Terceirização, um alerta à presidente Dilma
Por Paulo Schmidt
O Brasil tem hoje cerca de 43 milhões de pessoas empregadas. Deste total, mais de 11 milhões são trabalhadores terceirizados. Ou seja, um quarto de toda a mão de obra empregada, não contabilizando aí os informais, trabalha em regime precário no que diz respeito às suas condições de trabalho e aos seus direitos trabalhistas.
A terceirização, que ganhou força com a liberalização da economia nos anos 1990, foi uma das formas perversas encontradas pelas empresas para reduzir custos, penalizando os trabalhadores.
Essa realidade ficou evidenciada em pesquisa realizada pela Federação Única dos Petroleiros, com o objetivo de saber o que motiva uma empresa a contratar empregados terceirizados: 98% das respostas mostraram que a opção estava relacionada à redução de custos e apenas 2% responderam que as terceirizações foram efetivadas pela necessidade de contratação de mão de obra especializada.
O quadro, que hoje já não é bom, e tende a se agravar, ganha um viés preocupante com a aprovação, em comissão especial da Câmara, do relatório do deputado Roberto Santiago (PSD-SP) ao Projeto de Lei nº 4.330, de 2004 - autoria do deputado Sandro Mabel (PR-GO). A regulamentação proposta para o dito fenômeno da terceirização no Brasil é a mais profunda e retrógrada reforma trabalhista que o mais empedernido liberal jamais imaginou. E isso sem nem mesmo citar a medonha palavra reforma, que tantos fantasmas ressuscita.
Além do aprofundamento da precarização, não há no horizonte qualquer medida que traga para a formalidade o contingente de trabalhadores que está completamente à margem da lei. Perspectivas negativas indicam que, com o texto aprovado, dez milhões dos 32 milhões de empregados diretos migrarão para a terceirização nos próximos cinco anos, o que resultará numa drástica redução da massa salarial no período. Não é demais estimar que, em dez anos, o número de terceirizados venha a ultrapassar o de empregados diretos das empresas.
Seria necessário escrever um livro para abordar, sem pressa e com a atenção que merecem, as questões mais preocupantes do tema terceirização. Contudo, é preciso que os aspectos centrais sejam pontuados, até mesmo para estimular a reflexão e o debate que o tema está a exigir.
O primeiro, diz respeito à diferenciação clara que deve haver entre atividade-fim e atividade-meio e que precisa ser explicitada no texto da lei, para que não tenhamos, no futuro, empresas sem empregados; o segundo, quando nos casos em que a lei venha a admitir a terceirização, a empresa tomadora deverá responder solidariamente com a prestadora pelo pagamento dos eventuais créditos dos empregados da contratada, a exemplo do que já ocorre com o crédito previdenciário; terceiro, igualdade de salários e de condições de trabalho e de higiene e segurança entre os empregados da empresa contratante e os empregados terceirizados, pois não há qualquer justificativa para que dois empregados, com a mesma função e no mesmo local de trabalho, recebam salário diferentes; o quarto ponto, é que a lei deve vedar, expressamente, a subcontratação, fonte direta da precarização em cadeia, na qual a responsabilidade do empregador vai se diluindo, no processo de quarteirização, quinteirização e assim por diante. Ao fim e ao cabo, ninguém é responsável pelos créditos do empregado, pelos tributos e contribuições sociais nem pela segurança dos trabalhadores.
Algumas lógicas perversas estão na gênese da terceirização. E a principal é tornar o custo fixo dos empregados em custo variável representado pelos empregados da prestadora. Como não há milagre nisso, esse custo variável se traduz em redução da despesa pela redução dos salários dos terceirizados, pelo aumento da jornada, precarização das condições de trabalho e pela transferência de responsabilidades de uma empresa para outra.
Sob o ponto de vista do futuro da nação, a terceirização é um retrocesso sem precedentes. Num país em que a criação de postos de trabalho está no centro das ações de governo, em que a geração de emprego é vital para as futuras gerações, todos sabemos que a terceirização não contribui com nada. Pelo contrário. A média de jornadas além das oito horas diárias é imensamente superior entre empregados terceirizados, o que implica em extinção de postos de trabalho que, em condições normais, seriam ocupados por novos trabalhadores contratados.
Diante de tudo isso, é preocupante a manifesta disposição do Congresso Nacional em regulamentar, a toque de caixa, a terceirização. Lamentavelmente, pelo substitutivo do deputado Roberto Santiago, a regulamentação se dará com um retrocesso ao passado. Se não fosse - como é - um preço demasiadamente alto para ser pago, poderíamos nos resumir ao lamento. Mas o futuro da nação ficará seriamente comprometido e a presidente Dilma Roussef manchará irremediavelmente a sua imagem, ingressando na história como a principal responsável pela brutal marcha à ré que esta regulamentação representará no nosso processo de avanço civilizatório. Pouco importará o país ter se alçado à sexta posição entre as maiores economias mundiais. A população empobrecerá e a participação do trabalho na renda nacional encolherá.
Como nada é ainda definitivo, acreditamos que resta tempo para que o bom senso prevaleça.
(*) Paulo Schmidt é vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)