Além de reivindicar aumento de salário, os juízes brasileiros - que têm direito a dois meses de férias e em sua maioria recebem auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-saúde, auxílio-natalidade, auxílio pré-escolar e vale-livro - reclamam das medidas adotadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para agilizar a tramitação dos processos e descongestionar os tribunais. Segundo eles, desde que o CNJ investiu em novas tecnologias de comunicação, adotando o processo eletrônico, e estabeleceu metas de produtividade, a carga de trabalho da magistratura aumentou, o que estaria deixando seus membros fatigados, vulneráveis a doenças ocupacionais e propensos à depressão.
"As doenças desencadeadas por estresse têm se acentuado significativamente. Os juízes que não cumprem as metas estão sendo penalizados por isso", disse a vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Hadja Holanda de Alencar, em entrevista ao jornal Valor. "O surgimento de doenças ocupacionais tem sido muito comum entre juízes e servidores após a implantação do processo eletrônico, porque todos acabam ficando muitas horas em frente do computador", afirma César Bochenek, desembargador do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região e presidente da Associação dos Juízes Federais.
As reclamações mais recorrentes são dos juízes trabalhistas. Segundo pesquisa feita em 2011 pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) com 706 dos 3,1 mil membros da corporação, 33,2% estiveram de licença médica entre 2010 e 2011; 41,5% alegaram ter diagnóstico de depressão; 45% disseram que iam para a cama depois da meia-noite; e 53,5% afirmaram que dormiam mal. Destes, 17,5% usavam medicamentos para depressão e ansiedade. "Os dados são alarmantes e devem ter piorado nos últimos anos com a implantação do processo eletrônico. Há um grau de tendência ao suicídio altíssimo entre juízes em geral", observa o presidente da entidade, Paulo Luiz Schmidt. Ele anunciou que pedirá ao CNJ, durante o 8.º Encontro Nacional do Poder Judiciário, que "flexibilize" as metas de produtividade para a Justiça do Trabalho em 2015, para preservar a saúde dos juízes.
Durante as reuniões preparatórias para esse evento, a Anamatra apresentou aos Tribunais Regionais do Trabalho proposta de criação de metas de redução dos fatores de risco à saúde de seus membros. A proposta não foi aprovada, mas o presidente da entidade divulgou nota afirmando que pedirá ao presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, a reformulação da política de metas de produtividade.
"É incompreensível que o mesmo segmento do Poder Judiciário que opera a proteção da cidadania e da dignidade no trabalho, inclusive no que diz respeito à saúde e segurança, não tenha a mesma preocupação com seus próprios magistrados. Somente a lógica da produtividade desenfreada, infelizmente estimulada pelo CNJ, sem respeito aos limites humanos, pode explicar uma insensatez de tal envergadura", diz a nota da Anamatra.
Introduzida pelo CNJ para reduzir a morosidade na tramitação dos processos e racionalizar os tribunais, a política de metas sempre esbarrou na oposição da magistratura. As entidades representativas de juízes alegam que as metas costumam ser definidas "em ambientes herméticos, sem transparência, sem discussão e sem densidade democrática". Para a Anamatra, as metas são "atos de voluntarismo do CNJ", não levando em conta "o papel da Justiça do Trabalho" e não guardando "conexão com os interesses dos jurisdicionados".
A Emenda Constitucional n.º 45, que introduziu a reforma do Judiciário e criou o CNJ para modernizar a instituição, tramitou durante 13 anos no Congresso, até ser aprovada em dezembro de 2004. Dez anos depois, muitas de suas inovações continuam esbarrando em resistências corporativas, o que explica por que o Judiciário - em cujo âmbito a média salarial é pouco mais do que o triplo da média do Executivo - permanece como o mais atrasado dos Três Poderes.