Mas especialistas destacam que trechos como o que prevê a demissão consensual já devem começar a ser aplicados
RIO - Daqui a exatamente um mês, a reforma trabalhista entra em vigor. Mas, entre especialistas, empresas, sindicatos, trabalhadores e, principalmente, a Justiça do Trabalho, ainda precisarão de tempo para se adaptar à nova legislação, aprovada em julho.
- Se tem uma palavra para a reforma trabalhista é: insegurança. Vai levar uns cinco ou seis anos até ter a uniformização de jurisprudência (interpretação da Justiça sobre determinada legislação). Vai demorar bastante - resume a advogada Juliana Bracks, da FGV Direito.
O principal ponto de interrogação é sobre como os juízes do trabalho julgarão a partir de novembro. Desde as negociações para a reforma, há um movimento capitaneado pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) de forte resistência ao novo texto, que altera a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT). Nesta terça-feira, representantes da entidade se reuniram em Brasília para analisar o que consideram constitucional. A partir do encontro, foram formulados 125 enunciados sobre a matéria, que serão divulgados na íntegra na semana que vem.
Reforma trabalhista: entenda as principais mudanças
Acordado sobre o legislado Principal tópico da reforma, o texto permite que o acordado entre sindicatos e empresas tenha força de lei para uma lista de itens, entre os quais jornada, participação nos lucros e banco de horas. Não entram nessa lista direitos essenciais, como o salário mínimo, FGTS, férias proporcionais e décimo terceiro salário.
Fim do imposto sindical obrigatório O texto acaba com o imposto sindical obrigatório, que, para o trabalhador, equivale a um dia de trabalho por ano. Para o empregador, há uma alíquota conforme o capital social da empresa. O recolhimento passa a ser voluntário, por opção do trabalhador e do empregador.
Parcelamento de férias O texto permite a divisão das férias em até três períodos, com a concordância do empregado. Um deles, no entanto, não pode ser inferior a 14 dias. Os dois restantes têm que ter mais de cinco dias corridos, cada. O texto também veda o início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado.
Jornada diária A jornada diária poderá ser ajustada desde que a compensação aconteça no mesmo mês e se respeite o limite de dez horas diárias, já previsto na CLT. Este item, no entanto, pode ser negociado entre patrão e empregado, com força de lei. O texto também regulamenta a jornada de 12 horas, que terá que ser seguida por 36 horas ininterruptas de descanso.
Intervalo intrajornada Sindicatos e empresas poderão negociar intervalos de almoço menores do que uma hora. Em caso de descumprimento, o empregador pagaria dobrado o restante. Por exemplo, se almoço é de uma hora e o empregado fez 50 minutos, a empresa paga os 10 minutos restantes em dobro. Da forma como era antes, uma súmula do TST obrigava o pagamento triplicado.
- tarefa é compensar o período do Carnaval Foto: Fabiano Rocha/ 01.02.2017 / Agência O Globo
Jornada parcial e temporária A jornada do contrato parcial poderá subir das atuais 25 horas semanais permitidas para até 30 horas, sem possibilidade de horas extras. O empregador também pode optar por um contrato de 26 horas, com até seis horas extras. O trabalhador sob esse regime terá direito a férias, assim como os contratos por tempo determinado.
Inclusão da jornada intermitente Esse tipo de contrato permitirá a prestação de serviços com interrupções, em dias alternados ou apenas por algumas horas na semana. O trabalhador tem que ser convocado com, pelo menos, cinco dias de antecedência. A exceção são os aeronautas, que não podem seguir esse regime. Hoje, a CLT não prevê a jornada intermitente.
Terceirização A lei que regulamenta a terceirização foi aprovada em 2017 e permite que ela valha para qualquer função da empresa. O texto da reforma inclui duas salvaguardas à lei da terceirização. Proíbe que uma pessoa com carteira assinada seja demitida e contratada como pessoa jurídica ou por terceirizada por um período inferior a 18 meses (para impedir o
Gestantes e lactantes Gestantes e lactantes não poderão trabalhar em atividades que tenham grau máximo de insalubridade. Em atividades de grau médio ou mínimo de insalubridade, a gestante deverá ser afastada quando apresentar atestado de saúde de um médico de sua confiança. Pela regra atual, gestantes e lactantes são proibidas de exercer qualquer atividade insalubre.
Demissão em acordo A lei cria um novo dispositivo jurídico: a demissão em comum acordo. Por esse mecanismo, a multa de 40% do FGTS é reduzida a 20%, e o aviso prévio fica restrito a 15 dias. Além disso, o trabalhador tem acesso a 80% do dinheiro na conta do Fundo, mas perde o direito a receber o seguro-desemprego.
Um dos pontos polêmicos é a jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, acordada mediante acordo individual (sem necessidade de intervenção do sindicato). Na leitura da Anamatra, a previsão desse tipo de jornada é contra a Constituição Federal, que determina que a duração do trabalho normal não pode ser superior a oito horas diárias.
Apesar das críticas dos magistrados, esse tipo de arranjo de trabalho não é novidade: hoje, uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) já permite essa jornada estendida, mas determina que haja negociação com o sindicato - exigência dispensada pela nova legislação. Mas, com a reforma em vigor, ainda não se sabe como os juízes decidirão.
Além do debate sobre a constitucionalidade, o trecho sobre a jornada de 12x36 ainda é cercado de incerteza porque pode ser alterado. Quando a reforma foi aprovada, o governo prometeu editar uma medida provisória (MP) prevendo que esse tipo de jornada só poderia ser implantado por meio de negociação com sindicato, e não por acordo individual. Esse e outros pontos, como alterações sobre o contrato de trabalho autônomo, estão em suspenso até que o governo edite a MP - o que pode até ficar só para depois de novembro.
- A adaptação à reforma vai ser um processo muito longo e lento. A gente já está vendo diversos tipos de reação. O crítico aí é a Justiça do trabalho, que tem poder para emperrar, demorar para julgar. Tem poder para atrapalhar muito e a gente torce para que isso não aconteça - avalia o economista Hélio Zylberstajn, professor da USP, coordenador do Salariômetro e estudioso das relações de trabalho.
DEMISSÃO CONSENSUAL JÁ VALE A PARTIR DE NOVEMBRO
Na avaliação de Antônio Carlos Aguiar, professor da Fundação Santo André e diretor do Instituto Mundo do Trabalho, a reação ao novo texto foi amenizada nos últimos meses. Ele vê com otimismo o processo de adaptação à nova lei.
- A grande maioria hoje já entendeu que a reforma não traz prejuízo significativo para os trabalhadores. Também não vai trazer os empregos que todo mundo perdeu. Vai dar um equilíbrio às relações trabalhistas - afirma.
Ele destaca que a principal mudança que mudará as regras quase imediatamente é a possibilidade de demissão consensual. A reforma cria a possibilidade de que empregador e empregado entrem em acordo para dar fim ao contrato de trabalho.
Hoje, o trabalhador que pede as contas sai da empresa sem direito à multa de 40% sobre o FGTS, nem pode movimentar os recursos acumulados no Fundo. É comum que trabalhadores peçam para "serem demitidos", para terem acesso à rescisão. Na demissão consensual, será possível que o trabalhador recebe metade da multa, de 20% sobre o FGTS, e possa movimentar até 80% dos recursos do Fundo. É uma espécie de meio termo entre as duas possibilidades que existem hoje.
- Outra coisa que deve mudar já nesta 'virada de chave' é a busca das empresas de negociação com os sindicatos para buscar firmar termos de quitação anual, uma novidade prevista pela reforma - afirma Aguiar.
Vale lembrar que cláusulas previstas em acordos coletivos são válidas até uma nova negociação entre sindicatos e empresas, independentemente da entrada em vigor da reforma trabalhista. Um acordo com vigência até fevereiro de 2018, por exemplo, não será alterado pela reforma. Mas as partes podem chegar a um acordo e repactuar o acordo a qualquer momento.
A reforma trabalhista entra em vigor no dia 11 de novembro, um sábado. A expectativa é que os novos dispositivos tenham validade a partir do primeiro dia útil, 13 de novembro.