Manifestação repudia 'ataques e ameaças de grupos que pedem desde a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal até a imposição de uma ditadura no país'
Mais de 200 entidades subscreveram um manifesto em defesa da democracia e do Judiciário. O documento, lançado nesta segunda-feira, 8, reúne, entre 94 grupos, instituições de ensino, institutos de Direito, sindicatos e associações de juízes, promotores, defensores públicos, advogados, bispos e jornalistas.
Entre os signatários estão a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e Universidade de São Paulo (USP).
A manifestação, idealizada e organizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), pede autonomia e independência do Poder Judiciário e repudia 'ataques e ameaças desferidas por grupos que pedem desde a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal até a imposição de uma ditadura no país’.
O texto destaca ainda a importância de preservar princípios republicanos para combater as crises sanitária e econômica provocadas pela epidemia da covid-19 no País. Entre eles, a pluralidade política e a separação harmônica entre os Poderes, bem como dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e das prerrogativas dos integrantes do sistema de Justiça
"Atacar o STF significa ameaçar todo o Judiciário e os valores democráticos do Brasil. Discordâncias, debates e críticas fazem parte e são bem-vindas no Estado de Direito. A liberdade de manifestação e de expressão, no entanto, não abarca discursos de ódio e a apologia ao autoritarismo, à ditadura e a ideologias totalitárias que já foram derrotadas no passado", afirmam os signatários do manifesto.
A manifestação solidária seguiu diversas outras tornadas públicas nas últimas semanas. Membros do Judiciário saíram em defesa da autonomia da Justiça após uma crescente de ataques dirigidos por apoiadores bolsonaristas e integrantes do próprio governo ao Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, outras categorias endossam a posição contra a crise institucional instalada no País.
Os flertes bolsonaristas com o autoritarismo não são recentes. Um alerta de crise institucional, no entanto, tem soado mais forte há cerca de dois meses. Em abril, o presidente Jair Bolsonaro elevou o tom do confronto contra o Congresso e o STF e, diante do Quartel-General do Exército, pregou o fim da 'patifaria’ em uma manifestação que pedia intervenção militar no País. Com microfone em punho, Bolsonaro subiu na caçamba de uma caminhonete e fez um discurso inflamado para seguidores que exibiam faixas com inscrições favoráveis a um novo AI-5, o mais duro ato da ditadura (1964 a 1985), e gritavam palavras de ordem contra o STF e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A abertura do inquérito para apurar se houve tentativa de interferência política de Jair Bolsonaro na Polícia Federal aumentou a tensão entre os poderes. A investigação implicou na divulgação, a revelia do governo, da íntegra do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril -- que atingiu ministros do alto escalão do Planalto, incluindo um dos principais remanescentes da ala ideológica bolsonarista, Abraham Weintraub, que responde por declarações contra os ministros da Corte.
O pedido de devassa no celular do presidente, encaminhado pelo decano Celso de Mello para análise da Procuradoria-Geral da República, como manda o rito do STF, é outro componente que inflamou a militância pró-governo. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, chegou a dizer que se o pedido fosse aceito poderia ter 'consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional’. O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, disse ao Estadão estar 'extremamente preocupado’ com a tensão entre os Poderes e afirmou que apreender o celular de Bolsonaro seria uma 'afronta’. Na madrugada desta terça, 2, Celso de Mello decretou o arquivamento do pedido, mas alertou Bolsonaro que descumprir ordem judicial implica 'transgredir a própria Constituição da República, qualificando-se, negativamente, tal ato de desobediência presidencial’, o que configuraria crime de responsabilidade.
O ápice para os ataques, no entanto, veio após apreensões de celulares, computadores e documentos de apoiadores bolsonaristas investigados no 'inquérito das fake news’.
No mesmo dia, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho mais novo do presidente, chegou a dizer que participa de reuniões em que se discute 'quando’ acontecerá o 'momento de ruptura’ no Brasil. Na sequência, uma série de manifestações, virtuais e físicas, passaram a falar em 'ditadura do STF’ e chegaram a recorrer ao artigo 142 da Constituição como suposta brecha legal para pedir intervenção das Forças Armadas em favor do governo.
O próprio presidente chegou a declarar, no dia seguinte à operação que mirou seus aliados, que 'ordens absurdas não se cumprem’. "Acabou, porra!", esbravejou o presidente. "Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomada de forma quase que pessoais certas ações. Ordens absurdas não se cumprem e nós temos que botar um limite nessas questões".
LEIA A ÍNTEGRA DO MANIFESTO
Manifesto em defesa da Democracia e do Judiciário
O Poder Judiciário é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Sua autonomia e independência é condição para a existência do regime democrático. Por isso, os signatários deste texto, representantes legítimos das funções essenciais à realização da Justiça e da sociedade civil, repudiam os ataques e ameaças desferidas contra o Judiciário por grupos que pedem desde a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal até a imposição de uma ditadura no país.
O STF, mais importante tribunal do país, tem desempenhado, de forma republicana, seu papel de balizar a forma como a Constituição deve ser aplicada. As crises, sanitária e econômica, que assolam o país só podem ser superadas com a preservação dos princípios fundamentais da República, como a pluralidade política e a separação harmônica entre os Poderes, bem como dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e das prerrogativas dos integrantes do sistema de Justiça.
Atacar o STF significa ameaçar todo o Judiciário e os valores democráticos do Brasil. Discordâncias, debates e críticas fazem parte e são bem-vindas no Estado de Direito. A liberdade de manifestação e de expressão, no entanto, não abarca discursos de ódio e a apologia ao autoritarismo, à ditadura e a ideologias totalitárias que já foram derrotadas no passado.
Munidos de diálogo, pretendemos manter vivo o desejo de um país mais justo, solidário, cidadão e responsável. É o legado que a Constituição Federal determina que todos deixem para as gerações futuras.