Para procuradores, há pelo menos três pontos que podem ser questionados na Justiça
A edição da Medida Provisória (MP) 927, que flexibilizou as regras trabalhistas em razão da epidemia do coronavírus, ligou o alerta entre os membros da Procuradoria Geral da República (PGR) e do Supremo Tribunal Federal (STF). A avaliação entre procuradores e ministros é a de que o governo errou ao permitir a edição das medidas com "vícios constitucionais".
A MP, publicada na noite do último domingo (22), previa a possibilidade de o empregador suspender por até quatro meses os contratos de trabalho sem a necessidade de manter os pagamentos de salários. O presidente Jair Bolsonaro chegou a defender a medida pela manhã na porta do Palácio da Alvorada, mas recuou no início da tarde após forte repercussão negativa da proposta e disse que revogaria esse trecho do texto.
Sem alarde, o procurador-geral da República, Augusto Aras, ligou na segunda-feira (23) logo pela manhã para o ministro Jorge Oliveira (Secretária-Geral) para apontar "possíveis vícios" na MP editada pelo governo.
Oliveira é, ao lado do ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Mendonça, o principal conselheiro jurídico do presidente. O ministro da Secretária-Geral é o responsável pela Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ), órgão vinculado à Presidência da República responsável pelo aconselhamento direto do presidente.
Aras explicou ao ministro que análises preliminares de sua assessoria técnica e de alguns procuradores da área apontavam para problemas sérios em três dos 39 artigos da medida. O principal problema apontado pelo procurador-geral estava no artigo 18, que previa a possibilidade da suspensão dos salários por quatro meses. Aras afirmou a Oliveira que a suspensão dos salários por quatro meses atingia a "subsistência básica" da população e levaria a "convulsão social".
O procurador-geral disse ainda que excluir sindicatos nas discussões trabalhistas seria alvo de ação de inconstitucionalidade por parte da base do Ministério Público e que não poderia haver a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho por conta da pandemia.
Aras já sabia que a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) estudava ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade contra as medidas propostas do governo.
As mudanças nas normas que definem os critérios para a antecipação de férias individuais e coletivas alteram medidas de saúde e segurança do trabalho e permitem a constituição de um regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas. Esses trechos também foram contestadas por outras entidades.
A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) também sinalizou, em nota, que recorreria ao Supremo para questionar a inconstitucionalidade da medida. Um dos argumentos da entidade é que a Constituição determina que os sindicatos têm papel "importante e indispensável na negociações trabalhistas.
O posicionamento de Aras encontrou respaldo em ala do STF, que também avaliou que a medida precisava de ajustes. O presidente do Supremo, Dias Toffoli, disse que a MP mostrava falta de discernimento do governo.
Você colocar o povo dentro de casa, com medo, e sem remuneração, sem garantia, é falta de discernimento afirmou Toffoli à reportagem. O presidente agiu bem em suspender e para pensar em uma maneira de resolver esses problemas.
Além de Toffoli, integrantes da Corte também defendiam mudanças na MP. Ministros dizem que o governo dá um passo positivo ao tentar regulamentar as regras trabalhistas neste momento de crise, mas criticam a área jurídica do Executivo. A avaliação é a de que o governo tem falhado ao editar normas que garantam segurança às suas próprias medidas, como seria o caso dessa MP.
Apesar das críticas de Aras e Toffoli, houve no Supremo quem elogiasse a medida do governo.
Houve um cuidado maior na alteração dos parâmetros dos contratos de trabalhos para limitar ao tempo (em que vigorar) do estado de calamidade. A ninguém interessa a essa altura perder o emprego afirmou o ministro Marco Aurélio Mello.
Embora o governo tenha recuado, uma parte da Corte ainda aposta em mudanças no texto pelo Congresso e tratam como "inevitável" a judicialização da MP por outros pontos controversos que foram mantidos.
Bolsonaro recuou após ver a reação negativa no Congresso. Auxiliares do presidente no Palácio do Planalto dizem que a contrapartida não foi incluída nesta MP inicial, porque ainda estava sob avaliação de onde sairia o recurso e qual o valor que seria pago aos trabalhadores.
Mesmo assim, decidiram editar rapidamente a medida para dar uma sinalização de que o governo está empenhado em resolver a questão das empresas.
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