Magistrados alertam que Lei de Abuso de Autoridade fragilizará o sistema de Justiça do país (foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados) Juízes e procuradores questionam 14 artigos da Lei 13.869/2019, conhecida como Lei de Abuso de Autoridade. Desde que a lei passou pelo Congresso Nacional, entidades representativas das principais carreiras atingidas conseguiram que Jair Bolsonaro vetasse vários pontos considerados prejudiciais às atividades. Porém, o parlamento derrubou os vetos do presidente da República.
Na manhã de hoje, em carta aberta à sociedade, entidades que fazem parte da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) -- representa mais de 40 mil juízes e membros do Ministério Público no país - criticam a lei e alertam que, se mantida nos termos atuais, se transformará em "um estímulo e incentivo à impunidade" e "fragilizará o sistema de Justiça do país".
As entidades entraram com três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins), no Supremo Tribunal Federal (STF), questionado os artigos 9º, 10º, 19, 20, 25, 27, 30, 31, 32, 33, 36, 37, 38 e 43. Elas repudiam qualquer tipo de abuso, mas dizem que não podem concordar com uma lei que, "além de corroer a independência do Judiciário e do MP, fragiliza a atuação dos órgãos que integram o sistema de justiça, em especial os que combatem o descumprimento de direitos fundamentais". De acordo com a Frentas, também vão atuar contra a derrubada dos vetos a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça e a Procuradoria Geral da República (PGR). Ângelo Fabiano Costa, coordenador da Frentas e presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, já entrou com contato com o PGR. "O procurador -geral (Augusto Aras) pediu que mandássemos nossos argumentos. Ele deverá ser ouvido também sobre a lei 13.869/2019". Costa lembrou que atualmente no Brasil acontecem mais de 3 mil mortes anuais e cerca de 700 mil acidentes de trabalho por ano. O que causa gasto gigantesco para a previdência e assistência à saúde. De 2012 para cá, o impacto financeiro negativo aos cofres públicos chegou a de R$ 800 bilhões.
"Importante lembrar que o MP muitas vezes segue normas infralegais (normas regulamentadoras), para adequar a lei ao caso concreto. Se a lei de abuso de autoridade, que entra em vigor no ano que vem, passar como está, juízes e procuradores vão perder a paz de espírito", disse.
Também no campo trabalhista, de acordo com a juíza Noêmia Porto, presidente da Associação Nacional do Magistrados do Trabalho (Anamatra), a lei vai favorecer que muitos devedores deixem de honrar seus compromissos, principalmente dos de alto poder aquisitivo. "Normalmente, se trata de proventos de natureza salarial. Para tal, os juízes podem fazer uso do BacenJud. O problema é que o artigo 36 criminaliza o magistrado, ou seja, deixa na mão do devedor um instrumento para constranger o juiz e não fazer valer a autoridade das decisões judiciais", denunciou. Fábio George da Cruz Nóbrega, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, lembra que o artigo 30 deixa em aberto o conceito de justa causa para se dar início a ações judiciais. "A abertura de ações pode configurar crime. O MP não pode ter risco de agir", afirmou.
Fernando Mendes, presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), fez questão de "desmitificar a narrativa de que não há sistema de controle para os juízes". Ele lembrou que o sistema recursal prevê quatro instâncias julgadoras que fazem revisão da decisão judicial. O debate que a Ajufe pretende para a manutenção dos vetos da Lei 13.869 é eminentemente técnico, apontando que os juízes já são submetidos à Lei Orgânica da Magistratura (Loman), que define as responsabilidades do juiz no exercício da função. "Não pode uma lei ordinária (abuso de autoridade) modificar o que uma lei complementar (Loman) estabeleceu. Não vamos defender o debate político. Mas da maneira como os vetos foram derrubados, vão afetar a atuação da magistratura", disse.