O tempo, segundo a teoria da relatividade de Einstein, não é absoluto, mas situado em relação a determinado espaço, de modo que nossa localização interfere na relação com o tempo. A luz do sol, por exemplo, que vemos no presente, foi emitida no passado, oito minutos antes de chegar até nós. Assim, quando vemos na Terra a luz do sol, vemos, de certa forma, não o presente, mas o passado.
Não sendo o tempo absoluto, a determinação de um evento (que ocorre em um determinado lugar no espaço e em um específico momento no tempo) somente é possível pela utilização de quatro coordenadas: três coordenadas espaciais e uma de tempo. Como explica o físico Stephen Hawking:
(Na teoria da relatividade geral) espaço e tempo passaram a ser quantidades dinâmicas: quando um corpo se move ou uma força atua, afeta a curvatura do espaço e do tempo -- e, por sua vez, a estrutura do espaço-tempo afeta o modo como os corpos se movem e as forças atuam. Espaço e tempo não apenas afetam como também são afetados por tudo o que acontece no universo. Assim como não se pode falar sobre eventos no universo sem a noção de espaço e tempo, na teoria da relatividade geral não há sentido em falar sobre espaço e tempo fora dos limites do universo.[1]
Isso permite dizer, quanto aos acontecimentos, que seria necessário superar distâncias espaço-temporais intransponíveis antes que se pudesse narrar fatos em perspectiva unidimensional, pois a história não se desenvolve linear e setorialmente.
Mas alguns fatos se repetem com tal frequência que parecem naturalmente estruturados.
É o que ocorre, por exemplo, com a violência contra a mulher: ela vem se reiterando ao longo do espaço-tempo como uma forma perversa de experiência humana, muitas vezes como se fosse a única maneira de realizar e contar a história.
Em se tratando de violência de gênero, quase se propõe -- não resultasse em inconteste aporia -- uma linearidade, como se coubessem na mesma fotografia os ataques e as mulheres de todos os cantos do mundo.
Desde que se inventou a modernidade, onde quer a mulher esteja, lá estão a captura da liberdade, o controle do sexo, o aprisionamento da subjetividade, a imposição da autoridade do outro.
E assim também ocorre no mundo do trabalho, embora neste haja também outras vítimas da opressão.
Esses fatos, assim como os acontecimentos da natureza -- já demonstrou o notável físico Albert Einstein --, não são acidentais.
O que explica tamanha hostilidade abrangendo diferentes corpos (mulheres, trabalhadores de todos os gêneros e orientações sexuais, trans ou cisgêneros) são as relações de poder, que reúnem, segundo a explicação do sociólogo Aníbal Quijano, três elementos: dominação, exploração e conflito. Esses elementos afetam, por sua vez, quatro áreas básicas da existência social, que estão em disputa por controle: o trabalho, o sexo, a autoridade coletiva e a subjetividade/intersubjetividade, todas com seus recursos e produtos.
Tal interconexão elucida a instrumentalização do gênero como forma de subalternização, pois o controle de acesso às áreas de existência se infiltra, em inter-relação, nas minúcias de cada uma dessas áreas, como bem explicita a socióloga María Lugones.
Foi desse modo que o próprio Einstein se favoreceu dos dividendos patriarcais. Segundo notícia veiculada em 2018, várias biografias escritas indicam que sua esposa Mileva Einstein foi uma física brilhante, que colaborou na construção de teorias (inclusive a teoria da relatividade) e na elaboração de artigos assinados por Einstein. Ele recebeu prêmios no campo da física, ela recebeu a indiferença e o esquecimento[2].
A inferiorização por meio das relações de trabalho também não é de difícil compreensão: classes estabelecem privilégios, separando ganhos para uns, sujeição para outros.
É este o cenário que abre caminho para a Convenção 190, da OIT, aprovada no centenário de sua criação, como proposta de eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. Em meio a um sem-número de violências em todas as suas dimensões (inclusive o assédio sexual de que especialmente mulheres são vítimas em razão da naturalização da ideia de disponibilidade do corpo feminino), a convenção desponta sugerindo respeito pela vida humana.
Que país iria querer frear os esforços para libertação de trabalhadoras e trabalhadores dos assombros da violência?
Nossos passos sobre a curvatura da terra têm de trilhar a urgência de recuperar a humanidade!
Se o futuro não é acidental, teremos falhado mais e mais cada vez que negarmos às trabalhadoras e trabalhadores o direito de não ter a hostilidade marcada no corpo e aprisionada na memória.
*Deizimar Mendonça Oliveira, mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, juíza do Trabalho titular da 4.ª Vara do Trabalho de Cuiabá-MT, coordenadora do Comitê Permanente de Gestão da Diversidade e Inclusão do TRT da 23.ª Região, integrante da Comissão Anamatra Mulheres