Legislação poderá ganhar novas interpretações no meio rural a partir da decisões da Justiça do Trabalho
A uma semana das novas regras trabalhistas entrarem em vigor, no próximo dia 11, a extensão dos impactos da Lei nº13.467/2017 nas relações de trabalho no campo ainda é controversa. Embora as mudanças se destinem a todos os trabalhadores, rurais e urbanos, entendimentos divergentes poderão judicializar a aplicação da nova lei. Com alterações em quase 200 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a reforma poderá ganhar novos contornos a partir da decisão de juízes do Trabalho.
- A aplicação dependerá dos casos reais que chegarem à Justiça. A discussão ainda está muito em cima de teses - avalia Noemia Porto, vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e juíza do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 10ª Região.
Entre as mudanças trazidas pela nova legislação, algumas são extremamente sensíveis ao campo, como as chamadas horas "in itinere"- período de deslocamento até o trabalho em transporte oferecido pelo empregador onde não há transporte público. Pela reforma trabalhista, essas horas não serão mais contabilizadas como jornada de trabalho. Até então, a situação não era contemplada pela CLT.
- Quando se desloca para locais de difícil acesso, o trabalhador está à disposição do empregador. Uma hora às vezes se transforma em duas por atoleiros nas estradas - exemplifica Antônio Lucas Filho, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados Rurais (Contar).
Outro ponto polêmico no campo é o trabalho intermitente, contrato de prestação de serviços com interrupções, em dias alternados ou apenas por algumas horas da semana (veja quadro).
- Isso (o trabalho intermitente) é a regulamentação do bico. Essa mudança é extremamente prejudicial ao trabalho rural, que é muito sazonal por conta das safras - considera Rodrigo Fortunato Goulart, diretor do Instituto Brasileiro de Direito do Trabalho.
Jornada intermitente é motivo de críticas
A principal crítica à jornada intermitente é a falta de previsibilidade do empregado.
- Ao mesmo tempo em que ficará disponível para a empresa, o trabalhador fica sem garantia de ter serviço. Como irá se planejar na hora de assumir uma dívida? - exemplifica Sérgio Poletto, vice-presidente da Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais no Rio Grande do Sul (Fetar-RS).
Embora exista lei específica para regular as relações do trabalho rural, a nº 5.889/73, que não foi alterada, sempre que não houver disposição própria na legislação especial aplicam-se como base os dispositivos da CLT, explica Flávio Portinho Sirangelo, ex-presidente do TRT da 4º Região e consultor da área trabalhista do escritório Souto Correa.
- Isso já acontece hoje. Tudo o que a lei do trabalhador rural não prevê é analisado com base na CLT - explica Sirangelo, acrescentando que a reforma moderniza a legislação para reduzir a quantidade absurda de ações trabalhistas.
Mas Sirangelo admite que as alterações serão consensuais:
- Como toda mudança importante, vai suscitar muitos questionamentos, que serão resolvidos pelo Judiciário.
O cumprimento da reforma no campo será objeto de muita disputa judicial, prevê a vice-presidente da Anamatra.
- A categoria rural tem aspectos específicos. Não há entendimento comum sobre a aplicabilidade das novas regras nem entre juízes do Trabalho - confirma Noemia.
Prevendo questionamentos divergentes, a Federação da Agricultura no Rio Grande do Sul (Farsul) está orientando os empregadores rurais a não aplicarem imediatamente as mudanças referentes ao trabalho intermitente, por exemplo.
- Estamos recomendando cautela nesse ponto (trabalho intermitente) para não criar um embate judicial, uma queda de braço com o trabalhador - diz Nestor Hein, assessor jurídico da Farsul.
Sobre as horas "in itinere", tempo de deslocamento até o trabalho, a entidade ainda não tem posição firmada. Quanto às demais alterações, como parcelamento de férias, jornada de trabalho até 12 horas (seguida de 36 horas de descanso), acordado sobre o legislado e a terceirização deverão ser aplicadas imediatamente.
- O trabalho no campo se presta muito à terceirização - entende Hein.
Procurado, o Ministério do Trabalho não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a aplicação da nova legislação para o trabalho rural.
Lei nº 5.889/73
A lei do trabalhador rural trata de situações típicas do trabalho no campo, como as regras de moradia nas propriedades, contratação de safristas e intervalos da jornada de trabalho conforme costumes locais. Todos os demais direitos sociais, previstos na Constituição, são regulamentados pela CLT.
Cautela entre patrões e empregados
Enquanto ainda pairarem dúvidas sobre a aplicabilidade das novas regras trabalhistas, a orientação feita por entidades de classe a patrões e empregados é que tenham cautela.
- Antes de fazer qualquer acordo, é preciso buscar informações nos sindicatos - sugere Antônio Lucas Filho, presidente nacional da Contar, que promove encontros em todo o país para tratar do tema.
Em negociações coletivas, a entidade já está buscando acordos que garantam os direitos constitucionais assegurados até agora. Os trabalhadores estão ainda sem saber o que de fato acontecerá quando as mudanças da reforma trabalhista entrarem em vigor, segundo o vice-presidente da Fetar-RS.
- Muitos ainda não se deram por conta dos prejuízos que irão ter - lamenta Sérgio Poletto.
Na Farsul, entidade patronal, a orientação está sendo feita por meio de cartilhas explicativas sobre a lei nº 13.467/2017.
- A legislação traz avanços importantes, que irão beneficiar todo mundo. Há flexibilizações que os trabalhadores pedem que sejam feitas, como aumentar a jornada de trabalho mediante compensação posterior - diz Nestor Hein, assessor jurídico da entidade.
Apresentada pelo governo Temer como o caminho para a recuperação do emprego, a lei dá maior peso às negociações diretas entre trabalhadores e empresários.
- A nova lei facilita por um lado, modernizando as relações de trabalho, e retrocede por outro, ao permitir trabalho intermitente e aumentar a jornada de trabalho - entende Rodrigo Fortunato Goulart, diretor do Instituto Brasileiro de Direito do Trabalho.
Em meio à polêmica, o único consenso é que as novas regras exigirão período de transição e de reflexão.
- O momento é de cautela e observação. Foram modificados quase 200 dispositivos que vigoravam há mais de 50 anos, junto a centenas de súmulas do TST (Tribunal Superior do Trabalho). É um processo que não irá ocorrer do dia para a noite, haverá muita discussão ainda - prevê a vice-presidente da Anamatra, Noemia Porto.