BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - O MPT (Ministério Público do Trabalho), a Defensoria Pública da União, advogados e parentes de vítimas da tragédia de Brumadinho (MG) reagiram com indignação à estratégia jurídica da Vale de limitar indenizações por danos morais a 50 salários.
Um dispositivo da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), inserido pela reforma trabalhista de Michel Temer (MDB), fixa este teto como valor máximo para danos morais de acordo com o salário de cada empregado.
A Folha de S.Paulo de quarta-feira (6) revelou que a empresa pode tentar fazer valer essa regra.
Um advogado que atua para a mineradora reconheceu que parentes de vítimas que não eram funcionárias da empresa podem ter indenizações maiores por causa desse dispositivo da CLT.
O procurador do MPT em Minas Gerais e coordenador do grupo de trabalho responsável pelo caso da tragédia de Brumadinho, Geraldo Emediato, contesta e diz que não há como fixar um preço no dano moral sofrido por um trabalhador.
Emediato afirma que a regra levantada pela mineradora é objeto de ADI (ação direta de inconstitucionalidade) no STF (Supremo Tribunal Federal), ainda à espera de decisão.
A ação foi apresentada pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).
"Se no direito civil não há limitação, cabe ao juiz decidir, por que só o trabalhador teria esse limite? O dano moral não tem preço. Uma pessoa foi assassinada, soterrada debaixo de metros e metros de lama, como pode fixar um valor limite para um dano dessa magnitude?", questiona Emediato.
O rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão deixou até o momento 193 mortos e 115 desaparecidos, de acordo com a Defesa Civil de Minas Gerais.
O defensor público da União Antonio de Maia e Pádua, que também atua no caso de Brumadinho, diz que indenizações são uma forma de reparar danos materiais ou morais. O que, para ele, mostraria a inconstitucionalidade da regra posta na reforma.
"A Defensoria espera que a Vale não invoque essa regra de validade questionável para preservar o caixa da empresa em detrimento da reparação dos trabalhadores vitimados pelo rompimento da barragem", afirma.
Para Leonardo Moura Santana, advogado da Associação Brasileira de Vítimas de Acidentes de Trabalho, que atende algumas famílias de vítimas da tragédia, um dos problemas do dispositivo da CLT é que ele não fixa um valor único para todos.
"Tinha gente que ganhava R$ 12 mil por mês e tinha quem recebia R$ 2 mil. Assim, o dano moral de um seria R$ 600 mil e de outro R$ 100 mil. É absurdo. A vida de um rico vale mais que a vida de um pobre?"
Muitos parentes não quiseram comentar o caso, alegando receio.
Leonardo Fabiano Nascimento dos Santos, 34, perdeu a esposa Daiana Caroline Silva Santos, 33, na tragédia. O casal se conheceu na empresa, em que ela ocupava seu emprego dos sonhos.
No dia 25 de janeiro, Daiana voltou para o primeiro dia de trabalho após cinco meses de licença-maternidade. Ela segue na lista de pessoas "sem contato".
"Nada conseguirá suprir a ausência de minha esposa na família, muito menos na vida do nosso Heitor, de seis meses. Agindo dessa forma a empresa nos transmite a mensagem de que somos apenas números inúteis e substituíveis", diz ele.
Procurada pela reportagem, a Vale não retornou ao contato até a publicação desta reportagem.
À Folha de S.paulo, o advogado disse que, caso a Justiça entenda que houve responsabilidade objetiva da mineradora, ela pedirá a observação dos limites previstos, que são válidos e que não foram criados pela empresa.
CÁLCULOS
Segundo cálculo do MPT, a pensão que a Vale terá de pagar às famílias de empregados mortos deve ficar entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões.
Com média de idade das vítimas de 38 anos, presumindo uma vida até 75 anos, a mineradora teria de compensar por 37 anos de salários de cerca de R$ 3 mil. Além disso, filhos teriam direito a indenização moral.
"Uma coisa é acidente de trabalho por negligência, outra por dolo eventual. Documentos mostram que a Vale precificou o dano moral. Ela, praticamente, premeditou o evento e isso agrava na ótica do juiz", avalia Emediato.
A ação do MPT, diz ele, abrange funcionários da mineradora e terceirizados, pedindo a mesma indenização e os mesmos critérios para todos. Ao todo, 89 empresas foram atingidas pelo curso da lama.