Em ADI, Rede questiona negociação individual para redução de salário prevista na MP 936/2020 Foto: Edson Santos/Câmara dos Deputados
Na noite da última quarta-feira (1/4), foi publicada em edição extra do Diário Oficial a Medida Provisória 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. A norma permite a suspensão temporária dos contratos de trabalho e a redução de salário e jornada proporcional em até 70%, e já é alvo de questionamentos quanto à sua constitucionalidade. Além disso, advogados trabalhistas divergem sobre alguns pontos da MP.
Parte da MP 936 está relacionada ao que foi previsto, inicialmente, no artigo 18 da MP 927/2020. O dispositivo foi revogado menos de 24 horas após sua publicação, e previa a suspensão temporária de contrato de trabalho sem nenhum amparo para o trabalhador. Na nova MP de Jair Bolsonaro, a possibilidade de suspensão temporária de contrato vem com uma contrapartida: o trabalhador terá acesso a um benefício emergencial, nos moldes do seguro-desemprego.
A mudança não impediu, entretanto, que a medida fosse alvo de críticas. Na manhã desta quinta-feira (02/04), a Rede Sustentabilidade protocolou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) na qual pede a declaração de inconstitucionalidade e a suspensão da eficácia de dispositivos da MP 936 que possibilitam mudanças no salário e jornada por meio de acordo individual. Isso porque a Constituição prevê que tais alterações devem ser feitas por acordos e convenções coletivas, isto é, com participação do sindicato.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) publicaram nota pública também criticando o mesmo ponto: a possibilidade de efetuar redução de salário e jornada e suspensão de contrato por meio de acordo individual.
A MP prevê que, durante o estado de calamidade pública em razão da pandemia da covid-19, o empregador poderá acordar com o empregado a redução proporcional da jornada de trabalho e salário, por até 90 dias, sendo preservado o valor do salário-hora de trabalho. Poderão ser feitas reduções de 25%, 50% ou 70%.
O empregado que tiver sua jornada e salário reduzidos terá direito ao Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, custeado com os recursos do seguro-desemprego. O valor a ser recebido pelo governo vai depender do salário do trabalhador e da porcentagem da redução. Por exemplo, se o salário bruto do trabalhador é R$ 1500 por mês, e houver redução de 50% no salário e jornada, o salário passa a ser de R$ 750 mensais. É sobre esta base de cálculo que o valor do benefício emergencial será calculado.
Outra possibilidade trazida pela medida provisória é a suspensão temporária do contrato de trabalho, que poderá durar até 60 dias podendo ser fracionada em dois períodos de 30 dias. Nesta hipótese, a empresa deverá manter os benefícios que o empregado já recebe, e companhias que tiveram receita bruta anual de R$ 4,8 milhões ou mais no ano passado deverão pagar 30% do salário, que na verdade será um auxílio sem caráter salarial, sobre o qual não incidem contribuições. Neste caso, a União paga 70%. No caso de empresa com receita inferior, a União pagará 100%.
Tanto a redução salarial e de jornada quanto a suspensão do contrato poderão ser feitas mediante acordo individual formal para quem ganha até R$ 3.135,00 ou para quem ganha mais de R$ 12.102,00. Para os trabalhadores cujos salários estiverem entre esses valores, o acordo coletivo é obrigatório.
Para o advogado trabalhista Mauro Menezes, sócio do Mauro Menezes & Advogados, a MP afronta a Constituição. A Constituição, no artigo 7º, não admite alteração que reduza salário ou jornada sem que haja uma negociação coletiva sindical, ou seja, o sindicato tem que participar. Toda experiência das relações de trabalho demonstra que não havendo possibilidade de intervenção da entidade sindical, a renúncia a direitos é algo que não deve ser feita individualmente. A Constituição não permite, nem mesmo nas situações de crise, que haja reduções de salários sem que isso seja produto de uma negociação coletiva, opina.
Já para o advogado Leando Lamussi, do Balera, Berbel & Mitne Advogados, a ideia de prevalência do negociado sobre legislado, que foi adotada pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), também pode ser aplicada a acordos individuais. A existência de acordo individual nas hipóteses de redução de salário acredito que seja algo aderente à Constituição e à CLT, até para não inviabilizar ou impossibilitar a adoção dessa medida, diz.
Na visão de Lamussi, porém, a MP 936 foi tardia, porque muitas empresas já estavam efetivando a redução salarial nos termos impostos pela Constituição. Assim, o advogado acredita que essas empresas enfrentarão problemas com relação à segurança jurídica, porque agora elas teriam que adotar o procedimento definido pela 936.
No STF
Até o momento há apenas uma ação contestando a Medida Provisória 936 no STF. Ajuizada pela Rede, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6363 tem como relator o ministro Ricardo Lewandowski e pede, liminarmente, a suspensão de todos os dispositivos da MP que permitem reduzir salário e jornada ou suspender contrato de trabalho por meio de acordo individual.
Na petição inicial, o partido alega que o acordo individual sem dúvidas, será utilizado em detrimento da negociação coletiva, afinal, na lógica do menos direito ou rua!, o trabalhador se submeterá a qualquer vontade do empregador, situação fática incompatível com o sistema de proteção instituído pela Constituição em favor do trabalhador.
A possibilidade de acordo individual escrito, ainda que em estado de calamidade pública, vai de encontro às normas constitucionais e convencionais citadas, pois dá prevalência da negociação individual sobre a coletiva. Ademais, em momentos de crise como o presente, justifica-se, ainda com mais força, a necessidade de fortalecimento da negociação coletiva, e não seu enfraquecimento, em vista da necessária proteção dos direitos dos hipossuficientes na relação trabalhista, diz o partido.
O tema não tem jurisprudência no STF. A redução de jornada e de salários só foi debatida pelo plenário do Supremo no que tange a servidores públicos que não são abarcados pela MP 936. Em agosto de 2019, o plenário formou maioria para barrar a redução de jornada e salários para trabalhadores estatutários.