Coordenada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), sessão solene que unificou os dias do Trabalhador e da Trabalhadora, da Abolição da Escravatura e do Trabalhador Rural abriu espaço para o combate ao trabalho escravo, ao racismo e à reforma trabalhista
Lula: "Educação e emprego para a juventude devem ser uma obsessão"Fundo do poço: endividamento e inadimplência das famílias batem recordeSem política, nem investimento, Bolsonaro derruba produção industrialA sessão solene realizada nesta segunda-feira no Plenário do Senado se tornou um ato público de repúdio ao trabalho escravo, ao racismo e à reforma trabalhista que esmagou os direitos da população. O (PT-RS), que propôs e coordenou o encontro, unificou três datas interligadas "em conexo triângulo de visões": o Dia do Trabalhador e da Trabalhadora (1º de Maio), o Dia da Abolição da Escravatura (13 de Maio) e o Dia do Trabalhador Rural (25 de Maio).
Após duras críticas à reforma promovida em 2017 e aprofundada pelo atual governo, Paim levou ao Plenário o estarrecedor caso de Madalena Santiago da Silva, uma senhora negra de 62 anos resgatada do trabalho análogo à escravidão na semana passada em Lauro de Freitas (BA) após 54 anos sem receber salário. Muito emocionado, o senador transmitiu o vídeo em que a senhora chora ao ser entrevistada, dizendo ter medo e achar "feio" encostar suas mãos nas mãos brancas da repórter Adriana Oliveira, da TV Bahia.
"Madalena, você foi transparente e disse o que te ensinaram, o que o racismo estrutural te ensinou. Você e Adriana mostraram que tudo pode ser diferente no nosso país", afirmou Paulo Paim. "É preciso que a gente una todas as forças progressistas, populares e humanitárias para mudar esse país, combater o racismo estrutural e o trabalho escravo, que está aí", disse o senador. "Não haverá desenvolvimento econômico no Brasil sem a adoção de políticas efetivas de geração de emprego e renda. Não haverá democracia plena enquanto existir racismo", completou.
O senador destacou que, ao contrário da ilusão vendida pelo governo, a reforma trabalhista não gerou 10 milhões de vagas de trabalho. "O interesse, infelizmente, foi tirar mais direitos dos trabalhadores. Aumentou carga horária, reduziu salário, enfraqueceu contrato de trabalho, enfraqueceu sindicato, criou o trabalho intermitente, aumentou o trabalho informal, aumentou custo de vida, uberização, trabalho escravo, doenças e acidentes no trabalho. São 20 milhões que temos hoje entre desempregados, desalentados e com forca de trabalho subutilizada. O mínimo chegou a valer 350 dólares, hoje vale em torno de 250. O trabalhador não tem tido motivos para festejar essa data", resumiu Paulo Paim.
Ele cobrou a responsabilidade do Congresso Nacional em aprovar projetos importantes para garantir os direitos dos trabalhadores. "Sou relator do novo Estatuto do Trabalho. É inaceitável que haja diferença salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função. Chega a ser uma diferença de 50%. No caso de mulher negra em relação a homem branco, vai a 70%", afirmou.
Paim cobrou a aprovação, pela Câmara, de 10 projetos de lei sobre o setor já aprovados no Senado, entre eles o que criminaliza a abordagem policial baseada no preconceito (PL 5.231/2020) e o que tipifica injúria racial como crime de racismo (PL 4.373/2020).
Crueldade oficial
A reforma tributária, somada à da emenda 95, do teto de gastos, foi apontada pela senadora Zenaide Maia (Pros-RN) como uma maneira de legalizar o trabalho análogo à escravidão. "Em 2014 tínhamos uma taxa de desemprego de 4,8%", lembrou Zenaide. Hoje está em 12%, quase três vezes maior.
"A reforma foi de uma crueldade, e na verdade não foi uma reforma trabalhista, foi uma forma de legalizar. A história do trabalho intermitente foi uma maneira de contratar seres humanos como se fossem trator ou retroescavadeira", comparou. "O trabalho em condições análogas à escravidão é a realidade do Brasil hoje. Quase duas mil pessoas foram resgatadas só no ano passado.
A senadora criticou ainda os políticos que dizem estar atuando em nome de Deus, e depois promulgam uma PEC que esmaga os trabalhadores. "Deus não quis ninguém pobre. As pessoas não são pobres. Elas são empobrecidas por decisões políticas do governo que está aí. A população não é pobre porque Deus quis assim, é o Estado quem as empobrece quando não oferece educação pública de qualidade em tempo integral para todos. A gente sabe que não existe prevenção maior na saúde que a educação das pessoas", afirmou.
Para ela, a emenda 95 foi aprovada para que o Estado não invista mais em saúde e educação durante 20 anos. "Eu costumo dizer que, com aquela emenda, foi dito ao povo 'os senhores que já estão vendo familiares morrendo por mortes evitáveis, continuem vendo por mais 20 anos'", disse. "Esses que dizem que estão defendendo as famílias, não estão. Quem defende a família, defende teto para essa família se abrigar, educação para ela ter chance de ascensão social, saúde pública pera não verem filhos e pais morrerem de morte evitável", concluiu.
Inspeção do trabalho
A inspeção das condições de trabalho precisa ser pauta de todas as lideranças, segundo o subsecretário de Inspeção do Trabalho da Secretaria de Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência, Rômulo Machado e Silva.
Com atuação pela repressão e na orientação, em 2021 foram promovidas 443 operações de inspeção trabalhista, com parceria da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Ministério Público e Defensoria Pública. Desse total, em 196 locais foram identificados casos de trabalho análogo ao de escravo. Outra linha de atuação age no combate ao trabalho infantil e na inclusão de jovens aprendizes em programas.
"A inspeção do trabalho jamais vai abrir mão do seu poder de polícia. E nós seguiremos fiscalizando, mas é fundamental que nós tenhamos a capacidade de criar o tratamento de acolhimento para esse trabalhador após ele ser resgatado. Nós precisamos ofertar para esse trabalhador capacitação, ofertar meios para que ele seja reinserido num ambiente de trabalho digno e decente. E também precisamos conscientizar trabalhadores, empregadores, suas organizações e toda a sociedade a respeito do que é considerado trabalho análogo ao de escravo em nosso país", defendeu.
Supervisora do escritório regional do Distrito Federal do Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos (Dieese), Mariel Angeli Lopes afirmou que durante a pandemia houve uma piora significativa das condições de trabalho, e a população negra foi a mais atingida.
"Temos uma renda média do trabalho muito baixa, que caiu durante a pandemia. Agora, no final de 2021, a gente tinha uma renda média de por volta de R$ 2.370, sendo que no fim de 2019, quando a gente não tinha uma situação boa no mercado de trabalho e não estava passando por um crescimento muito significativo na economia, a renda média do trabalhador era por volta de R$ 2.500. Então a gente teve uma perda muito significativa nesses últimos dois anos", disse.
Além disso, mais da metade dos trabalhadores ganham até R$ 1,5 mil. Para a supervisora, os futuros projetos de lei precisam ter em considerarão essa realidade de queda na renda do trabalhador, com imensa dificuldade diante da inflação, já que, em 2021, só 15% dos reajustes alcançaram ganho real.
"Os trabalhadores estão fazendo menos refeições. Mais da metade dos brasileiros passam por uma situação de insegurança alimentar. Por isso, se não resolvermos os baixos salários no Brasil, não vamos sair dessa situação", advertiu.
Mariel mostrou ainda a associação entre desemprego e racismo no país, dando como exemplo a questão das empregadas domésticas e pandemia. "65% das trabalhadoras domésticas são negras. Essas foram as mais impactadas. Por volta de 500 mil não voltaram depois da pandemia e saíram da força de trabalho. Na hora que a gente considera quem saiu da força de trabalho e não voltou, 6,4 milhões dessas pessoas são negras e apenas 2,5 milhões não são negras. Então, a gente vê como o impacto do desemprego é muito mais forte nesse grupo", concluiu.
Escravização
A concentração da riqueza e a situação de devastação de políticas públicas no mundo de trabalho colaboram para um quadro preocupante que atinge especialmente as mulheres, principalmente as mulheres negras, afirmou a pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Magda Biavaschi.
"Vivemos um Brasil de raízes resilientes, patriarcais, escravocratas. Estamos vivendo um regresso do capitalismo primitivo. As desigualdades, quando não superadas, sequestram a democracia", disse.
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas de Material Elétrico de Santa Rita do Sapucaí (MG), Maria Rosângela Lopes afirmou que o Dia do Trabalhador deve ser sobretudo um dia de reflexão. Para a sindicalista, é preciso construir soluções, olhando em especial para as mazelas causadas pelos séculos de escravização, com forte combate ao trabalho análogo ao de escravo.
"Sabemos que a reforma trabalhista não deu certo na sua integralidade. Pelo contrário, gerou insegurança. É preciso ações em três eixos: prevenção, assistência às vítimas e repressão. Os movimentos sociais, negros e dos trabalhadores resistem, e resistiremos", apontou.
A coordenadora do Instituto de Pesquisa e Assessoria em , Gênero, Raça e Etnias (Akanni) e suplente do senador Paim, Reginete Souza Bispo, enfatizou que não se conhece a real dimensão da exploração a que tantas pessoas são submetidas no país.
"A abolição da escravatura são dois parágrafos [em lei], sem nenhuma política de proteção a essa população. Deixou desprotegidos homens, mulheres e crianças, e isso segue até hoje. Como uma pessoa como a dona Madalena passou por tudo isso em pleno século 21? Essa situação não é análoga à de escravidão. É a escravidão. Precisamos alterar essas estatísticas, em que 47% dos trabalhadores negros vivem sem proteção, na informalidade", lamentou.
O procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes também criticou ainda ser preciso, após 134 anos do fim da escravização, discutir o trabalho análogo ao de escravo. "Na verdade, essas pessoas são escravos contemporâneos. Como temos essas mazelas, é importante que tenhamos ações protetivas, e não 'desprotetivas', como foi a reforma trabalhista", afirmou.
Trabalhador rural
O meio rural é o que concentra o maior número de trabalhadores em situação irregular. Pelo menos 18 milhões de brasileiros são trabalhadores rurais no país, atuando em 4,3 milhões de estabelecimentos agropecuários.
Apesar de serem responsáveis por cerca de 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros - em algumas culturas, até 100% -, o trabalhador rural vive muitos desafios, segundo a representante da Secretaria Agrária Nacional do Partido dos Trabalhadores, Elisangela dos Santos Araújo.
"A agricultura familiar brasileira tem demonstrado esse potencial de produção de alimentos e de produção de um alimento saudável acima de tudo. Mas falando em termos de investimentos, nunca foi um setor estratégico para o desenvolvimento econômico e produtivo do país", afirmou.
Também participaram da sessão especial o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luiz Antônio Colussi; o diretor de Seguridade Social da Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Cobap), José Gilberto Gomes dos Santos; o vice-presidente da Nova Central, Moacyr Tesch; a representante de movimentos sociais de pescadores e comunidades quilombolas Eliete Paraguassu; e, por fim, o diretor da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), Antonio de Oliveira Lima.