A REFORMA TRABALHISTA É UM FRACASSO DE VAGAS E GLÓRIA DA PRECARIZAÇÃO. SEGUNDO BOLSONARO, O TRABALHADOR BRASILEIRO TEM AINDA DIREITOS EM EXCESSO E É PRECISO MEXER NOVAMENTE NA LEI. O FIM DO MINISTÉRIO DO TRABALHO ESTÁ NO AR
por ANDRÉ BARROCAL*
Vinícius Belarmino, metalúrgico paulista de 33 anos, vai se casar em dezembro, aquele mês em que o 13º salário faz a festa dos lojistas, 211 bilhões de reais devem ser injetados na economia este ano, graças à gratificação criada por Getúlio Vargas, nas contas do Dieese. Analista de qualidade com mais de uma década de experiência no ABC Paulista, Belarmino subirá ao altar na condição de autônomo. Em 2015, auge da crise do setor automotivo, ele foi dispensado da empresa onde esteve por oito anos e em 40 dias conseguiu vaga em outra firma do ramo, com salário e benefícios similares. Em 2018, aderiu a um programa de demissão voluntária e aí encontrou um mercado de trabalho bem mais hostil, salários até 40% menores, por exemplo. Após cinco meses à procura de emprego, desistiu e entrou para o time das pessoas que tocam a vida por conta própria. Virou consultor. "As empresas pagam pouco, não oferecem benefícios e esperam que você trabalhe por dois ou três, até para suprir os profissionais demitidos nos últimos anos", diz.
Belarmino é um exemplo de que o paraíso prometido pelo governo Michel Temer com a reforma, ôps!, a "modernização" trabalhista, como prefere o presidente, era miragem. No aniversário de um ano das novas regras, completado dia 11, o saldo era de 380 mil empregos. Cifra distante daqueles 2 milhões de vagas previstos para surgir em 2018 e 2019 pelo então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, um político, aliás, na fila do seguro-desemprego, punido pelas urnas ao tentar renovar o mandato de deputado gaúcho pelo PTB. A taxa de desemprego mudou pouco desde a reforma. Era de 12,2% em outubro de 2017, um total de 12,7 milhões de pessoas desocupadas, e caiu para 11,9%, ou 12,5 milhões, em setembro, último dado disponível no IBGE. O número de pessoas que desistiu de procurar ocupação por achar inútil, o chamado desalento, subiu de 4,2 milhões para 4,8 milhões. O de autônomos, como Belarmino, de 23 milhões para 23,5 milhões. O de trabalhadores na informalidade, de 11 milhões para 11,5 milhões.
A reforma pretendia facilitar as contratações, ao baratear o brasileiro, com a legalização de situações que na verdade são trabalho precário. "A institucionalização do bico", como costuma dizer Vagner Freitas, presidente da CUT. Nem assim deu certo. Claro. Falta crescimento econômico, falta consumo, enfim, essas coisas que animam os empresários a botar a mão no bolso. Em 2017, a economia avançou 1% e este ano segue nesse ritmo. A taxa de investimento está em 16% do PIB, uma das mais baixas, longe do pico de 27% atingido no terceiro trimestre de 2013.
O sucessor de Temer não quer nem saber. Jair Bolsonaro e seu superministro da Economia, Paulo Guedes, planejam aprofundar a reforma, com menos direitos para os trabalhadores e mais liberdade para os empresários. As projeções bolsonaristas são para lá de otimistas também, 10 milhões de empregos novos no futuro governo, dos quais 6 milhões em dois anos. E quanto ao crescimento econômico? Bom, esse aí pode chegar a 3%, 3,5% no ano que vem, segundo Guedes, mas desde que o Congresso aprove outra reforma impopular, a da Previdência, e dê independência total ao Banco Central. E mais uma replicação de um princípio infrutífero na gestão temerista: com reformas e ortodoxia Fiscal, o PIB encorpa, puxado pela confiança dos endinheirados.
Em seu anseio de despertar o espírito animal dos empresários, Bolsonaro namora a ideia de fechar o Ministério do Trabalho. Na quarta-feira 7, comentou em Brasília que iria "ser incorporado a algum ministério". Na terça-feira 13, voltou à capital federal e ajeitou um pouco o d iscu rso. Foi logo após conversar com o comandante do TST, o tribunal trabalhista máximo. O juiz Brito Pereira não quis falar com Bolsonaro a sós. Havia vários colegas de tribunal a seu lado, gesto descrito por um deles como tentativa de mostrar a importância da Justiça do Trabalho, tratada como "Geni" no governo Temer. Após a reunião, o ex-capitão afirmou que "ninguém está menosprezando" o Ministério do Trabalho, que a pasta continuará com o status atual, só que unida a outras: "Vai ser ministério disso, disso, disso e Trabalho". Um dia depois, porém, ainda em Brasília, comentou na TV Record: "Não importa se vai ter status de ministério, pouco tem a ver". Mas "vai ser diminuído". Quer dizer, o objetivo é esvaziar a pasta, e algum esvaziamento haverá, A hipótese de o ministério sumir revolta sindicalistas. A Força Sindical chama a ideia de "nefasta". A UGT, de "atentado", Para a CTB, seria ampliar "enormemente a precarização do trabalho". Para a CSB, "a cereja do bolo da reforma trabalhista" de Temer. Para a Conlutas, uma política ultraliberal "para favorecer os interesses dos patrões". Queixas recebidas com certo deboche pelo futuro chefe da Casa Civil de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni. "Se dependesse das centrais sindicais brasileiras, o deputado Jair Bolsonaro não era presidente", disse. Os funcionários do ministério reclamam também. Na quinta-feira 8, uns 600 deles fizeram um protesto na porta do prédio. Em uma atitude rara, o ministério divulgou uma nota em seu site, em defesa de si como "a casa materna dos maiores anseios da classe trabalhadora e do empresariado moderno, que, unidos, buscam o melhor para todos os brasileiros". Detalhe: o ministro atual, Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello, é irmão do juiz do TST Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, inimigo da reforma trabalhista de Temer e da terceirização ampla, geral e irrestrita aprovada pelo Supremo Tribunal Federal.
O Ministério do Trabalho completa 88 anos no dia 26. Nasceu com um decreto de Vargas em novembro de 1930, um mês após a chegada do gaúcho ao poder. O Brasil era então um país agrário. As relações entre trabalhadores e patrões eram discutidas no Ministério da Agricultura. Ao criar o novo órgão, Vargas mirava um Brasil industrializado no futuro, com aumento da massa operária urbana. Foi também uma forma de manter o controle estatal dos sindicatos. Uma das primeiras medidas do "Ministério da Revolução" foi impor a unicidade sindical (um por categoria e região apenas) e exigir autorização prévia para a abertura das entidades. Por outro lado, havia punição para empresários que sabotassem atividades sindicais. Entre as obras do ministério na era Vargas estão o salário mínimo, as férias remuneradas, a jornada de oito horas por dia e a carteira de trabalho.
Bolsonaro tem planos de criar uma nova carteira, a "Verde-Amarela", para os "novos trabalhadores", conforme seu plano de governo. Nessa carteira, diz o documento, "o contrato individual prevalece sobre a CLT, mantendo todos os direitos constitucionais". CartaCapital ouviu um juiz trabalhista que examinou a proposta, para tentar entender aonde o ex-capitão quer chegar. Para esse magistrado, a carteira "Verde-Amarela" estaria imune às negociações e convenções coletivas, meios de conquista de benefícios adicionais, como plano de saúde, vale-refeição e auxílio-creche, por exemplo. Em geral, esses benefícios se somam aos direitos fixados no artigo 7º da Constituição, um total de 34 inspirados na herança varguista: 13º salário, FGTS, seguro-desemprego, férias remuneradas, licenças maternidade e paternidade, aviso prévio, e por aí vai.
"A reforma de Temer, diz Vagner Freitas, presidente da CUT, é 'A institucionalização do Bico"'
A reforma de Temer encontrou um jeito de driblar, parcialmente, o recebimento dos direitos constitucionais pelos trabalhadores. Foi com a criação de um regime laborai novo, o trabalho intermitente. Neste, a pessoa fica à disposição do empregador, mas é remunerada de forma proporcional ao tempo que de fato trabalhou. Se foram dez horas de labuta ao longo de um mês, vai embolsar o equivalente a isso em férias, 13º, FGTS etc. O trabalhador do regime intermitente corre o risco de não conseguir pagar contribuição à Previdência e ficar sem direito à aposentadoria no futuro. Eis uma boa maneira de salvar as contas do INSS: dificultando o acesso das pessoas aos benefícios. O futuro governo Bolsonaro tem planos radicais de mexer na reforma da Previdência e implantar aqui um modelo do tipo capitalização, em que é cada um por si, sem solidariedade entre gerações. O Chile fez na ditadura neoliberal de Augusto Pinochet e hoje em dia vê protestos contra o empobrecimento dos idosos. As centrais unem-se desde já contra essa reforma e prometem panfletagens dias 22 e 26, para começar a preparar os brasileiros para o que virá pela frente.
No caso trabalhista, Bolsonaro sonha com um ambiente americanizado: leis trabalhistas frouxas, sindicatos fracos. Nos Estados Unidos, a principal lei do ramo é de 1938, obra do ex-presidente Franklin Roosevelt e seu New Deal pós-crash de 1929. Ela impôs salário mínimo e pagamento de horas extras, além da jornada semanal e recolhimento patronal à Previdência, por exemplo. Não há, porém, 13º nem FGTS. As férias são de dez dias anuais - mais do que isso, depende da boa vontade da chefia. Ex-presidente do sindicato dos bancários de São Paulo e ex-ministro do Trabalho, o petista Ricardo Berzoini lembra que, certa vez, foi aos EUA, a convite de sindicalistas, para conversar sobre a possibilidade de os bancos brasileiros atuantes lá pagarem os direitos daqui. Os bancários americanos achavam que assim poderiam arrancar benefícios iguais das instituições patrícias. Segundo Berzoini, não deu certo. Os bancos locais ameaçaram cortar o crédito interbancário das instituições brasileiras, para estas não darem mau exemplo.
De passagem pela Associação Comercial do Rio de Janeiro em maio, Bolsonaro defendeu que a legislação trabalhista aqui deveria "beirar a informalidade" e que a negociação entre patrão e empregado fosse direta, sem sindicato no meio. Em um vídeo na internet no último dia 9, ele bateu em sindicalistas: "A vida de sindicalista como regra no Brasil é muito boa, fica lá engordando". Com o fim da contribuição sindical obrigatória pela reforma de Temer, mobilizar greves e protestos ficou mais difícil. No vídeo, o ex-capitão disse ainda que trabalhador que "quiser fazer uma folguinha sábado e domingo" que faça, mas que não deveria "receber nada" pelo descanso semanal. "Aqui no Brasil, o país dos direitos, tem direito para tudo, só não tem emprego." E continuou, com retórica ameaçadora, uma espécie de chantagem. "Os empresários têm dito para mim: temos de decidir, todos os direitos e desemprego, ou menos direito e emprego". Alguma dúvida do motivo do maciço apoio empresarial a ele na campanha?
A existência de direitos trabalhistas não foi obstáculo à maior safra de empregos na história recente do País, quase 20 milhões de vagas nos oito anos da era Lula e no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Uma história contada em artigo que acaba de ser publicado por dois pesquisadores do Ipea, Tiago Oliveira, economista da Universidade Federal da Bahia com mestrado e doutorado na Unicamp, e Sandro Pereira da Silva, economista e mestre pela Universidade Federal de Viçosa. O artigo faz parte do livro 30 Anos da Constituição Brasileira - Notas para um obituário precoce, obra pronta desde 5 de outubro, quando a Carta de 1988 fez aniversário. A direção do Ipea deixou o livro na gaveta, e este só saiu nos últimos dias graças à associação dos pesquisadores, a Afipea. E uma obra ácida para o governo Temer, amigo pessoal do presidente do Ipea, Ernesto Lozardo, e para o neoliberalismo de dois membros do Ipea integrantes da equipe de transição de Bolsonaro, Alexandre Iwata, contracheque de 34 mil reais em setembro, e
Adolfo Sachsida, holerite de 32 mil reais, Tiago Oliveira e Sandro Pereira lembram que, desde 1988, empresários e conservadores em geral queixam-se dos direitos trabalhistas. As reclamações engrossaram no governo FHC (1995-2002) e arrançaram algumas mudanças, como a regulamentação do trabalho temporário. Em vão. Para os pesquisadores, a explicação para os problemas no mercado de trabalho estava "nas opções de políticas econômicas adotadas na década de 1990 e no ambiente econômico hostil à geração de empregos por elas produzidos". Foi com desemprego pouco acima de 10% que o tucano passou a faixa a Lula em 2003, eleito com a promessa de gerar 10 milhões de vagas. "A recuperação do crescimento econômico, combinada com políticas sociais definidas pela Constituição de 1988, e fortalecidas nos anos 2000 (destaque para as políticas de valorização do salário mínimo e de garantia de renda), permitiu o movimento inédito que envolveu diminuição expressiva das taxas de desemprego, crescimento do emprego formal, aumento do rendimento médio real do trabalho e queda de desigualdade da renda do trabalho", diz o artigo.
No fim de 2014, o País atingiu um índice de desemprego tido como de pleno emprego, em torno de 5%. Isso foi decisivo para a suada reeleição de Dilma. O PIB já desacelerava, porém, e o rumo neoliberal escolhido pela petista, contra suas promessas eleitorais, para corrigir no segundo mandato os erros do primeiro, causaria uma tragédia econômica (quase 8% de retração econômica em 2015 e 2016) com laborais (5 milhões a mais de desempregados entre janeiro de 2015 e maio de 2016, o mês da chegada de Temer ao poder). O símbolo desse será o comandante do BNDES com Bolsonaro, Joaquim Levy, um Chicago Boy como Guedes. Em um artigo no New York Times no último dia 9, intitulado "Que diabos aconteceu no Brasil?", Paul Krugman, Nobel de Economia em 2008, analisou a situação. Para ele, o problema do Brasil foi cortar gastos e subir juros bem no meio da recessão. Não citou nomes, mas quem fez isso foi Levy no Ministério da Fazenda. "Incrivelmente, parece que eles compraram a doutrina da austeridade expansionista", que, "em vez de combater a crise, exacerbou-a", escreveu Krugman.
O governo Temer apostou na mesma toada neoliberal, com Henrique Meirelles na Fazenda. E, para gerar empregos, em uma reforma trabalhista barateadora do brasileiro e que não produziu as vagas prometidas. Hoje, ainda há mais desempregados, desalentados e gente sem carteira do que com Dilma. Não é à toa que Temer desfruta de enorme impopularidade. Que o PSDB, seu parceiro no impeachment e no governo, tenha tido menos 5% dos votos na eleição com Geraldo Alckmin. Que Henrique Meirelles tenha tido 1%. Que Ronaldo Nogueira, o ex-ministro do Trabalho, fracassou na reeleição. E que o principal rosto da reforma trabalhista no Congresso, o deputado Rogério Marinho, do PSDB do Rio Grande do Norte, também tenha sido punido nas urnas. E olha que ele levou uma grana gorda em doações de pessoas físicas-empresários na campanha, como os donos da Riachuelo, do Magazine Luiza, da Centauro, da Droga Raia, do Habib's, do Big Box, da Polishop...
Um dos objetivos declarados da reforma era inibiras pessoas de reivindicar direitos trabalhistas na Justiça, e aqui o resultado tem sido melhor. De dezembro de 2017, primeiro mês após as mudanças na CLT, até setembro, o número de ações caiu 38%. O motivo? Agora quem perde a ação tem de pagar os honorários advocatícios, uma regra que o Supremo começou a julgar em maio, mas ainda não há decisão. "O empregado passou a ter medo de reivindicar seus direitos porque, se perder a ação, pode sair devendo para o patrão, terá de pagar honorários de advogados e peritos." "O trabalhador hoje tem medo de ir à Justiça, porque pode sair com uma dívida maior do que teria a receber do empregador", diz Ângelo Fabiano Farias da Costa, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho. "O cenário é muito desfavorável. Em várias situações, a exemplo da terceirização e da contribuição sindical, o STF tem sido favorável, em nome da livre iniciativa."
Por outro lado, os pedidos de produção antecipada de provas aumentaram 1.550% e a homologação de acordos extrajudiciais, 2.440%. "Isso revela uma maior dificuldade do trabalhador em fazer valer os seus direitos. Imagine a situação de um trabalhador que reivindica o pagamento de horas extras, mas não tem acesso ao cartão de ponto. Antes, ele poderia ingressar com a reclamação, baseada em estimativas. A reforma passou a exigir a apresentação do valor exato pretendido na ação, por isso o trabalhador precisa pedir produção antecipada de prova, para obrigar a empresa a fornecer os dados", diz Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra, a associação dos magistrados do Trabalho. "O vertiginoso crescimento dos acordos extrajudiciais também preocupa, pois a prática revela que boa parte deles não é razoável, oculta renúncias de direitos ou induz o trabalhador a erro. Parece que esses acordos estão sendo homologados sem muito critério." E Bolsonaro vem para mudar isso daí, tá ok? Para pior.
"Bolsonaro defende uma legislação que beire a informalidade e a negociação direta entre patrão e empregado"