Débora Brito – Repórter da Agência Brasil
Auditores fiscais, procuradores e juízes do trabalho protestaram nesta quinta-feira (19) no salão verde da Câmara dos Deputados contra a Portaria 1.129, editada pelo Ministério do Trabalho, que alterou o conceito e a forma de fiscalização do trabalho escravo no país. Ao lado de parlamentares da oposição, os representantes das instituições voltaram a pedir a revogação dos efeitos da portaria.
Os manifestantes argumentaram que a nova portaria representa um retrocesso na legislação do mundo do trabalho, uma vez que fere o conceito contemporâneo de trabalho escravo e segue na contramão das principais convenções internacionais que asseguram a dignidade nas relações trabalhistas.
“Uma portaria que faz um reducionismo conceitual atenta tanto contra a autonomia do poder legislativo nessa definição, como contra a liberdade da magistratura em, dentro das balizas técnicas, constitucionais e legais, entender quando há trabalho escravo contemporâneo. Esta portaria, para gerar uma segurança jurídica, precisaria ser discutida com a sociedade civil organizada, precisaria ouvir procuradores, juízes e auditores fiscais. Este diálogo não houve, portanto, ela gerará mais insegurança do que segurança.”, declarou o juiz Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).
Além do novo conceito de trabalho escravo que, para os manifestantes atende aos interesses da bancada ruralista, os auditores questionaram as novas regas de fiscalização, como a necessidade de registro de boletim de ocorrência junto a uma autoridade policial para validar o flagrante da infração trabalhista.
“Em 126 anos da existência da inspeção do trabalho, nunca os auditores precisaram de uma outra autoridade para levar adiante os atos no curso de suas ações (….). Nossas ações são pautadas em constatações, consignadas em relatórios robustos, é ali que está comprovada a condição degradante de trabalho, a jornada exaustiva, o trabalho forçado, a servidão por dívida, não é ideologismo ou partidarismo, é a realidade factual que está nas fazendas dos criminosos exploradores do trabalho desse país”, declarou Carlos Silva, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sinait).
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Legislação
Atualmente, a legislação brasileira considera trabalho escravo qualquer atividade laboral que submeta o empregado a “trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”, conforme redação do Código Penal.
Para quem comete o crime de redução do empregado à condição análoga à escravidão, o código prevê prisão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência cometida contra o empregado. A pena é aumentada pela metade se o crime for cometido contra criança e adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
A nova portaria considera trabalho escravo apenas aquele em que for constatada restrição ao direito de ir e vir. Além disso, a portaria também muda a forma de divulgação da chamada lista suja, que a partir de agora ficará a cargo do ministro do Trabalho e a atualização será publicada no site do Ministério do Trabalho duas vezes ao ano, no último dia útil dos meses de junho e novembro. Antes, a organização e divulgação da lista suja eram responsbailidade da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) e a atualização da relação podia ocorrer a qualquer momento.
Desde que a portaria foi publicada, diferentes partidos apresentaram na Câmara e no Senado projetos de decreto legislativo que, se aprovados, podem sustar os efeitos da nova legislação.
“Nós queremos que essa portaria seja imediatamente revogada pelo presidente da República. E se não o for, vamos pressionar esta Casa para que aprove o projeto de decreto legislativo e sustemos os efeitos dessa vergonhosa portaria que quer nos fazer retroceder décadas”, disse o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ).
Os deputados apresentaram requerimento ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) para apreciar os projetos em plenário com urgência. Para os parlamentares, o governo editou a portaria para atender à Frente Parlamentar da Agropecuária, composta por mais de 200 deputados, que no primeiro semestre tentaram aprovar uma proposta que também restringia a definição de escravidão apenas a situações em que ocorrem o cerceamento da liberdade.
Os oposicionistas acreditam que o governo editou a portaria para garantir o apoio dos ruralistas na votação da denúncia contra o presidente Michel Temer pelos crimes de obstrução de Justiça e organização criminosa. A votação da denúncia está marcada para o próximo dia 25. Rodrigo Maia ainda não se manifestou se pautará para a mesma semana os projetos que pretendem sustar a portaria.
Edição: Denise Griesinger