Afinal, a reforma trabalhista, em vigor desde novembro, é uma modernização ou um retrocesso? Os apoiadores argumentam que a Consolidação das Leis do Trabalho já tem 75 anos e só “atravanca” as negociações entre patrões e empregados. Já os opositores afirmam que 85% da CLT já havia sido alterada, ou seja, que ela já não era a mesma de 7 décadas atrás. A reforma trabalhista é o tema da Reportagem Especial desta e da próxima semana. Ouça, agora, o segundo capítulo.
A Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, foi aprovada em 1º de maio de 1943 por um decreto-lei do então presidente, Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, fase ditatorial de seu governo. Até aqui é fato histórico. Agora, se isso significa que se trata de uma legislação ultrapassada ou não fica para o debate político atual.
Entre os argumentos para a aprovação da Reforma Trabalhista estão justamente a idade da CLT, que já conta com mais de 75 anos, e o fato de ter sido instituída por um governo ditatorial, como defende o deputado Rogério Marinho, do PSDB do Rio Grande do Norte, que relatou o projeto da Reforma na Câmara.
Rogerio Marinho: “Ocorre que, nesses 70 anos, milhares de profissões desapareceram e milhares de novas profissões foram criadas. Então, a camisa de força que se tornou a CLT em imaginar o trabalhador como aquele trabalhador do princípio do século passado na área industrial da cidade de São Paulo caiu por terra completamente e houve uma inadequação da lei à própria dinâmica do mercado de trabalho.”
Mas, segundo o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, 85% da CLT já havia sido alterada ao longo desses 75 anos. E, desde 1988, o marco regulatório do Direito do Trabalho deixou de ser a CLT e passou a ser a Constituição.
Já o deputado Ivan Valente, do PSOL de São Paulo, entende que, mesmo tendo sido aprovada em um regime fechado, a CLT representou um avanço espetacular para os padrões da época, em um país que mal havia saído da escravidão legalizada. Para o deputado, a CLT continua sendo avançada, em função das fortes desigualdades sociais e da exploração que ainda se tem do trabalho, por meio, inclusive, de formas modernas de escravidão.
Ivan Valente: “Eu fui da CPI do trabalho escravo aqui. Eu chequei isso em São Paulo, em Marabá, na cidade e no campo. É uma vergonha o que faz a exploração do trabalho no campo, ou então nas grandes cidades aproveitando a mão de obra barata, até para empresas multinacionais. (…) O que o primeiro de maio comemora? São as 8 horas de trabalho. Isso foi em 1886 nos Estados Unidos. Oito operários foram enforcados e por isso tem essa data. Por que o Brasil ainda não tem 8 horas de trabalho?”
Sobre a noção de que a legislação trabalhista representada pela antiga CLT havia se tornado uma “camisa de força” diante de uma nova dinâmica do mercado de trabalho, de novas formas de produzir e de trabalhar, como disse o deputado Rogério Marinho, o economista Clovis Scherer, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, Dieese, contra argumenta. O empregador brasileiro, ele diz, tem, por exemplo, total liberdade para efetuar demissões, individuais ou em massa, sem justa causa. Em outros países, diz Scherer, demissões imotivadas são bastante reguladas. Normalmente, é preciso negociar com o sindicato, ou comprovar necessidade econômica ou produtiva para o ajuste de pessoal. Além disso, completa o economista, no Brasil, a lei é, muitas vezes, flexibilizada na prática.
Dieese: “O grande número de ações trabalhistas que nós temos no Brasil se deve justamente porque o trabalhador ao longo dos anos vai sendo surrupiado, sonegado em seus direitos e ele só consegue ter a reparação quando o emprego é terminado e ele busca a justiça para ver esses direitos repostos. Mesmo assim, quando o trabalhador vai para a justiça, ele acaba, na grande maioria dos casos, negociando com o empregador um valor que é normalmente inferior àquilo que seria o cumprimento integral da lei.”
Para a Sylvia Lorena, da CNI, Confederação Nacional da Indústria, o problema era o excesso de controle que a Justiça do Trabalho exercia sobre a relação entre empregadores e funcionários, interferindo nas negociações sobre as condições de trabalho.
Sylvia Lorena: “O sindicato, representando os seus trabalhadores, já conversava com a empresa e já ajustava condições específicas de trabalho. Só que você não tinha uma legislação e aí você não sabia exatamente aquilo que podia ser objeto de negociação coletiva e aquilo que não podia ser objeto de negociação. E, por vezes, aquilo que era negociado de forma legítima, de forma transparente, representando a vontade das partes, era anulado pela Justiça do Trabalho.”
De 20 a 25% dos acordos e convenções coletivas eram questionados na Justiça, segundo o deputado Rogério Marinho, o que, na visão dele, gerava insegurança, instabilidade e desestímulo para as empresas. Com a Reforma Trabalhista, ele completa, as regras de negociações estão mais claras, permitindo que aconteçam com mais fluidez e tranquilidade.
Se o foco da reforma era adequar a legislação brasileira às novas formas de trabalho, ela falhou em tratar de novidades, como o trabalho por aplicativos, a chamada “uberização”. Quem faz a crítica é o presidente da Anamatra, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Guilherme Feliciano. Ele lembra ainda de diversos pontos da Constituição de 1988 que ainda carecem de regulamentação e que não foram abordados pela Reforma Trabalhista, como a proteção mínima para o trabalhador contra a automação; os adicionais de penosidade; a proteção do emprego contra a dispensa arbitrária e sem justa causa; e a greve no serviço público.
Vale dizer que foi apresentada no Senado uma proposta de Estatuto do Trabalho, formulada para revogar a Reforma Trabalhista e substituir a CLT. Entre outros pontos, o Estatuto propõe a redução da jornada de trabalho para 40 horas.
Ouça, no próximo capítulo: pontos da reforma são questionados no Supremo Tribunal Federal e na Organização Internacional do Trabalho.