As avaliações sobre os primeiros meses da Reforma Trabalhista são tão divergentes que um mesmo número é, ao mesmo tempo, comemorado e criticado: a redução, pela metade, das novas ações trabalhistas. O resultado está relacionado a uma mudança nas normas para o trabalhador que tem direito à Justiça gratuita. Com a nova lei, esse empregado passou a pagar os honorários do perito e do advogado da parte contrária referentes à parte do processo que ele perder. Esse pagamento é feito com créditos da parte da ação que ele ganhar ou com créditos de outro processo judicial. São os chamados honorários de sucumbência.
De acordo com o deputado Rogério Marinho, do PSDB do Rio Grande do Norte, que relatou o projeto da Reforma Trabalhista na Câmara, essa mudança foi feita para desestimular a prática de entrar na Justiça para pedir aquilo que o trabalhador sabe que não tem direito de receber.
Rogerio Marinho: “Os advogados orientavam seus clientes, alguns deles, claro, tem as exceções, dizia: olha, você vai discutir aqui uma hora extraordinária, mas faça o seguinte: peça aqui 30 itens diferentes. Mas já recebi. Mas peça. Porque você vai discutir hora extraordinária, mas você pede 30 coisas porque, se der certo, e a empresa é desorganizada, se pagou mal, paga de novo. Agora, as pessoas estão entrando em juízo contra um direito que objetivamente foi subtraído. Se não lhe pagaram hora extraordinária, você vai discutir hora extraordinária, você não vai discutir, por exemplo, 13º que você recebeu. Se não lhe pagou indenização que foi acordada, você vai discutir a indenização. O que aconteceu foi que houve foi um sofreamento da frivolidade que ocorria ordinariamente.”
Para a vice-presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, Alessandra Martins, o que se pretende com essa argumentação é criminalizar a advocacia trabalhista dentro de um esforço maior para acabar com a Justiça do Trabalho.
O deputado Patrus Ananias, do PT de Minas Gerais, que é advogado e professor de Direito Trabalhista, também enxerga na Reforma a intenção de enfraquecer a Justiça, ao dificultar que o trabalhador exerça o direito constitucional de reclamar diante de um juiz quando acreditar ter sofrido alguma violação. Além disso, ele completa, o trabalhador não pode ser penalizado pela má-fé de alguns profissionais.
Patrus Ananias: “Eu faço analogia aqui, por exemplo, com quando nós implantamos no Brasil o programa Bolsa Família. A resistência era a mesma: as pessoas vão gastar esse dinheiro indevidamente, vão tomar cachaça. Há sempre uma predisposição de colocar a culpa na parte economicamente mais frágil. Se nós temos eventualmente alguns excessos, que não podem ser considerados como regra, por parte de uma ou outra pessoa, nós podemos considerar como muito mais grave o histórico das relações de trabalho no Brasil, um país que até hoje tem trabalho escravo.”
A Constituição garante assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Portanto, ao impor ao trabalhador o pagamento de custas judiciais, com crédito do próprio processo trabalhista, que é um crédito alimentar, relacionado ao sustento do trabalhador, a lei faz com que a assistência jurídica deixe de ser integral e gratuita. Esse é o entendimento do presidente da Anamatra, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Guilherme Feliciano. Ele afirma que o número de novas ações caiu porque os trabalhadores estão com medo de entrar na Justiça.
Guilherme Feliciano: “Todo mundo pode perder. Não é porque é aventura jurídica. Ninguém tem certeza que vai ganhar quando entra numa causa judiciária. Isso é óbvio. (…) Quando você diminui, entra aspas, a litigiosidade na base do medo, na verdade, o que você está fazendo, por assim dizer, é varrer a poeira para debaixo do tapete. Aquele litígio continua lá. Lá no século 19, quando também não tinha solução judicial, se resolvia era com greve, com boicote, com ocupação dos estabelecimentos, com revolta coletiva. O Direito do Trabalho veio exatamente para ser uma válvula de escape nos contextos de pressão social e o que eles não estão percebendo são eles que estão impedindo que o Direito do Trabalho cumpra essa função.”
O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, argumenta, ainda, que, se há muitas ações, é porque há também descumprimento da legislação por parte dos empresários e, segundo ele, a mudança na lei não resolve esse problema.
Ronaldo Fleury: “Será que as empresas estão pagando agora aviso prévio? Mais de 50% das reclamações trabalhistas se referem a verbas rescisórias. É o famoso eu não vou te pagar nada, você procure seus direitos e o trabalhador entra na justiça. Houve uma diminuição do número de descumprimento dos direitos trabalhistas? Óbvio que não.”
Bem, mas não é correto dizer que todo empregador descumpre a legislação e deixa de pagar verbas trabalhistas. Quem defende isso é o assessor jurídico da Confederação Nacional da Agricultura, Frederico Toledo. Apesar de, segundo ele, o Brasil continuar liderando a judicialização trabalhista, mesmo após a redução em 50% das novas ações, isso não reflete má-fé generalizada por parte dos empresários.
Frederico Toledo: “Hoje a gente tem no agronegócio 30 milhões de empregos e, no setor rural, 13 milhões de empregos diretos e nem por isso a gente vê judicializações nesses números. (…) Antigamente era comum pegar ações de trabalhadores que ganhavam salário-mínimo pleiteando centenas de milhares de reais. Essas ações diminuíram drasticamente. Por óbvio existem, por causa de acidente de trabalho, enfim, não estou falando que há má-fé do trabalhador que ganhe pouco e peça jurisdição alta, só que isso é exceção e antes se via como regra. (…) Não houve esse caráter diferenciado para prejudicar o trabalhador. Isso é uma visão totalmente equivocada e capitaneada, com o devido respeito, a parte da advocacia de trabalhadores que buscavam essas aventuras porque não se tinha nenhuma contrapartida negativa.”
E o que diz o Tribunal Superior do Trabalho? Na visão de um de seus ministros, Alexandre Agra, a ausência de custos para o trabalhador favorecia, sim, a ação irresponsável. Mas o problema, ele diz, poderia ter sido resolvido de outra forma.
Alexandre Agra: “Penso que o legislador talvez tenha exagerado um pouco nessa questão dos honorários. Ele podia ter encontrado uma solução intermediária, que melhor atendesse esse tipo de situação, ou seja, se compadecesse com o trabalhador que realmente postula e que desse uma solução um pouco diferente para essa questão dos honorários.”
O argumento do deputado Rogério Marinho é de que 75% das perícias eram julgadas improcedentes, o que, segundo ele, demonstra que não havia consistência na maioria dos pedidos. Além disso, houve redução no número de pedidos por ação, o que também comprova, ele diz, que antes havia muitas demandas acrescentadas sem responsabilidade. Para o parlamentar, a medida está melhorando a qualidade do serviço da Justiça, que, além de mais rápida, começa a julgar o estoque de processos que estavam represados.
A Reportagem Especial continua na segunda-feira. O assunto é o trabalho intermitente, uma das novidades da reforma trabalhista.
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