Entidades do Judiciário querem juízes com inteligência emocional e capacidades cognitivas
Michael Melo/Metrópoles
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O aumento significativo de candidatos à magistratura tem feito o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) repensar os critérios de seleção dos candidatos. Em audiência pública realizada nesta semana, representantes funcionais e acadêmicos debateram sobre o que consideram mais relevante para o perfil dos futuros juízes. A conclusão foi unânime: é preciso muito mais do que o conhecimento técnico cobrado nas provas para assumir esse cargo vitalício.
O modelo de avaliação inicial foi padronizado em 2009, com a Resolução nº 75. Em dez anos, as orientações foram usadas para elaboração das provas objetivas, subjetivas e orais, além da avaliação de títulos. Com a preparação cada vez mais profissional e especializada nos conteúdos exigidos, foi ligado um sinal de alerta: a imaturidade e a falta de habilidades inter e intrapessoais dos novos juízes. A consequência foi um aumento nas licenças médicas motivados por problemas de saúde mental.
No evento ocorrido nesta semana, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal de Justiça (STF), Dias Toffoli, alertou para as competências desejadas que não estão sendo levadas em consideração nos concursos da magistratura. Segundo ele, é preciso ter a capacidade de lidar com conflitos políticos, sociais e culturais complexas, além de assumir atribuições gerenciais e de liderança, que não fazem parte dos exames.
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Na ocasião foi apresentado um estudo que identificou 20 competências de liderança na administração pública que devem também ser observadas para o bom exercício do trabalho jurídico. Em destaque estão a negociação, orientação para resultados, processos decisórios, inovação, empatia, flexibilidade e inspiração de pessoas. Aspectos que têm sido observados no setor público e que começam a ganhar espaço na seleção de profissionais.
José Barroso Filho, que representou a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados da Justiça Militar da União (Enajum), pontuou que a empatia, a ética e o relacionamento não estão sendo considerados diante da preocupação gigantesca dos candidatos em memorizar o conteúdo programático. "O juiz do século XXI precisa saber que sua missão é muito especial; ele pode provocar mudanças definitivas na vida de outra pessoa", afirmou.
Vocação
Os participantes do debate foram unânimes em defender que a vocação e a experiência de vida fazem diferença no exercício da magistratura. Muitos dos aprovados nas seleções dos últimos anos são jovens e sem experiência profissional anterior, o que tem gerado preocupação.
O conselheiro Valtércio de Oliveira, da Comissão de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas da entidade, ponderou o prejuízo causado pela falta de maturidade suficiente e de equilíbrio para lidar com as atividades atribuídas aos magistrados. Para o conselheiro do CNJ Mário Schiefler, a magistratura não pode ser o primeiro emprego e, por isso, sugeriu uma mudança polêmica: definir uma idade mínima para o ingresso na carreira, o que gerou discordância da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Para aferir a vocação e as aptidões emocionais e relacionais, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) sugeriu a reformulação das provas de títulos, incluindo pontuações para trabalhos sociais e de extensão à comunidade e valorizando a experiência profissional, para ir além dos critérios puramente acadêmicos.
Mudanças sugeridas
Além da preocupação com a aptidão e perícia psicossocial, também foram levantadas outras possíveis alterações na normativa. A Associação dos Juízes pela Democracia (AJD) defende um aumento da diversidade de perfis dos candidatos, para isso, sugeriu que para cada cinco vagas para juízes, uma fosse destinada às mulheres e outra para pessoas negras ou pardas de qualquer sexo.
Para a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), as escolas de magistratura deveriam ficar responsáveis pelo processo de seleção, por manterem uma comissão permanente capacitada, bem como serem eficientes no diálogo entre as necessidades do posto e a interação com o mundo acadêmico.
As provas e o curso de formação devem passar por alterações com a inclusão de disciplinas como história e sociologia com foco em conteúdos relacionados à realidade social e econômica do país para aferir o senso crítico e a percepção humanística dos aspirantes.
O estágio probatório também será alvo de alterações. Por se tratar de uma função vitalícia, as entidades jurídicas se preocupam com necessidade de identificar desde o início o alinhamento do novo juiz ao presente e ao futuro. A ideia apresentada foi de verificar, durante os três primeiros anos, a integração do conhecimento com a inteligência emocional para garantir que estejam alinhados com a necessidade da presença de profissionais que conseguem gerir o tempo, o trabalho e as relações pessoais.
Atualmente existem 17 mil magistrados em atividade no país. A partir do debate ocorrido essa semana, terá início a reformulação da Resolução nº 75, porém, ainda não há prazo para que o trabalho seja concluído.