Reforma trabalhista é 'autoritária' e leva a precarização, dizem centrais; substituição de MP por projeto de lei é celebrada
Possibilidade de negociar até 220 horas de jornada mensais elimina horas extras, de acordo com juiz
FERNANDA PERRIN RENATA AGOSTINI
A minirreforma trabalhista apresentada nesta quinta-feira (22) pelo governo desagradou a sindicalistas, mas o recuo do governo em embalar o pacote em uma medida provisória foi comemorado como uma vitória.
De acordo com o governo, a proposta será encaminhada ao Congresso na forma de um projeto de lei, o que abre espaço para mudanças.
"Agora temos tempo de nos organizar. Temos pontos que queremos discutir. A reforma não pode ser algo feito goela abaixo", afirma Miguel Torres, vice-presidente da Força Sindical.
O principal objetivo da reforma é garantir que acordos entre empregados e empresa possam prevalecer sobre a legislação trabalhista em determinados casos, como para a definição da jornada, que, segundo a proposta, poderia chegar a 220 horas mensais.
Generalizar essa possibilidade para todas as categorias é criticada por Torres. No caso dos comerciários, por exemplo, a medida permitira que os empregados trabalhassem 12 horas por dia sexta, sábado e domingo, pico do movimento. "Isso é uma precarização muito grande", diz Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores).
Em uma nota curta, a CUT (Central Única dos Trabalhadores) classificou a minirreforma apresentada como "autoritária" e "ineficaz".
Segundo o juiz do trabalho Germano Silveira de Siqueira, se confirmada a flexibilização da jornada apenas com o limitador de 220 horas mensais, a mudança será grande para os trabalhadores.
"A lei impõe a trava diária, de oito horas de trabalho. Caso se confirme esse modelo, os trabalhadores não receberão mais horas extras", afirma Siqueira, que é presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).
O economista Sérgio Firpo, do Insper, critica a decisão do governo de listar as situações em que um acordo pode se sobrepor à lei.
"Permitir que as partes negociem e que haja primazia do acordo é muito positivo. Não há por que tutelar em tudo e tratar o trabalhador como uma criança. Mas da forma como foi feito dá a sensação que se complicou ainda mais um tema que já era complexo", afirma.
REPRESENTAÇÃO LOCAL
A regulamentação de uma representação dos empregados no local de trabalho, um pleito antigo de sindicalistas, também não satisfez as centrais, que querem que a redação da proposta deixe explícito que esse representante seja sindicalizado.
Para Firpo, o projeto também não resolve o impasse visto na Justiça do Trabalho sobre a representatividade de alguns sindicatos.
Muitos magistrados questionam acordos firmados ao entender que determinada associação não tem legitimidade para negociá-lo.
"Ficou de fora mais uma vez a questão da unicidade sindical [A legislação veda a existência de mais de um sindicato por categoria]. Seria interessante haver competição entre os sindicatos, justamente para garantir a representatividade", diz Firpo.
-Caso se confirme, os trabalhadores não receberão mais horas extras
GERMANO SILVEIRA DE SIQUEIRA
juiz do trabalho