Em audiência nesta terça-feira (10) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), representantes de servidores públicos alertaram para os possíveis impactos da PEC Emergencial na prestação de serviços para a população. Segundo os participantes do debate, saúde, educação e segurança podem ser afetadas com a redução da carga horária dos servidores públicos em caso de crise financeira, conforme possibilidade aberta pela PEC 186/2019. Mas o relator, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), negou que a intenção da PEC seja reduzir a oferta de serviços públicos e reforçou que áreas prioritárias não devem sofrer cortes.
Rubens Pinto, coordenador da Associação Nacional da Carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais (Andeps), ressaltou que os mais pobres dependem mais do Estado para acesso a saúde, educação e outros serviços. Segundo sua avaliação, esses serviços já vêm sendo prejudicados desde a Emenda Constitucional do Teto de Gastos Públicos (EC 95, de 2016).
- A redução de 25% nos serviços públicos é 25% menos médicos trabalhando, menos enfermeiros trabalhando, menos professores trabalhando. É desvincular os mínimos constitucionais da educação e saúde. O impacto da Emenda Constitucional do Teto de Gastos que a gente vê é o aumento da fila no Bolsa Família, é a redução de beneficiários, é a fila no INSS na espera pela aposentadoria, é a volta da fome no Nordeste - criticou.
Ao discordar dos impactos da medida na saúde, educação e segurança, Oriovisto Guimarães chegou a acenar com a possibilidade de sugerir emenda à PEC para deixar expresso que não poderão ocorrer cortes nessas áreas.
- Ninguém vai cortar o horário de policial, ninguém vai cortar o horário de professor, ninguém vai cortar o horário de médico. Isso é uma coisa que não faz sentido - apontou.
Segundo Oriovisto, a PEC 186/2019 "não obriga nenhum governador e prefeito a fazer nada". Mas abre a possibilidade de adoção de medidas de ajuste fiscal.
- Ele vai fazer se ele quiser. A única previsão é que, se ele não fizer, não pode ter aval da União para empréstimo. Isso já está acontecendo na maioria dos estados brasileiros que já estão com nota C e D, o que já proíbe o aval da União.
Em relação à União, a PEC, segundo Oriovisto, determina algumas medidas, mas todas discricionárias, ou seja, que passarão por decisão do Executivo.
- Não existe corte linear, não existe isso - disse.
Para a presidente Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, discutir uma proposta de mudança na Constituição que dependa da vontade do presidente da República e de prefeitos e governadores para ser aplicada torna a medida inócua.
- Contar com a boa vontade e com o discernimento de ocupantes dos cargos políticos joga contra a ideia de segurança e de estabilidade - apontou.
Desigualdade
Em vez de uma solução para momentos de emergência fiscal, a PEC ampliará a crise, avaliou José Celso Pereira Cardoso Júnior, presidente da Associação Nacional dos Servidores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Afipea). Segundo ele, as reformas do governo "não estão ancoradas em gastos produtivos, mas em uma lógica financeira sem retorno para a sociedade".
- É um atalho para uma espécie de suicídio econômico para o Brasil. O Plano Mais Brasil anula a capacidade do Estado de investir em políticas públicas - criticou.
Heleno Araújo, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), estima que a medida pode trazer impactos negativos na educação, sobretudo para as famílias que dependem do Estado para estudar.
- Essas medidas só vão aprofundar as desigualdades e a miséria não vão atender os milhões de estudantes matriculados na educação básica - apontou.
A presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), Luciana Dytz, também alertou para os impactos da PEC no trabalho da Defensoria Pública e afirmou que a proposta é mais um ataque aos servidores públicos e à população brasileira.
- A questão dessa PEC seria combater gastos excessivos do funcionalismo. A gente vê pelos números que não é esse o intuito. Ela não vai chegar nesse objetivo, mas vai penalizar os serviços públicos e prejudicar a população pobre - criticou.
George de Souza, do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), ressaltou que o país promoveu uma série de desonerações e perdões de dívidas para grandes empresários nos últimos anos e chamou o servidor a pagar conta. Ele defendeu um caminho oposto para a recuperação financeira do Estado: aumentar a arrecadação por meio do combate à sonegação e por uma reforma tributária efetiva.
- A despesa com pessoal está sob controle, abaixo da média da OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Mais uma vez servidor público é chamado a dar sua cota de sacrifico. Como se já não tivesse feito o suficiente na reforma da Previdência - apontou.
O senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que o atual governo promove ataques profundos contra o funcionalismo público.
- Ou os servidores se levantam e vêm para o enfrentamento ou vai chegar a nível do desmonte total das carreiras do funcionalismo público - alertou.
A audiência desta terça-feira foi a primeira de um sequência de três previstas para discutir a proposta, a serem realizadas antes da leitura do relatório do senador Oriovisto Guimarães, prevista para o dia 18. O cronograma prevê a votação na CCJ para o próximo dia 25.