Advogados envolvidos no processo comentam a importância do caso para as relações trabalhistas Crédito: Camila Domingues/Palácio Piratini
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga pelo plenário virtual, a partir desta sexta-feira (6/10), se um acordo coletivo ou convenção coletiva podem restringir ou limitar o acesso a direitos trabalhistas não previstos constitucionalmente.
O tema será julgado no âmbito do recurso extraordinário com agravo (ARE) 1121633, a partir de sexta-feira e os ministros terão até o dia 13 de novembro para incluir seus votos. Como o caso tem repercussão geral, a decisão tomada pelo STF deverá ser seguida por toda a Justiça do Trabalho em temas semelhantes. A qualquer momento, entretanto, um ministro pode pedir vista ou destaque do processo neste caso, o recurso seria levado ao plenário presencial para julgamento.
No caso concreto, a Mineração Serra Grande S.A., uma mineradora de Goiás, recorre de decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT18), que fixou que a empresa não poderia ter suprimido o pagamento de horas in itinere tempo de deslocamento entre a casa do trabalhador até a empresa por acordo coletivo, porque a mineradora está situada em local de difícil acesso e o horário do transporte público era incompatível com a jornada de trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a decisão.
O processo chegou ao Supremo e, quando foi reconhecida, por unanimidade, a repercussão geral do caso, a tese foi expandida a outros direitos negociados em acordo coletivo. Assim, o plenário do STF vai decidir, na verdade, a validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe qualquer direito trabalhista não assegurado constitucionalmente.
Alguns exemplos de direitos trabalhistas não assegurados constitucionalmente são horas-extras, intervalo intrajornada, horário de almoço, negociação dos percentuais de adicionais de insalubridade e periculosidade.
Dois advogados envolvidos no processo, que representam interesses opostos, explicaram ao JOTA três pontos relevantes do caso, o que ele representa e os impactos que poderá trazer para as relações trabalhistas.
O advogado Mauro Menezes, sócio do escritório Mauro Menezes e Advogados, representa o trabalhador recorrido e dois amici curiae no processo: a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT).
Do outro lado, Cassio Borges é superintendente Jurídico da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que é amicus curiae no processo.
1. O que o STF vai decidir e por que este julgamento é importante?
Mauro Menezes: É um julgamento muito importante, sobretudo a partir de um ângulo constitucional. A Constituição dimensiona as relações trabalhistas numa perspectiva de pacificação, de equilíbrio, não na perspectiva de imposição de um poder sobre outro. O poder econômico não deve aniquilar o poder de organização dos trabalhadores nem se quiser. Existem freios e contrapesos no texto constitucional. Então, se a Constituição por um lado prevê a possibilidade de negociação coletiva e seu reconhecimento, por outro lado considera que os sindicatos existam para defender direitos e interesses de seus representados, e que o sindicato é indispensável na negociação coletiva. A negociação coletiva não significa uma mera renúncia de direitos legais, por mais que as condições assim recomendem a partir da perspectiva do interesse empresarial. Este julgamento é importante porque ele vai decidir se, para que haja prevalência do negociado sobre o legislado, é ou não preciso que estejam verificadas condições compensatórias, contrapartidas.
Cassio Borges: O tema 1.046 de repercussão geral refere-se à possibilidade de haver negociação coletiva para flexibilizar direitos infraconstitucionais isto é, previstos fora da Constituição, na legislação ordinária e disponíveis que podem ser transacionados pelas partes. Sua importância reside na circunstância de afastar o forte intervencionismo da Justiça do Trabalho no terreno da autonomia privada coletiva, ou seja, conteria a postura hiperprotetiva que tem levado os tribunais trabalhistas a deixar de reconhecer a validade de normas coletivas firmadas livremente por sindicatos e empresas, a pretexto de salvaguardar direitos dos trabalhadores. Além de produzir insegurança jurídica, tal conduta acarreta a retração da negociação coletiva, especialmente relevante em momentos de grave turbulência econômica, como os que ora vivemos.
2. No ano passado, o ministro Gilmar Mendes determinou o sobrestamento das ações que discutem o restrição de direitos em acordo coletivo, e na época falou-se que tal suspensão poderia paralisar a Justiça do Trabalho. Houve essa paralisia de muitos processos?
Mauro Menezes: A Justiça do Trabalho tem sido capaz de uma certa forma discernir aqueles processos em que a questão não é exatamente a análise de uma compensação ou não compensação de norma coletiva autônoma, celebrada entre as partes. No primeiro momento, houve quem se aventurasse a dizer que toda reclamação trabalhista que trate de acordo ou convenção coletiva deverá ser sobrestada. Essa foi a interpretação precipitada e equivocada de alguns. A maioria do TST e a própria Justiça do Trabalho terminou, como são juízes especializados e sabem diferenciar os institutos, verificaram que aqueles casos em que houvesse alguma negociação que predominasse sobre um direito legal que são casos muito excepcionais em que se tivesse neste caso que mensurar se houve ou não uma compensação, estes casos sim teriam que ser sobrestados. E não toda e qualquer demanda decorrente de acordo ou convenção coletiva do trabalho.
Cassio Borges: Na verdade, não impactou de modo significativo a Justiça do Trabalho, considerando a circunstância de que a posição majoritária no TST segue no sentido de que o sobrestamento apenas poderia ocorrer na fase do recurso extraordinário para o STF, a teor do art. 1.036 do CPC. Portanto, não ocorreu a propalada paralisação das atividades jurisdicionais trabalhistas
3. O caso não é relacionado à reforma trabalhista. Entretanto, o caso teria o condão de reforçar ou enfraquecer a premissa do acordado sobre legislado que a reforma prevê, poderia ser um precedente para um futuro julgamento sobre a reforma?
Mauro Menezes: De forma alguma. Nós estamos diante de um ponto de inflexão. Que o Supremo já admitiu que o negociado pode prevalecer sobre o legislado, isso já é até anterior à reforma trabalhista. Isso veio com o RE 590415 [renúncia genérica a direitos mediante adesão a plano de demissão voluntária], de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. A reforma trabalhista, por mais que queira, ela não pode converter o Direito do Trabalho num campo aberto para imposição da vontade de uma parte sobre outra. Na verdade, se isso for encarado como uma necessidade para que os predicados da reforma trabalhista prevaleçam, eu diria que isso é um equívoco, porque nem mesmo quem defende no Brasil e fora do Brasil, de maneira fundamentada e séria, a autonomia privada coletiva das partes em negociar e fazer essa negociação prevalecer sobre o legislado, ninguém que seja realmente especializado no assunto tem coragem de propor que isso signifique uma mera renúncia, sem qualquer espécie de compensação. É preciso sempre haver uma compensação, isso não é um pressuposto do direito do trabalho, é do direito civil, contratual. Todo contrato deve observar que a negociação é equilibrada porque observou a boa-fé, que não tem nenhum abuso.
Cassio Borges: Embora o julgamento diga respeito ao passado, pode ter implicações para o futuro da evolução jurisprudencial em torno do tema das possibilidades e limites da negociação coletiva, um dos centros de gravidade da Reforma Trabalhista. Efetivamente, se houver uma decisão do STF mantendo a linha de prestigiar a autonomia das partes, em coerência com diversos precedentes nessa direção, isso representará uma importante sinalização para a Justiça do Trabalho, no sentido de reconhecer, indiretamente, a compatibilidade com a Constituição sobretudo dos arts. 611-A e 611-B da CLT. Como se sabe, esses preceitos foram introduzidos pela Lei 13.467/17 e versam sobre as fronteiras da autonomia privada coletiva
Hyndara Freitas