As novas regras trabalhistas aprovadas pelo Congresso e sancionadas por Michel Temer vão entrar em vigor em 11 de novembro. Mas para representantes do meio jurídico, a quem cabe aplicar as leis, parte das mudanças é inconstitucional e deve ser desconsiderada. A aplicação das novas regras, afirmam entidades, vai gerar ainda mais embates jurídicos.
A interpretação e as críticas à reforma foram consolidadas em encontro promovido pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) entre os dias 9 e 10 de outubro em Brasília. Além de juízes, participaram ministros do Tribunal Superior do Trabalho, auditores fiscais, procuradores e advogados.
Do evento foram redigidos 125 enunciados que apontam inconsistências na lei número 13.467/2017, a lei da reforma trabalhista. Ela alterou artigos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), mas que, segundo a Anamatra, contém pontos que confrontam outras leis trabalhistas e a Constituição. E, em razão dessa divergência, não é possível aplicar integralmente a nova lei. Aqueles enunciados foram feitos com intuito de orientar juízes, fiscais e advogados em processos e casos concretos.
O que está em discussão
Juntamente com integrantes do Ministério Público do Trabalho e do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, a Anamatra apontou os problemas na reforma quando ela ainda estava em discussão no Congresso. Para eles, o projeto tramitou com velocidade incomum, sem o devido debate – na Câmara, foram 26 horas entre a apresentação e a aprovação em plenário.
O resultado, dizem, é uma lei com pontos que contradizem princípios assegurados pela Constituição e em convenções estabelecidas pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), das quais o Brasil é signatário – o descumprimento desse tipo de convenção não acarreta punições jurídicas ao país, mas gera constrangimento político frente à comunidade internacional.
Pontos questionados
ACORDADO SOBRE O LEGISLADO
A reforma autoriza trabalhadores e empregadores a negociarem diversos itens dos contratos de trabalho e, havendo acordo, ele pode prevalecer sobre o que está escrito na lei. Essa regra não vale para salário mínimo e licença-maternidade, por exemplo. Ainda assim, para os magistrados, a mudança fere princípios previstos na Constituição que tratam sobre acordos coletivos e não foram alterados de forma a ficarem alinhados ao que a reforma propôs.
TERCEIRIZAÇÃO AMPLA
Juízes entendem que a autorização da terceirização até para a atividade principal (atividade-fim) pode causar distorções salariais. Por exemplo: um montador de veículos terceirizado pode ter salário menor do que aquele contratado diretamente pela montadora. Essa eventual diferença fere o artigo 461 da CLT (que ainda está valendo), segundo a qual o salário deve ser igual se a função realizada for a mesma.
TRABALHO INTERMITENTE A maneira como a reforma autoriza o trabalho intermitente (contratos para trabalhos esporádicos ou por período) pode precarizar as relações de trabalho. Na interpretação da Anamatra, é uma legalização do “bico” e deve ser melhor definido em quais atividades esse contrato pode ser adotado. Caso contrário, vai violar artigos da Constituição que tratam da valorização do trabalho e da remuneração do trabalhador.
JORNADA DE 12 POR 36 HORAS A reforma prevê a possibilidade de acordo individual para jornadas de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso. Mas a Constituição prevê esse tipo de jornada apenas mediante acordo ou convenção coletiva, ou seja, aquela intermediada por um sindicato, e não feito diretamente com o trabalhador.
GESTANTES A reforma prevê que gestantes sejam afastadas do trabalho em locais com graus mínimos e médios de insalubridade apenas se tiverem atestado médico que recomende essa medida. Trabalhadoras que estiverem amamentando poderão trabalhar em locais insalubres (incluindo os de grau máximo), a menos que haja pedido médico. As duas previsões são consideradas inconstitucionais pelos juízes por violar leis que tratam da dignidade humana e da proteção à saúde da mulher e da criança.
CUSTOS DE AÇÕES TRABALHISTAS A associação entende ser ilegal a regra que imputa, em determinados casos, ao trabalhador a obrigação de pagar as custas de um processo trabalhista, mesmo se o trabalhador comprovar pobreza – condição que assegura o direito à justiça gratuita, previsto pela Constituição. Essa questão já foi questionada pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo, que ainda não se manifestou a respeito.
Após a sanção da lei, integrantes do governo federal afirmaram que uma Medida Provisória seria apresentada ajustando pontos da reforma, entre eles os ques estão sendo questionados pelas associações de juízes e fiscais. O texto, no entanto, ainda não foi divulgado.
Empresários criticam juízes
Ao menos duas entidades que representam setores produtivos afirmam que a postura dos juízes pode gerar insegurança jurídica. Para Alexandre Furlan, presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI (Confederação Nacional da Indústria), o posicionamento da Anamatra reflete um debate “ideológico” sobre as regras trabalhistas.
Segundo ele, esse tipo de embate entre o Legislativo e o Judiciário causa atrasos ao país e pode levar, no limite, a uma campanha pelo fim da Justiça do Trabalho. “Eu não quero o fim. Mas o trabalhador e o empresário que geram riqueza no país estão assistindo de fora essa discussão, que só atrapalha o crescimento da economia”, disse Furlan, em entrevista recente ao jornal Valor Econômico. Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra, classificou a declaração de “chantagem institucional”.
Já a CNT (Confederação Nacional do Transporte) orientou federações do setor a notificar o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) se entenderem que juízes do trabalho não estão aplicando a nova legislação. “Nenhum setor pode atuar à margem da lei”, afirmou o presidente da CNT, Clésio Andrade, na quinta-feira (19). Para ele, a reforma aprovada trouxe modernidade e segurança jurídica às relações de trabalho, que vão incentivar a geração de empregos.
Feliciano afirma que a conduta sugerida pela Anamatra está em acordo com a função do juiz, de agir e interpretar a lei, respeitando a Constituição. “O fato de uma lei ter sido aprovada e sancionada não significa que ela não possua inconstitucionalidades”, escreveu em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo.