Coluna Brasil S/A
O calor das disputas evidencia um maniqueísmo que deve ser evitado, pelo bem da viúva, dos trabalhadores e da competitividade das empresas
por Simone Caldas Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. Os nós da terceirização Deve acontecer hoje mais um round em torno do projeto de lei da terceirização (PL 4.330/04), de autoria do deputado goiano Sandro Mabel (PMDB). Apesar de estar em tramitação há nove anos, o sucesso da empreitada ainda esbarra em pontos de vista completamente antagônicos de trabalhadores e empresários, que dificilmente reverterão em consenso. Se for a voto, a vitória de um lado ou outro será por nocaute. O próprio governo, que freou as discussões sobre o tema durante os mandatos do ex-presidente Lula, soltou as rédeas. Talvez por ser a base de apoio da presidente Dilma bastante heterodoxa e de difícil controle. O fato é que o Planalto, que faz parte da comissão quadripartite que estuda o tema, pensa, na verdade, em fazer um decreto regulamentando a contratação de terceirizados no serviço público independentemente das definições do Congresso para se livrar da responsabilidade subsidiária em relação às dívidas trabalhistas. Isso significa que os trabalhadores terceirizados no governo ficarão no prejuízo se as empresas contratadas fecharem as portas do dia para noite. O que não é raro no país. Na semana passada, como o Correio mostrou, o Ministério da Justiça teve que bancar os salários de cerca de 500 terceirizados, mesmo já tendo repassado à empresa R$ 1,782 milhão para os pagamentos. Se o decreto se concretizar, poder ser mais um ponto complicador no já conturbado debate em torno da questão, pois vai estimular o setor privado a buscar regras semelhantes de proteção às companhias em detrimento do trabalhador. O texto de Mabel remete as contratações da administração pública à lei das licitações (8.666). O que significa que os Três Poderes, nos casos de calote, ficam responsáveis apenas pelas dívidas previdenciárias. Na iniciativa privada, a responsabilidade seria subsidiária, quando as empresas comprovarem que fizeram o dever de casa, fiscalizando os contratos e exigindo mensalmente os comprovantes dos recolhimentos devidos ao INSS, FGTS e outros; ou solidária, quando relaxar no controle. A diferença entre um e outro é que na ação subsidiária, o contratante só pode ser acionado judicialmente depois de esgotados todos os bens da terceirizada. Na solidária, os dois patrões podem ser processados ao mesmo tempo. No Tribunal Superior do Trabalho, existem quase 21 mil ações movidas por empregados vítmas de firmas que fecharam as portas sem deixar rastro.
Competitividade Não à toa, sindicalistas, juízes e procuradores do trabalho são avessos a regras muito condescendentes na terceirização. Por outro lado, as empresas alegam, e com razão, que o alto custo imposto pela legislação trabalhistadiminui a competitividade do setor produtivo frente aos mercados internacionais. A elevação dos salários nos últimos anos e a pouca produtividade da mão de obra, constituída por um exército de pessoas com qualificação precária, é uma equação a ser resolvida. A terceirização poderia ser um lenitivo. Mas é imperativo que os trabalhadores tenham seus direitos preservados. Espectador ativo da movimentação em curso no Congresso, o presidente da Associação Nacional dos Juízes do Trabalho, Paulo Schmidt, faz projeções preocupantes. Ele conta que atualmente, dos 43 milhões de empregados no país com carteira assinada, 11 milhões são terceirizados. Com a aprovação do projeto proposto por Mabel, ele estima que em 10 anos essa proporção vai se inverter, "o que resultará em uma drástica redução da massa salarial". Segurança O relator do projeto, deputado Arthur Maia (PMDB-BA), em entrevista à rádio Câmara afirma que acatou parte das sugestões feitas pelo Ministério Público do Trabalho e por centrais sindicais. Retirou do texto original a possibilidade de contrato de pessoa física, o que ampliaria o risco da já tão propagada pejotização -- empregados contratados como pessoa jurídica. Para oferecer mão de obra, as empresas terão que ser especializadas e possuir objeto social único. O cuidado é para evitar a permanência no mercado daquelas que ofertam desde servente e segurança a médico e jornalista. Essas, conhecidas como guarda-chuvas, são as que costumam dar mais problemas, principalmente ao governo, porque ganham licitações a preços tão baixos que não conseguem recolher os encargos. Via de regra, naufragam. Outro cuidado citado por Maia é a exigência do depósito de 4% sobre a fatura mensal, além de fiança bancária para garantir o pagamento dos direitos trabalhistasno final do contrato. Apesar de quase uma década de debates, não há convergência entre as partes. O procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo, explica que a proposição de Mabel desmonta todo o sistema de regulamentação do contrato de emprego, baseado na Consolidação das Leis do Trabalho. Ele acredita que haverá precarização e que poucas empresas manterão empregos diretos. A terceirização também está por trás de grande parte dos casos de trabalho escravoenvolvendo marcas de peso como a Le Lis Blanc, Gregori, Pernambucanas e Zara. Camargo cita que acidentes como o da P-37, da Petrobras, envolvem diretamente trabalhadores terceirizados, que não têm o mesmo treinamento que os empregados diretos. Quatro pontos O calor das disputas evidencia um maniqueísmo que deve ser evitado, pelo bem da viúva, dos trabalhadores e da competitividade das empresas. É preciso mais clareza sobre o alcance e objetivo das propostas. Na reunião de hoje -- e em outras três ou quatro que deverão acontecer até 3 de setembro, quando o projeto vai a voto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara -- governo, sindicalistas, parlamentares e empresários vão tentar desatar quatro nós cegos: se a terceirização será permitida nas atividades meio e fim, como defendem o relator, deputado Arthur Maia, e o governo; representação sindical; igualdade de direitos entre os terceirizados e os demais trabalhadores; e a responsabilização solidária das empresas contratantes pelas dívidas trabalhistas. |