NUNCA MAIS... ATÉ QUANDO?
Relatório da empresa estimava R$ 9,7 mi por morte em acidentes
Peterson Nunes Ribeiro, 31, era ajudante de almoxarifado terceirizado na Vale quando foi atingindo pelo rompimento da barragem I da mina de Córrego do Feijão. Segundo a proposta de indenização por danos morais da mineradora, a família dele, formada por mulher, três filhos, três irmãos e a mãe, receberia R$ 1,57 milhão. O valor representa menos de um quinto do provisionamento por vida feito pela própria empresa. Em um documento interno de análise de riscos no caso de rompimento da barragem em Brumadinho, a empresa calcula a indenização em US$ 2,6 milhões (cerca de R$ 9,75 milhões) por vítima morta.
"Esse é o valor que a própria Vale colocou por vida na análise dela. Em um documento para os investidores estrangeiros. Eu fico indignado. O mesmo documento mostra que eles sabiam do risco de rompimento. Tudo bem determinar o valor, mas não fazer nada para evitar o que aconteceu?", diz o diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Siticop-MG), Eduardo Armond.
O documento interno da Vale, anterior à tragédia, foi utilizado pelo Ministério Público do Estado (MPMG) em ação civil pública que solicitou auditoria técnica independente em outras oito barragens da Vale. Segundo a ação, de 2 de fevereiro, elas "estariam em severo risco de rompimento atualmente", segundo os critérios da própria Vale.
"Eu quero é que as barragens acabem, que a Vale acabe, que o presidente seja preso", desabafa Malvina Firmino Nunes, 61, mãe de Peterson, ao falar sobre uma possível reparação diante da perda do filho.
Na avaliação do procurador do Trabalho, Márcio Amazonas, chefe da Assessoria Jurídica do Gabinete do Procurador Geral do Trabalho, a proposta da mineradora é irrisória. "A Vale teria que ter apresentado uma proposta muito maior do que o valor médio da Samarco, que foi de R$ 2 milhões por núcleo familiar. Um dos fatores que levamos em conta na Justiça é o porte da empresa. A Vale é muito maior do que a Samarco", diz.
A produção de minério da Vale está estimada em 400 milhões de toneladas para 2018, 16 vezes mais do que as 25 milhões de toneladas produzidas pela Samarco em 2015, ano do rompimento da barragem de Fundão. "A proposta da Vale não reflete a gravidade, a importância internacional da empresa, a reincidência", complementa a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT-MG) Ana Cláudia Gomes.
Na última sexta-feira, em audiência com a Vale na 5ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho em Betim, o MPT, o Siticop-MG e outras entidades sindicais, com o apoio de familiares das vítimas, propuseram o valor de R$ 9,7 milhões como indenização global pelo dano material e moral a ser quitado ao grupo familiar de cada trabalhador morto ou desaparecido no rompimento da barragem em Brumadinho, independentemente do tipo de vínculo com a Vale - próprio, terceirizado, estagiário ou autônomo. A empresa não aceitou a proposta, e a decisão será da Justiça.
Legislação causa desigualdade
Considerado como uma crueldade por especialistas, o artigo 223 da Lei 13.467/2017, da reforma trabalhista, limita as indenizações por dano moral ao teto de 50 vezes o valor do último salário das vítimas. Segundo o chefe da assessoria jurídica do gabinete do procurador geral do Trabalho, Márcio Amazonas, a hipótese, embora garantida pela lei, é de extrema desigualdade. "Não tem por que uma pessoa ter a vida mensurada em relação à quantidade de salários. É totalmente inconstitucional", destaca.
A norma é alvo de ação direta de inconstitucionalidade da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). "O dano moral decorrente da perda de funções é exponencialmente mais impactante no trabalhador de menor renda. Não há como negar que isso afronta os princípios da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade", diz nota da Anamatra.
"Não há má-fé processual, porque a lei está vigente, mas posso dizer que, se a Vale usar essa argumentação, será, no mínimo, antiético. É ofensivo, é tratar o ser humano de acordo com o seu bolso", argumenta a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) Ana Cláudia Gomes.
Leia nesta terça-feira (26): A luta pela isonomia aos terceirizados