Seis associações de magistrados, auditores e membros do Ministério Público enviaram um ofício ao presidente Michel Temer (MDB) pedindo veto integral ao projeto de lei 7488/2017. A proposta altera a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que disciplina a aplicação das normas jurídicas no país.
O objetivo propagado do PL, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), seria o de aprimorar a qualidade decisória dos órgãos administrativos, judiciais e de controle nos três níveis da federação brasileira. O projeto espera sanção da presidência da República.
Para as associações, porém, os dispositivos da LINDB alterada fazem o oposto, que poderiam ter sido aperfeiçoados na Câmara dos Deputados. “No limite, aliás, acaso aprovadas as disposições, a futura norma poderá servir como claro reduto para a impunidade”, diz o documento.
Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho, o projeto mudou muito a forma de controle da administração pública. Ele aponta que a proposta passou no Congresso sem “debate” sobre as novas normas e com a realização de apenas uma audiência pública, com pouca participação dos órgãos de controle.
“Há problemas jurídicos sérios. Eles não foram levantados no Congresso porque o PL passou nas comissões com caráter terminativo sem maiores debates”, diz Robalinho. “Pode ser importante uma proposta como esta. Mas este PL vai provocar mais danos.”
O documento contra as alterações na LINDB é assinado, além da ANPR, pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT).
Na opinião do juiz do Trabalho Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra, a proposta promete segurança jurídica, mas não conseguirá entregá-la. “Os termos que são utilizados na construção do texto não têm conceito objetivo”, avalia. “Eles produzem palavras que não dizem nada e os juízes terão de buscar conteúdo a essas palavras.”
Do ponto de vista da magistratura, Feliciano diz haver uma violação da independência técnica do juiz. O magistrado também aponta que, ao mudar os dispositivos que tratam da responsabilidade civil do Estado, a medida inseriu uma novidade que pode trazer impunidade.
“O juiz, ao definir se o Estado deve ou não ter responsabilidade objetiva por danos causados por um agente seu, deve observar se ele estava imbuído do propósito de atender uma determinada diretriz da administração pública. São relativizações que vão redundar em inconstitucionalidade e a construção de uma jurisprudência de impunidade”, afirma.
Ele avalia que o projeto pode levar a situações em que a Justiça considere que houve omissão de um agente público, mas que ainda assim ele não seja punido por questões de gestão pública, como uma restrição financeira, por exemplo.
Em outra nota técnica, assinada por integrantes do Ministério Público Federal, sete subprocuradores-gerais da República afirmam que “o PL pretende enfraquecer ou mesmo desmontar todo o aparato de controle estatal, notadamente aquele conduzido pelos tribunais de contas”.
Isso fica evidente, dizem, quando a declaração da validade do ato pode permite alcançar a adequação e a economicidade de preços ou valores previstos no ato, contrato ou ajuste.
Ponto a ponto
Na peça, as entidades destacam diversos pontos que consideram problemáticos nas novas normas. Em relação ao artigo 20, por exemplo, apontam que o dispositivo prevê que não serão tomadas decisões baseadas em valores jurídicos abstratos, sem consideração das consequências práticas da decisão.
Mas, observa a peça, a própria norma, no seu conjunto, introduz diversos valores jurídicos abstratos, tais como “interesses gerais” ou “segurança jurídica de interesse geral” ou “interesses gerais da época”.
Também avaliam que o artigo 22 do projeto cria uma modalidade de interpretação “casuística, arbitrária, ao exigir consideração sobre os ‘obstáculos e as dificuldades reais do gestor'”.
O texto prevê que na interpretação de normas sobre gestão pública serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
“Que dificuldades reais seriam essas? O dispositivo autoriza, em tese, uma lógica de que ‘os fins justificam os meios’, à qual é incompatível com a Administração Pública”, questiona a peça.
Foram questionados também os artigos 23, 24, 25 e 28 do PL que altera a LINDB.
Para as associações, “há uso excessivo de termos abstratos e abertos que têm o potencial de gerar insegurança administrativa e judicial, além de tornar possível o exercício de arbitrariedades e de liberdades incompatíveis com a preservação dos direitos dos administrados”.