Ajufe, que representa juízes federais, pede investigação sobre vazamento. ANPR, representante de procuradores, diz que obtenção de mensagens foi 'criminosa'
RIO - Entidades que representam juízes federais e procuradores da República se manifestaram através de notas oficiais, nesta segunda-feira, pedindo uma apuração "aprofundada" sobre a divulgação de conversas entre o atual ministro da Justiça Sergio Moro e o coordenador da Lava-Jato Deltan Dallagnol , assim como mensagens trocadas por outros integrantes da força-tarefa. As conversas foram divulgadas pelo portal "The Intercept Brasil" na noite de domingo. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) recomendou que os dois se afastem de seus cargos enquanto as investigações aconteçam. A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) reiteraram confiança no trabalho de juízes federais e procuradores do Ministério Pública Federal (MPF), respectivamente.
Em seu comunicado, a Ajufe ressaltou que "em razão de sua natureza associativa, atua constantemente na defesa de juízes federais". À época das conversas divulgadas neste domingo, ocorridas entre 2015 e 2017, Moro atuava como titular da 13ª Vara Federal de Curitiba e era responsável por apreciar denúncias apresentadas pelos procuradores da Lava-Jato .
Nas conversas divulgadas pelo site "The Intercept Brasil", Moro supostamente tenta combinar uma estratégia de defesa para ataques públicos sofridos pela Lava-Jato, e cita o nome da associação como um possível caminho para rebater as críticas. A nota da Ajufe afirma que, de 47 notas públicas divulgadas deste 2016, "apenas 8 tratam da Operação Lava-Jato ou do atual Ministro da Justiça, Sergio Moro".
"As informações divulgadas pelo site precisam ser esclarecidas com maior profundidade, razão pela qual a Ajufe aguarda serenamente que o conteúdo do que foi noticiado e os vazamentos que lhe deram origem sejam devida e rigorosamente apurados", diz o comunicado.
"A Ajufe confia na honestidade, lisura, seriedade, capacidade técnica e no comprometimento dos Magistrados Federais com a justiça e com a aplicação correta da lei", completa a nota da Ajufe.
A ANPR também afirmou que "cobrará das autoridades competentes a apuração rigorosa" das conversas, "mediante investigação célere, isenta e aprofundada". A associação representante de procuradores também classificou como "criminosa" a forma de obtenção das conversas. O portal "The Intercept Brasil" informou que elas foram obtidas através de uma fonte anônima. Os procuradores da Lava-Jato alegaram, em nota, terem sido vítimas do ataque de um hacker.
"Os dados utilizados pela reportagem, se confirmada a autenticidade, foram obtidos de forma criminosa, por meio da captação ilícita de conversas realizadas, violando os postulados do Estado Democrático de Direito. Por essa razão, são completamente nulos os efeitos jurídicos deles decorrentes. (...) A ANPR repudia, categoricamente, o vazamento de informações obtidas de maneira ilegal, independentemente da fonte do vazamento, do seu alvo ou do seu objetivo", diz o comunicado.
A nota da ANPR também "reitera a confiança no trabalho que vem sendo desenvolvido pelos membros do Ministério Público Federal que atuam na Operação Lava Jato".
OAB recomenda que Moro e Dallagnol peçam afastamento
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) recomendou que Moro e Dallagnol peçam afastamento de seus cargos para que as investigações "corram sem qualquer suspeita". O órgão defendeu, ainda, a "investigação plena, imparcial e isenta" dos fatos. Segundo a OAB, houve "possível relação de promiscuidade na condução de ações penais no âmbito da operação Lava-Jato".
A posição da OAB foi tomada por unanimidade, em votação do Conselho Federal e do Colégio de Presidentes de Seccionais do órgão. De acordo com o texto, a OAB "perplexidade e preocupação com os fatos recentemente noticiados pela mídia, envolvendo procuradores da república e um ex-magistrado, tanto pelo fato de autoridades públicas supostamente terem sido 'hackeadas', com grave risco à segurança institucional, quanto pelo conteúdo das conversas veiculadas, que ameaçam caros alicerces do Estado Democrático de Direito".
Ainda de acordo com o texto, a OAB, deve "tomar todas as medidas cabíveis para o regular esclarecimento dos fatos, especialmente junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), Procuradoria-Geral da República (PGR), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ)". Não foram informadas, no entanto, quais medidas judiciais devem ser tomadas sobre o episódio.
O tom da nota da OAB é semelhante ao da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), que representa mais de 4 mil juízes trabalhistas. A entidade entende que o episódio é "de profunda gravidade, tornando imprescindível a sua apuração, devido às garantias da sociedade de um Judiciário independente e imparcial".
Conselho do MP pede investigação
Integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) pediram que o órgão investigue as conversas entre Dallagnol e Moro, para apurar se houve "eventual falta funcional, particularmente no tocante à violação dos princípios do juiz e do promotor natural, da equidistância entre as partes e da vedação de atuação político-partidária". Em uma das mensagens de texto divulgadas pelo "The Intercept Brasil", data em 21 de fevereiro de 2016, Moro sugeriu alterações no calendário das operações da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, em decorrência de desdobramentos políticos. Dallagnol, de acordo com o site, disse ao magistrado que haveria problemas logísticos para acatar a sugestão.
A reportagem ainda cita mensagens entre os procuradores nas quais eles teriam discutido no aplicativo Telegram uma maneira de barrar a entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski antes das eleições de 2018.
Procurado pelo GLOBO, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não havia se manifestado até a publicação desta reportagem.
Em nota conjunta, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) e a Associação Latinoamericana de Juízes do Trabalho (ALJT) defenderam a "declaração de inexistência de todos os atos processuais" oriundos de acusações no âmbito da Lava-Jato, inclusive a prisão do ex-presidente Lula. Já a advogada Maria Garcia, diretora-geral do Instituto Brasileiro de Direito, criticou o vazamento de conversas particulares envolvendo Moro e procuradores da Lava-Jato.
- A Constituição é explícita no que diz respeito à intimidade e à vida privada. É inviolável - avaliou Garcia.