O ex-presidente da Associação Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho, Gustavo Feliciano, defendeu nesta semana, em visita a Fortaleza, que a "capilaridade" da Justiça trabalhista seja utilizada para ampliar competências
Enquanto a possibilidade de extinção não está mais - ao menos por enquanto - no radar do Governo Federal, a Justiça do Trabalho no Brasil busca se fortalecer diante de desafios trazidos pela reforma trabalhista. Segundo o presidente da Associação Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, as mudanças na legislação colocaram sob dúvida a constitucionalidade de vários pontos e também influenciaram queda na quantidade de processos trabalhistas mas, para ele, a Justiça do Trabalho pode ter a "capilaridade" que possui no País aproveitada em "outras questões".
Feliciano esteve em Fortaleza, na última semana, para participar do Congresso Internacional "A Justiça do Trabalho no Brasil e no Mundo", promovido pela Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho do Ceará. Segundo ele, a redução de novas demandas - de cerca de 30% no primeiro ano de vigor da reforma trabalhista, que passou a valer em novembro de 2017 -, ocorreu por ter se tornado mais difícil acionar a Justiça.
"Não foi por um motivo virtuoso", afirmou, acrescentando que considera que a queda não será permanente. De acordo com o presidente da Anamatra, o problema que se apontava de um "excesso de litigância" trabalhista não teria razão de ser na Justiça do Trabalho, mas na conjuntura econômica.
"O Judiciário trabalhista geralmente tem menos demanda quando você tem uma economia pujante, a economia girando, o trabalhador ficando no emprego, sem rotatividade... Nessas circunstâncias, as demandas caem, ou, pelo menos, estabilizam-se", avaliou. "De alguma maneira, culparam a janela pela paisagem", completou.
Além disso, segundo Feliciano, a reforma trabalhista "trouxe imensos desafios novos, especialmente na questão da interpretação". Para o magistrado, vários pontos têm sua constitucionalidade sob dúvida, inclusive sobre o acesso à Justiça.
Extinção
O presidente da Anamatra, entretanto, não vê mais a extinção da Justiça do Trabalho na pauta. "O próprio presidente (do Tribunal Superior do Trabalho, TST, órgão máximo do Judiciário trabalhista no Brasil) (João) Brito Pereira, inclusive após aquela fala do presidente (Jair Bolsonaro) em janeiro, ouviu do próprio presidente da República que, na verdade, aquilo tinha sido uma referência infeliz".
Em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) externou o desejo de trazer o tema para discussão. "Poderia fazer, está sendo estudado. Em havendo clima, poderíamos discutir e até fazer uma proposta", declarou o recém-empossado chefe do Executivo ao SBT, na primeira entrevista após subir a rampa do Planalto.
Competência
Neste contexto, segundo Guilherme Feliciano, menos do que reduzir as competências atuais da Justiça do Trabalho, os magistrados estão dispostos a assumir mais responsabilidades: as questões trabalhistas que envolvam os servidores municipais e estaduais - atualmente, de competência da Justiça comum - e os funcionários públicos federais - competência da Justiça Federal comum.
"As varas trabalhistas, hoje, alcançam quase todos os municípios do território nacional. Você quase não tem mais a competência residual dos juízes comuns. É essa capilaridade que pode ser aproveitada para outras questões", argumenta o presidente da Anamatra. Segundo o magistrado, os colegas das justiças estaduais estariam mais abertos à medida. Já os federais, por sua vez, mais receosos.
Cenário alemão é diferente
Também em Fortaleza, a pesquisadora Marie Diekmann, da Universidade Goethe, na Alemanha, mostrou surpresa em saber que há, no Brasil, discussões sobre a extinção da Justiça do Trabalho e disse desconhecer "discussões como essa na Alemanha".
Segundo ela, no país europeu - que tem uma Justiça trabalhista com estrutura semelhante à do Brasil - há de fato discussões sobre os impactos que a Justiça do Trabalho tem sobre a economia e a competitividade e se ela não seria excessivamente "pró-trabalhador". Entretanto, para Marie Diekmann, a discussão sobre o fim da Justiça do Trabalho seria equivocada.
"Teria grandes desigualdades sociais, e isso é realmente um problema para a segurança e mesmo para a economia. A experiência na Alemanha aponta que, quando você tem grandes desigualdades sociais, isso afeta a paz social", alega.