Estratégia comum do comércio para atrair clientes, agora a Justiça do Trabalho também aceita cartão de crédito. Desde o início de abril, já funciona em 16 varas de Belém o sistema de pagamento facilitado para quitar débitos trabalhistas. A previsão é levar o modelo a todos tribunais regionais do Trabalho até o fim de 2013. “A estimativa é baixar o tempo do processo em 30%”, afirma o juiz do TRT–9 (PR) Marlos Augusto Melek, um dos idealizadores da proposta.
A iniciativa foi firmada em uma parceria do Conselho Nacional de Justiçacom os bancos oficiais — Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal — e suas operadoras de cartão de crédito — Cielo e Redecar. O principal objetivo é desafogar os tribunais, com mais de 3 milhões de processos pendentes, e estimular a conciliação. A 16ª Vara do Trabalho de Belém sediou a fase de testes, no fim de 2012, e agora todas as varas da capital paraense aceitam esse modo de pagamento, menos a 17ª Vara, exclusiva para implantar o Processo Judicial Eletrônico. A escolha da corte de Belém, segundo Melek, seguiu o critério da viabilidade tecnológica.
Um mesmo software para o gerenciamento operacional dos pagamentos já foi desenvolvido para todo o país. Logo depois do TRT–8 (PA e AP), o programa deve ser instalado nas cortes trabalhistas de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Paraná. Todas as bandeiras são aceitas, não há cobrança de juros nos parcelamentos e a tarifa fixa de uso de cartão é de R$ 25, paga pelo devedor. O acordo também agradou aos bancos, que lucram com o volume da movimentação financeira.
No primeiro acordo trabalhista pago com cartão de crédito, em 9 de abril, uma companhia de viação indenizou um funcionário em R$ 5 mil por danos morais, na 2ª Vara do Trabalho de Belém. Na última semana, quatro outros acordos foram pagos com cartão de crédito na 5ª e na 7ª varas da capital paraense. O total transferido para quitar dívidas trabalhistas, desde a inauguração do sistema, ultrapassa R$ 25 mil. A opção de pagamento via webtambém é estudada pela Secretaria de Tecnologia de Informação do Tribunal Regional Federal da 8ª Região.
Longa negociação O interesse em adotar o cartão de crédito na Justiça do Trabalho existe há mais de seis anos. Naquela época, Melek tentou implantar o sistema no TRT-10 (DF), mas não teve sucesso. A oportunidade de retomar a ideia surgiu quando ele foi chamado, em 2010, para ser juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão chefiado na época pela ministra Eliana Calmon. “É importante trazer o meio eletrônico às salas de audiência do Judiciário. A fase de execução tem uma taxa de congestionamento absurda”, aponta ele, que atualmente é juiz auxiliar da presidência do TRT-9. Segundo o último relatório Justiça em Números, do CNJ, o índice de congestionamento nessa etapa em 2012 era de 69%.
A expectativa é que o cartão de crédito derrube empecilhos para juízes e advogados. Como o Tribunal Superior do Trabalho veta qualquer diferença de centavos em relação à decisão ou acordo, o pagamento no local da audiência diminui o risco de transferências inválidas. Automaticamente também serão quitados os valores referentes a despesas acessórias, custas do processo e honorários periciais. “Sem dúvida o calote caírá sensivelmente, sobretudo em relação às pequenas empresas”, avalia a diretora da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas, Sílvia Burmeister. Para o devedor, ressalta a advogada, existe a possibilidade até de acumular milhas.
O uso do cartão ainda deve beneficiar a parte perdedora de mais formas. “Com a certeza de que será pago, o trabalhador aceitará dividir o débito em mais vezes”, afirma Melek. Atualmente, o valor médio de um acordo trabalhista é de R$ 2,3 mil, com média de divisão em cinco parcelas. Etapas desgastantes também serão queimadas: protocolar cada pagamento e juntá-lo ao processo, pedir alvarás de quitação nos tribunais mensalmente e sacar nos postos de atendimento bancário especializados. Agora é possível retirar o dinheiro em qualquer agência ou caixa eletrônico e, se o pagamento é pelo cartão de débito, a quantia está liberada em 48 horas.
Na opinião de Sílvia Burmeister, porém, a iniciativa exige cuidado. “Não se pode admitir que essa ferramenta tecnológica force o credor a acordos aviltantes, mediante o argumento de que está seguro o cumprimento”, alerta. O diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, juiz Germano Siqueira, elogia a novidade, mas defende outras ações. "As experiências extralegais, como essas do uso do cartão, não são tão aconselháveis quanto a alteração da legislação. É nisso que se deve investir, inclusive para reduzir a quantidade de recursos existentes, de modo a assegurar a eficácia mais imediata possível das decisões de primeiro grau", avalia.
O próximo passo, depois da consolidação nas varas trabalhistas, é replicar o sistema nos tribunais da Justiça comum em até dois anos. "Seria um avanço significativo. Em varas de família, por exemplo, o devedor poderia pagar a pensão alimentícia de imediato", prevê Marlos Augusto Melek, que deixou o Conselho Nacional de Justiçaem 2012.
Por Victor Vieira