Associações que representam procuradores da República e juízes criticaram nesta quarta-feira (30), em notas divulgadas à imprensa, a desfiguração do pacote anticorrupção proposto pelo Ministério Público Federal (MPF) em uma votação nesta madrugada (30) na Câmara.
Das 10 medidas de combate à corrupção sugeridas pelos procuradores da República, seis foram retiradas do pactoe e as quatro que restaram foram alteradas. Além de prever punição a juízes e procuradores, o texto excluiu a criminalização do enriquecimento ilícito, a facilitação para confisco de bens oriundos de corrupção e mudanças na prescrição de crimes.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) repudiou o que chamou de desvirtuamento do pacote original, com tamanhos e tão profundos cortes no texto inicialmente enviado ao Congresso, avalizado pelo apoio de mais de 2 milhões de pessoas.
Sem qualquer discussão, foi aprovado um texto improvisado de proposta que busca intimidar e deixar a atuação livre e independente das magistraturas nacionais sujeita à vingança privada, diz a nota, assinada pelo presidente da ANPR, José Robalinho Cavalcanti.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) manifestou apoio às palavras da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, que, mais cedo, emitiu nota lamentando as mudanças realizadas no pacote anticorrupção, que, segundo ela, podem contrariar a independência do Poder Judiciário.
A Ajufe fez referência direta à proposta em andamento no Senado que amplia as hipóteses de punição de juízes por crimes de responsabilidade, expressando profunda preocupação.
Soa inoportuna, e até intimidatória, a proposta de projetos de lei buscando criminalizar a atuação dos juízes, justamente quando a atuação do Judiciário tem sido mais efetiva no processamento dos feitos que têm por objeto atos de corrupção, diz a nota da Ajufe, assinada pelo presidente da entidade, Roberto Carvalho Veloso.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) também se manifestou contra o texto aprovado na Câmara. Na avaliação da entidade, houve por parte dos deputados uma tentativa de intimidar" magistrados e integrantes do Ministério Público.
O povo, a Magistratura trabalhista e nacional, o Ministério Público e todas as carreiras responsáveis pela integridade do Estado brasileiro não podem aceitar que diversos atores denunciados por ilícitos cometidos contra o patrimônio público promovam reformas que ao mesmo tempo objetivem inibir a ação dos agentes do sistema de Justiça e lhes assegurem a sombra confortável da impunidade, diz a Anamatra, em nota assinada pelo presidente da associação, Germano Silveira de Siqueira.
Leia a íntegra da nota da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR):
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) vem a público repudiar veementemente o completo desvirtuamento do pacote de medidas anticorrupção, após a votação ocorrida na madrugada desta quarta-feira, 30. Na contramão do projeto que obteve o apoio de cerca de três milhões de brasileiros, e que carregou as esperanças da opinião pública e das instituições, as assim chamadas 10 Medidas Contra a Corrupção na prática foram rejeitadas, tamanhos e tão profundos foram os cortes no relatório da comissão que analisou a proposta. Ademais, como pedra de toque, sem qualquer discussão, foi aprovado um texto improvisado de proposta que busca intimidar e deixar a atuação livre e independente das magistraturas nacionais sujeita à vingança privada.
Em um Estado Democrático de Direito o parlamento é livre e soberano. Não se discute isso. Porém, a decisão causou profunda decepção e preocupação, por demonstrar a desconexão dos Deputados com os cidadãos brasileiros.
De fato, não se pode deixar de lamentar a perda da oportunidade histórica de mudar o patamar de eficiência do País no combate à corrupção e à impunidade. As poucas medidas originalmente propostas que resistiram a uma sessão pública de debates infelizmente superficiais, de inédita agressividade e pouco esclarecidos, nem de longe configuram a esperada mudança sistêmica. Além de ignorar o clamor popular por menos impunidade, os deputados desconsideraram mais de 100 dias de trabalho do próprio Parlamento, dedicados a estudos e melhorias no texto apresentado. Ignoraram, na essência, relatório aprovado por unanimidade na Comissão Especial. No lugar de transformar o atual sistema em algo mais eficiente no combate e julgamento da corrupção e criminalidade organizada, optaram por aprovar medidas que pretendem, sem disfarces, coibir e retaliar a atuação independente do Ministério Público e do Poder Judiciário. Não por acaso, o texto aprovado sobre este tema guarda enormes similitudes com a notória "Lei da Mordaça".
A quem interessaria magistraturas tolhidas e sem independência, sujeitas a retaliações privadas, e à vingança dos poderosos? Certamente não a um Brasil que se quer passar a limpo, certamente não à cidadania e ao Estado de Direito.
Incluir o crime de abuso de autoridade no pacote das 10 medidas, sem qualquer discussão, com redação atécnica, rasurada a mão - tamanho o improviso -, dispondo tipos abertos e com ação penal permitida a entes estranhos ao estado, para além de descabido e inconstitucional, bem deixará juízes e membros do MP sujeitos a ações punitivas, não devido à qualquer abuso, e sim em razão do mero exercício técnico e independente de suas funções.
As magistraturas brasileiras, todavia, não se intimidarão. A Lei continuará a ser cumprida, com equilíbrio e impessoalidade, com temor de ninguém, e sem olhar a quem.
Ainda há etapas no processo legislativo. Que o Brasil tenha melhor sorte nestas que virão.
José Robalinho Cavalcanti Procurador Regional da República Presidente da ANPR
Leia abaixo a íntegra da nota da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe):
A Associação dos Juízes Federais do Brasil Ajufe vem a público manifestar-se em apoio às recentes declarações da Ministra Carmém Lúcia, presidente do STF, ao criticar as tentativas de criminalização de juízes. Tramita no Senado Federal o projeto de lei de abuso de autoridade, que tem, como único objetivo, intimidar os magistrados, violando sua independência e criminalizando sua atuação. A Ajufe manifesta profunda preocupação com os ataques que vêm sendo dirigidos ao Poder Judiciário, notadamente em relação ao referido projeto de lei do abuso de autoridade e à total desconfiguração do projeto das dez medidas contra a corrupção, com a criminalização do trabalho do magistrado. Ilícitos cometidos por integrantes de quaisquer dos três poderes devem ser rechaçados, investigados e punidos. Contudo, soa inoportuna, e até intimidatória, a proposta de projetos de lei buscando criminalizar a atuação dos juízes, justamente quando a atuação do Judiciário tem sido mais efetiva no processamento dos feitos que têm por objeto atos de corrupção. Nas palavras da Ministra Carmém Lúcia, "Os juízes brasileiros tornaram-se nos últimos tempos alvo de ataques, de tentativas de cerceamento de atuação constitucional e o que é pior, busca-se até mesmo criminalizar o agir do juiz brasileiro, restabelecendo-se até mesmo o que já foi apelidado de crime de hermenêutica no início da República e que foi ali repudiado". Nesse sentido, o projeto que tipifica como abuso de autoridade a mera interpretação da lei e que prevê a punição dos juízes por crimes de responsabilidade são tentativas claras de ferir a independência funcional dos magistrados, tendo como fim amedrontá-los. Ainda, conforme a Ministra Carmém Lúcia, "juiz sem independência não é juiz, é carimbador de despacho, segundo interesses particulares e não garante direitos fundamentais". Os juízes federais do Brasil são conscientes de sua responsabilidade e papel no enfrentamento dessa crise. Não se calarão diante das tentativas inidôneas de atingir as prerrogativas funcionais que asseguram à sociedade um Poder Judiciário independente e imparcial. A Ajufe reafirma que a construção de uma sociedade livre, justa e solidária exige um Poder Judiciário forte e independente. Isso somente será possível se for assegurada aos juízes a liberdade para decidir conforme seus entendimentos, devidamente motivados no ordenamento jurídico. A Ajufe manifesta confiança na liderança institucional da Ministra Carmém Lúcia, fundamental para a manutenção da independência e das prerrogativas inerentes aos magistrados brasileiros.
Roberto Carvalho Veloso Presidente da Ajufe
Leia nota da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)
A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO (ANAMATRA), entidade de classe de âmbito nacional, representativa dos Juízes do Trabalho em todo o território nacional, tendo em vista o Projeto de Lei 4850/2016, que criminaliza a atuação de Magistrado e Membros do Ministério Público, vem a público afirmar:
1 - O Congresso Nacional encontra-se em vias de aprovar nas duas Casas o Projeto de Lei 4850/2016, contendo sanções por abuso de autoridade que tem, como único objetivo, intimidar os magistrados e membros do Ministério Público, criminalizando suas atividades mais legítimas e violando a independência dessas carreiras, atributo essencial e garantia da sociedade.
2 - O povo, a Magistratura trabalhista e nacional, o Ministério Público e todas as carreiras responsáveis pela integridade do Estado brasileiro não podem aceitar que diversos atores denunciados por ilícitos cometidos contra o patrimônio público promovam reformas que ao mesmo tempo objetivem inibir a ação dos agentes do sistema de Justiça e lhes assegurem a sombra confortável da impunidade.
3 - A tentativa de criminalizar os juízes brasileiros, como bem destacou a Ministra Cármen Lúcia em sessão do Conselho Nacional de Justiça no dia de ontem (29/11), reafirmada em Nota divulgada no dia de hoje, não interessa à sociedade e milita contra a democracia.
4 - Em tal sentido, manifesta-se profunda preocupação com ataques originados no Poder Legislativo, no âmbito de projeto que prevê a punição objetivando ferir a independência funcional dos magistrados, como forma de transformar juízes em meros despachantes de interesses particulares.
5 - A ANAMATRA reafirma a importância de um Poder Judiciário forte e independente, que só será possível se lhe for assegurada a liberdade para decidir conforme seu entendimento. Do contrário, não mais haverá Poder Judiciário independente no Brasil e a própria sociedade estará ameaçada.
Brasília 30 de novembro de 2016
Germano Silveira de Siqueira Presidente da Anamatra