Uma empresa só pode terceirizar áreas que não são a "atividade fim". Uma agência de publicidade pode terceirizar o serviço de limpeza, por exemplo, mas deve ter os próprios publicitários. Existe um projeto de lei, no entanto, para que isso passe a ser permitido.
O juiz Renato Sant'Annadiz que, "pela jurisprudência, o tomador do serviço é um dos responsáveis pelos direitos". Ou seja, quando a terceirizada não paga funcionários, a empresa que a contratou deve acertar a conta.
"A terceirização contribui para a grande quantidade de situações em que os direitos trabalhistas não são pagos", diz a advogada Aparecida Hashimoto.
Aos 70, CLT divide opiniões: caducou ou permanece atual?
FELIPE GUTIERREZ DE SÃO PAULO
Na próxima quarta-feira, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que unifica a legislação sobre o assunto no Brasil, completa 70 anos entre pedidos de flexibilização e pressões para que ela se mantenha como está.
"A nossa CLT é bastante atual" defende o juiz Renato Henry Sant'Anna, presidente da Amatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho). "Muitos dizem que as normas estão atrasadas, mas sempre é possível fazer uma releitura", afirma.
Mas, para os defensores das alterações, isso não é o suficiente. "A realidade é outra, e as mudanças feitas até hoje foram poucas e tímidas", diz a advogada Fabiana Bassa, que representa empresas em processos trabalhistas.
O ponto defendido por ela é que as companhias "possam pagar menos encargos e contratar mais" e, para isso, é preciso "flexibilizar as regras".
O economista André Portela, professor da FGV, diz que a CLT "impede a possibilidade de ganhos por meio de trocas entre as partes".
Ele cita um exemplo: o TST (Tribunal Superior do Trabalho) decidiu que a legislação não permite que empregados tenham menos tempo de almoço e saiam mais cedo do escritório --mesmo que as partes estejam de acordo sobre essa questão.
Para Estevão Mallet, professor de direito da USP, a regra mais urgente a ser alterada é a da exclusividade dos sindicatos.
"Um bancário só pode se filiar ao sindicato dos bancários, mesmo que não concorde com a linha de atuação da entidade."
A CNI (Confederação Nacional da Indústria) divulgou recentemente o estudo 101 Propostas de Modernização da Legislação Trabalhista. Nele, sugere até que o regime análogo ao escravo só seja caracterizado por trabalho não remunerado e cerceamento efetivo de liberdade.
O debate sobre mudanças na CLTestá "interditado", diz Clemente Gamz Lúcio, diretor-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), porque os trabalhadores entendem que essa flexibilização que os empregadores pedem implicaria perda de direitos.
Ele mesmo, um funcionário do órgão que representa sindicatos, acha que há casos nos quais poderia haver mudanças e cita um exemplo: acordos entre trabalhadores e empregadores poderiam "passar por cima" de certas normas da CLT.
Na prática, não é preciso alterar as palavras da lei para que ela seja aplicada de maneira diferente.
O modo como a Justiça lida com o alcoolismo no trabalho é um exemplo. Hoje, o problema é visto como uma doença. Mas, há 70 anos, era encarado como desvio de conduta e poderia ser motivo de demissão por justa causa.
MUDAR SEM MUDAR
"A jurisprudência evolui e dá uma interpretação contemporânea à lei", diz o desembargador Wolney de Macedo Cordeiro. Esse mecanismo, no entanto, não solucionou todos os novos problemas.
"A questão de intervalos, seja durante o expediente, seja para descanso semanal, permanece sem resposta", exemplifica.
A ex-funcionária de telemarketing Barbara dos Santos, 28, trabalhou em uma empresa que restringia as pausas para ir ao banheiro. "Até hoje tenho uma infecção urinária", diz Santos.
Era preciso pedir autorização para ir ao toalete fora do horário de descanso, de 15 minutos. Ela moveu uma ação trabalhista contra o empregador e recebeu indenização
Mas ela sabe que, de acordo com a legislação atual, isso é impossível.
As férias devem ser de 30 dias corridos. Pode haver uma exceção, que é separar em dois períodos, mediante uma justificativa que apresente um motivo excepcional. E o mínimo é de dez dias.
Parcelar as férias é uma das 101 propostas da CNI (Confederação Nacional da Indústria) para mudar a legislação. Para a entidade, a obrigação de dar 30 dias corridos "pode impedir ajustes na gestão da empresa".
Eles sugerem o fracionamento em até três períodos, sem que seja preciso justificar a decisão.
Édson Carli, 46, sócio da GDT consultoria, instituiu uma premiação de até 5% ao consultor que fecha um novo contrato.
Mas, pela lei, pessoas que desempenham funções iguais devem receber o mesmo salário. Carli diz acreditar que a comissão pode abrir brecha para contestação na Justiça. Em relação aos prêmios, defende um tipo de tratamento igualitário: "Deve existir isonomia de regra, não de prêmio", explica o empresário. Às empresas que assessora, dá a dica: "Metas devem ser claras e ter vínculo com o trabalho do funcionário".
Esse é um dos exemplos de como as empresas podem não saber aplicar demissões por justa causa. "A lei não explica como proceder", diz o desembargador Cordeiro. Ele afirma que muitas dispensas feitas dessa forma são revertidas na Justiça por falhas no processo.
Acordos sindicais também geram questões trabalhistas. Há metalúrgicos, por exemplo, que não podem ser demitidos a menos de um ano e meio da aposentadoria.
A gerente de relações do trabalho da CNI, Sylvia Lorena, discorda. "Não há especificação de como deve ser o controle de frequência. Se [o profissional] trabalha de casa, verifica-se isso pela realização de tarefas."
É o que acontece com a gerente Edneusa Miguel, 37, que trabalha de casa uma vez por semana. "Para meu chefe, o importante são os resultados." Ela diz que nesses dias dedica-se mais horas, mas não se sente lesada por isso.