O assassinato da juíza Patrícia Lourival Acioli, titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, mobilizou a classe jurídica para o rápido esclarecimento do crime. O governador Sérgio Cabral determinou à chefe da Polícia Civil, delegada Marta Rocha, todo o empenho para esclarecer a execução, ocorrida na madrugada de sexta-feira. No sábado, a Corregedoria Unificada das Polícias do Rio de Janeiro prendeu seis policiais militares do 7º Batalhão (São Gonçalo), cujos mandados de prisão foram expedidos pela juíza na quinta-feira. Ela havia determinado a prisão dos policiais com base em acusação de homicídio.
Hoje, uma força-tarefa formada por três juízes assumirá os trabalhos na 4ª Vara. Os magistrados farão um levantamento dos casos sob a responsabilidade da juíza para avaliar possíveis ligações entre os réus dos processos e o assassinato. Os trabalhos no fórum de São Gonçalo deverão contar com forte esquema de segurança, mas não foram divulgados detalhes da operação.
O trio de juízes não deve dar prosseguimento aos processos que tramitavam na 4ª Vara. Para isso, seria necessário pedir vistas dos processos antes dos julgamentos. Funcionários do fórum acreditam que nenhuma audiência seja realizada esta semana.
"Se confirmado, este é um caso de retaliação muito grave contra a juíza que enfrentava o crime, que denunciava marginais, punia marginais, sentenciava com coragem. Isso é um desafio à ordem pública, ao Estado de Direito Democrático.
Esse caso não será apurado pela delegacia local, mas sim pela Delegacia de Homicídios", afirmou o governador. Ele acrescentou que há vários policiais cedidos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) para a proteção de juízes e desembargadores ameaçados, mas não foi feito ao governo qualquer pedido de proteção à juíza. Ainda segundo Cabral, o efetivo pode ser ampliado se for necessário.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Cezar Peluso, pediu ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, providências imediatas. "A preservação do império da lei em nosso País exige a rápida apuração dos fatos e a punição rigorosa dos responsáveis por este ato de barbárie. A juíza deixa uma lição de profissionalismo, rigor técnico e dedicação à causa do direito", afirmou.
QUESTÃO DE HONRA. O presidente do TJ-RJ, Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, garantiu que a morte da juíza não ficará impune, no que depender do tribunal. "Não tenho dúvidas de que estes bandidos serão identificados, punidos, condenados e encaminhados a presídios federais. Isto é uma questão de honra para a magistratura fluminense", ressaltou o presidente do TJ-RJ, lembrando que a Secretaria de Estado de Segurança Pública prometeu fornecer toda estrutura para elucidar o crime.
Segundo o desembargador, Patrícia Acioli nunca pediu segurança, embora desde 1998 o regulamento do TJ-RJ, determine que o juiz, ao se sentir ameaçado, deve requisitar segurança.
Rebêlo dos Santos contou que entre 2002 e 2007, por iniciativa do tribunal, após avaliação da Diretoria Geral de Segurança Institucional (DGSEI), a magistrada teve segurança total, por 24 horas, com três policiais. A segurança foi reduzida para um policial em 2007, quando a juíza considerou que a escolta não era mais necessária. "Ela nunca pediu segurança. A segurança da juíza foi feita por iniciativa do tribunal", ressaltou. O desembargador lembrou que é comum magistrados que requisitam segurança reforçada peçam que esta seja retirada, após algum tempo, porque perdem a liberdade de ir e vir.
De acordo com ele, tramitam na 4ª Vara Criminal de São Gonçalo ações de repercussão envolvendo máfias, gangues de transportes alternativos, milícias, entre outros. Em 2010, o órgão recebeu 778 processos, numa média de 65 por mês. Este ano, de janeiro a julho, foram ajuizadas 454 ações. O desembargador disse também que vai mandar publicar um aviso para que todos os magistrados fluminenses fiquem cientes do procedimento de pedido de segurança.
"Os nossos juízes terão a proteção necessária para julgar.
Não vamos nos intimidar. O caso da juíza Patrícia Acioli foi uma execução. Eu estou amargurado", disse.
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, também solicitou ao ministro da Justiça a criação de uma forçatarefa para, numa ação enérgica e rápida, investigar o assassinato da juíza. Calandra disse que a AMB não descansará enquanto não forem presos os responsáveis pelo crime. Ele também defendeu a formulação de uma política nacional de segurança para os magistrados e que convocou as autoridades brasileiras e a sociedade organizada a reagirem a esse tipo de ataque.
"Patrícia Acioli sempre agiu com independência, serenidade e firmeza, tendo prestado relevantes serviços à Justiça e ao País. A exemplo da juíza, os magistrados do Brasil não se curvarão ante as intimidações daqueles que estão envolvidos em atividade criminosa. Quando um juiz sofre um ataque é também um atentado contra o Estado e a sociedade brasileira deve ser coibido com rigor pelas autoridades brasileiras", afirmou, dizendo que a perda deixará uma imensa lacuna na magistratura e na defesa da paz social.
Segundo o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Gabriel Wedy, muitos juízes deixam a competência criminal com medo de serem mortos, pois o Estado não oferece segurança suficiente.
"Isso faz com que a sociedade fique a mercê, na mira desses meliantes.
As polícias não possuem efetivo para dar segurança aos magistrados. O Poder Executivo e o Congresso Nacional nada fazem a respeito, além de virar as costas aos pleitos dos juízes que encontram-se com os seus direitos e prerrogativas cada vez mais vulneráveis", disse.
"O projeto de lei (PLC 03/06), que cria a Polícia Judiciária, vinculada ao Poder Judiciário, para fazer a segurança dos juízes e cria o órgão colegiado para julgar organizações criminosas e o narcotráfico internacional, para dar maior proteção a esses magistrados, encontra-se paralisado no Congresso Nacional por corporativismos injustificáveis", completou.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Renato Henry Sant"Anna, também manifestou consternação e repúdio pelo assassinato da juíza Patrícia Lourival Acioli e destacou atuante trabalho dela no combate ao narcotráfico no Estado do Rio. "A Anamatra ressalta e reitera que uma de suas tradicionais bandeiras de luta é pela segurança no Judiciário, pugnando pela rápida apuração e exemplar punição aos responsáveis", disse Sant"Anna.
Para o presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), desembargador Antonio Cesar Siqueira, é preciso "ter consciência de que é possível transformar nossa pátria numa terra onde nenhuma pessoa tenha sua vida ameaçada simplesmente por realizar o seu trabalho com eficiência, compromisso e responsabilidade".
"Lutar por esse ideal é uma dívida da magistratura com a juíza Patrícia Acioli.
Os projéteis que tiraram sua vida atingiram, também, a dignidade de todos os brasileiros. Feriram os direitos mais profundos inerentes à cidadania e afrontaram as instituições", afirmou.
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, destacou que a juíza era conhecida por seu rigor na atuação contra grupos de extermínios formados por policiais militares e integrava listas de marcados para morrer. "Ceifaram a vida de um magistrado, e não podemos, efetivamente, retornar aos tempos das trevas, conviver com esse tipo de reação, esse tipo de selvageria que agride a justiça", defendeu.
RESPOSTA. Advogado, o presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), Antenor Barros Leal, também cobrou resposta rápida das autoridades para esclarecer o assassinato que, para ele, é um atentado à democracia brasileira.
"Quanto mais rápido a sociedade brasileira, principalmente a fluminense, souber quem são os autores dessa barbaridade, será uma contribuição importante para uma cidade e estado que vão hospedar eventos tão importantes, desde a visita do papa Bento XVI aos Jogos Olímpicos, especialmente a Rio +20, que trará mais de 150 chefes de estado no próximo ano", declarou o presidente da ACRJ.
Ha três meses, a corregedoria nacional de Justiça pediu aos tribunais reforço na segurança dos magistrados ameaçados, especialmente aqueles das varas criminais e de execuções penais, e a relação de todos os magistrados ameaçados de morte em decorrência de sua atuação. O órgão recebeu informações de que seriam 87 magistrados sob ameaça no País, mas alguns tribunais não tenham respondido.
O Tribunal de Justiça do Rio teria informado que 13 magistrados, entre eles sete desembargadores, estavam com proteção especial, por causa de ameaças, mas não constava o nome da juíza assassinada.
Patrícia Acioli foi executada com 21 tiros quando chegava em casa em Piratininga, na Região Oceânica de Niterói, na madrugada de sexta-feira.
Ela tinha 47 anos e ingressou na magistratura do Rio em 14 de dezembro de 1992. Em 1o de junho de 1999, foi promovida a titular da 4a Vara Criminal de São Gonçalo.