudência não existe consenso nos valores arbitrados a título de dano moral. Basta examinar os casos concretos para se constatar que diante da mesma situação de fato incidem valores de condenação diferentes, pois cada magistrado valora os danos morais de forma subjetiva de acordo com seu entendimento pessoal frente a demanda que se apresenta.
Ainda, é possível que diante de um mesmo episódio, um magistrado entenda que houve violação do direito à personalidade, condenando o agente causador ao pagamento de indenização por danos morais, enquanto seu colega julga a ação improcedente por entender que os fatos narrados não passaram de mero dissabor da vida comum. Ou seja, é impossível valorar no início da ação o valor dos danos morais, pois os mesmos podem inclusive ser agravados ou minimizados no decorrer do processo judicial.
O que não considero equivocado, pois o arbitramento do dano moral, depende da instrução, da oitiva de testemunhas, de laudos e perícias (caso ocorram) para ao final, o julgador, ter as informações suficientes, e arbitrar o valor como era antes do advento Código de Processo Civil atual.
É impossível o advogado quantificar este valor na inicial, no momento da distribuição da ação, pois as dificuldades em atribuir o valor do dano são imensas, e necessita da instrução para isso.
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça,7 um processo judicial cível tem tempo de tramitação médio de quatro anos e cinco meses. Assim, ao longo desse período muitas situações podem ocorrer e impactar nos danos sofridos pelo demandante, sendo evidente que a mudança legislativa que impõe a obrigatoriedade de estipulação do dano no ato da distribuição do processo, além de deixar de refletir o direito da vítima é um retrocesso.
Por exemplo, no caso de um acidente aéreo, que tenha vitimado o filho único de um casal. Que valor o advogado colocaria na petição inicial, a título de condenação por danos morais, para cada um dos genitores ?!?!
Na jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho, tanto na esfera trabalhista como cível, e mesmo no Superior Tribunal de Justiça, uma pesquisa com uma certa profundidade encontrará valores de dano moral para cada um dos genitores de 200 salários-mínimos, 300 salários-mínimos, podendo alcançar até 500 salários-mínimos, este último mais raro de ocorrer.
Mas, e que valor o advogado coloca no pedido?!
Se não existe consenso jurisprudencial!!
E mais, o advogado tem que se preocupar com a questão das custas judiciais.
Se o cliente não possuir o direito à assistência judiciária gratuita, o acesso à Justiça fica prejudicado, pois a pretensão a indenização do dano moral será bem defasada em relação a sua real pretensão.
E os honorários sucumbenciais, como ficariam, se a pretensão do pedido na inicial, ocorresse um decaimento!?
Na forma do exemplo do acidente aéreo, se a inicial contivesse o pedido indenizatório de dano moral de 300 salários-mínimos para cada genitor e a decisão final arbitrasse em 200 salários-mínimos para cada um, como ficaria a fixação da sucumbência?
Fica o questionamento, os honorários sucumbenciais incidiriam sobre o valor que o demandante decaiu, ou seja, 100 salários-mínimos?
Esta questão também gerou polêmica, pois a súmula 3268 do Superior Tribunal de Justiça não permite a sucumbência em relação a danos morais.
E nesse sentido, em julgamento recentíssimo da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do eminente Ministro Antônio Carlos Ferreira,9 este decidiu que em indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.
Dessa forma, vivenciamos esse momento em que é necessário a luta pela garantia dos direito ao livre acesso à Justiça e à dignidade da pessoa humana, possibilitando que os magistrados possam fixar danos morais de forma justa, sem tabelamento e que os advogados possam ajuizar uma ação de danos morais de forma tranquila sem necessidade de fixar inicialmente o valor dos danos morais.