Por Fabio Graner, Claudia Safatle e Raphael Di Cunto | De Brasília
Com a decisão do governo federal de retirar os servidores estaduais e municipais da reforma da Previdência, a proposta de emenda à Constituição (PEC) deixará de tratar de 29,3% do déficit previdenciário do país.
O recuo do governo, segundo uma fonte graduada da equipe econômica, foi estratégico, para que se possa avançar mais rapidamente na tramitação da reforma da Previdência geral e dos servidores federais. Segundo a autoridade, a medida não impacta os gastos da União, que é o foco principal do governo. "A medida é neutra do ponto de vista federal", salientou a fonte, destacando que a reforma federal é que ajudará a cumprir o teto de gasto e fortalecer o cenário fiscal.
Segundo essa autoridade da área econômica do governo, a retirada dos Estados deve inclusive facilitar a aprovação da reforma. A visão é que a grande maioria dos questionamentos e contestações que vinham dos parlamentares se referiam a questões estaduais, atrapalhando a discussão prioritária sobre a Previdência da União. Além disso, a fonte relata que já surgiam questões sérias sobre federalismo, contaminando a discussão da reforma.
O analista político da XP Investimentos, Richard Back, tem análise semelhante, mas demonstra alguma cautela. "O governo deu o clássico passo atrás para dar dois à frente. O passo atrás já vimos. Nos próximos dias, quando Arthur Maia (o relator da reforma) tratar de pontos importantes da reforma no relatório que escreverá, aí esperamos ver os dois à frente", afirmou Back, reconhecendo que a decisão desanuvia o ambiente político.
A fonte do governo afirmou ainda que essa primeira cessão não significa que está aberta a fase de negociações para os demais itens da reforma previdenciária. A ideia, explicou, é segurar as mudanças e deixar para mais perto da construção do relatório, que, ao ser concluído, a equipe econômica não quer ver mais alterado. "Ainda não tem negociação com a Previdência federal", disse a fonte, ressaltando ainda que isto não abre a porteira para liberação de outras corporações.
Um dos principais motivos para Temer recuar na proposta de reforma, excluindo do seu alcance os servidores estaduais e municipais, foi a informação de que seis governadores da oposição estavam alugando ônibus para mandar parcela dos funcionários dos Estados para Brasília para protestar contra a reforma. Dois deles foram confirmados ao Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor, por fontes oficiais: o de Minas, Fernando Pimentel (PT), e o da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB).
Os mais recentes protestos na Esplanada dos Ministérios, segundo a fonte, já contaram com a participação desses funcionários, segundo os órgãos de informação do governo federal.
Contrariado em ter que dar o passo atrás, Temer não conseguiu ficar em casa à noite, após fazer o comunicado sobre sua decisão. Por volta de 22h ligou para o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB), e perguntou se poderia ir à casa dele, no Lago Sul. Eunício respondeu que sim e ambos conversaram por algumas horas.
Temer estava bastante aborrecido com a sucessão de problemas desta semana. Na semana passada o presidente festejava um lote de boas notícias na economia, que culminou com dados bons do mercado de trabalho. A crise da "Carne Fraca" começou na sexta-feira e exigiu do governo respostas rápidas. Mas o dano pela forma e amplitude da ação da Polícia Federal sobre alguns poucos frigoríficos pode causar prejuízos graves para a pecuária do país por vários anos.
"Da geração líquida de mais de 30 mil empregos, 13 mil foram vagas abertas no setor de frangos", comentou um dos interlocutores do presidente na análise que fazia do revés. Agora, com os efeitos das denúncias de adulteração das carnes, o governo teme que a reação da economia, que começou a se esboçar há pouco tempo, perca ímpeto.
Nesse quadro inseriram-se as informações sobre o movimento de governadores de oposição contra a reforma da Previdência levando o presidente a passar aos Estados, alegando sua autonomia e o princípio federativo, a definição de regras sobre a Previdência Social de servidores públicos estaduais e municipais. Não sem antes avaliar com a equipe econômica nova estratégia nova e o impacto da medida no ajuste fiscal.
O recuo, admitem, veio antes do que planejavam os operadores da área política e econômica, que queriam fazer concessões apenas quando o relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA) fosse apresentado na comissão especial e fechar o apoio dos partidos para que não ocorressem mudanças nos plenários da Câmara e do Senado, evitando várias rodadas de negociação. Mas os deputados já havia sugerido a medida ao presidente e muitos deles a aprovaram integralmente.
A discussão nas últimas semanas, conforme antecipado pelo Valor, já previa parte dessa medida de federalização da reforma mas de uma forma mais fragmentada ainda. Discutia-se deixar com os Estados os professores públicos de ensino básico e médio e policiais civis, mas não todos os servidores. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o relator da reforma protestaram contra a ampliação, em reunião, ontem, entre o presidente Michel Temer, e os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira. Técnicos legislativos que atuam na elaboração do texto também estão com dificuldades de formatar uma nova versão que exclua os servidores estaduais e municipais, que são tratados junto com os federais na Constituição.
Os regimes próprios de previdência dos Estados apresentaram um déficit de R$ 89,6 bilhões em 2016. Os regimes dos servidores municipais apresentaram um superávit de R$ 11,1 bilhões e o regime dos servidores federais, um deficit de R$ 77,2 bilhões. O déficit do Regime Geral da Previdência Social(RGPS), que atende os trabalhadores da iniciativa privada, foi de R$ 149,7 bilhões. Os regimes previdenciários dos servidores estaduais foram responsáveis, portanto, por 29,3% do déficit total.
A maioria dos juízes e promotores também será poupada. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que 57,6% dos magistrados estão nos tribunais dede justiça (TJs) e nos dois tribunais militares estaduais. São 11,8 mil que ficarão de fora da reforma.
Apesar disso, entidades do setor dizem que a mudança é inconstitucional, porque a Constituição determina que a União fará as regras gerais sobre previdência e tratará todos os entes federados dentro de uma mesma norma, e que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que as carreiras da magistratura não podem ter regras distintas. "Cabe uma ação para pedir a igualdade entre juízes estaduais e federais. E o presidente Michel Temer sabe que é dessa forma. Ele é constitucionalista, isso é garantia muito antiga", disse o presidente da Anamatra (juízes do trabalho), Germano Siqueira.