Carlos Magno de Souza
Sócio do escritório Zaponi, Magno e Coimbra advogados
Historicamente representada pela quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929, a Grande Depressão econômica americana levou o presidente Franklin Roosevelt (1933-1945) a implementar um conjunto de medidas liberais para racionalizar o efeito nefasto da crise nos Estados Unidos, entre elas a implantação de política inovadora nas relações de trabalho com objetivo de criação de novas vagas de emprego.
Com inspiração semelhante, inclusive quanto ao momento histórico de retração econômica, foi editada a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), cujo nascimento propositou modernizar as relações de trabalho através de medidas que resultaram na alteração de mais de cem dispositivos da CLT, compatibilizando a tecnologia à realidade do contrato de trabalho, instituindo novas formas de jornada, alterando ou suprimindo vários artigos até então obsoletos (o texto base original data de 1943) e remodelando sobremaneira as regras processuais, a exemplo do freio que se deu à concessão indistinta de justiça gratuita a reclamantes quanto a pedidos não exitosos.
Todavia, inúmeros desses dispositivos da Reforma foram -- e tem sido -- alvo de questionamentos judiciais quanto à legalidade e constitucionalidade, projetando um cenário de incertezas altamente nocivo à economia e às relações de emprego.
Contrato intermitente, índice de correção monetária aplicável a pedidos reconhecidos, valor da causa, prescrição de execuções trabalhistas não movimentadas pelos credores, pagamento de honorários por beneficiários de justiça gratuita, matérias que podem compor o texto de convenções e acordos coletivos de trabalho, bem como outras modificações da CLT tidas por algumas classes profissionais como prejudiciais aos trabalhadores são alguns dos temas que aguardam a concorrida pauta do Supremo Tribunal Federal.
Por isso, passados quase dois anos da efetiva entrada em vigor da lei, a movediça constitucionalidade de fração da Lei projeta decisões refratárias às novas regras da CLT: o TRT da 5ª Região (BA), por exemplo, julgou inconstitucional a regra que obriga os trabalhadores a pagar custas do processo se faltarem à audiência inicial sem justificativa, ainda que beneficiários da justiça gratuita; o TRT da 10ª Região (DF) entendeu inconstitucional regras que impõe ao trabalhador hipossuficiente o pagamento de honorários; o TRT da 4ª Região (RS) possui enunciados em sentido inverso àquelas implementadas pela Reforma Trabalhista; a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) organizou frentes de debate que resultaram na edição de mais de 100 enunciados, muitos dos quais sinalizando a incompatibilidade de artigos da Reforma Trabalhista com a Constituição Federal.
Com a finalidade de dissipar a divergência de entendimentos sobre a Reforma, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) içou proposta de revisão de suas súmulas para compatibilizá-las à nova ordem legal e direcionar a atuação de empregados, empregadores e o julgamento dos TRTs, mas, em 20.03.2019, a sessão foi suspensa pelo Pleno até que ocorra o julgamento do STF na Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 62/DF, que gravita sobre parte do artigo 702 da CLT.
O propósito da ADC é obter o posicionamento da Alta Corte sobre a constitucionalidade do procedimento adotado pelo TST naquela assentada para adequar o texto de suas súmulas à Reforma, já que os enunciados em via de mudança deveriam ter sido, em casos práticos, debatidos à larga por suas turmas.
A insegurança jurídica, a alta carga tributária e a rechaçável prática de corrupção são circunstâncias decisivas para desestimular a entrada de capital estrangeiro no Brasil e prejudicar sobremaneira o mercado interno, sendo que a irresolução em torno das novas regras da CLT reforça a ideia de país não atrativo ao investimento.
Não se sabe quando o STF enfrentará a impugnação processada em face dos inúmeros dispositivos da Reforma. Com isso e por isso, as empresas que precisam aplicar algumas medidas da "nova CLT" para continuarem existindo não o fazem por receio de a norma vir a ser julgada inconstitucional; outras tantas, acreditando na validade da norma, podem estar inflando um passivo trabalhista impagável, isto é, a Reforma institucionalizou a concorrência desleal entre corajosos e receosos, de modo que o eldorado de oportunidades que se pretendia com a implementação do New Deal verde e amarelo está relegado ao peçonhento campo da indefinição legal.
Pela absoluta pertinência, vale transcrever oportuno pensamento do estadista Franklin Roosvelt: "Os únicos limites das nossas realizações de amanhã são as nossas dúvidas e hesitações de hoje."