A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) vai combater o Projeto de Lei 5762 _que criminaliza violação aos direitos dos advogados_ e prevê que a proposta criará uma "área de atrito" com a magistratura, informa a Folha em sua edição de hoje (acesso a assinantes).
"O projeto é inaceitável, vai colocar uma camisa-de-força no juiz", diz Walter Nunes, presidente da entidade. Como os representantes da magistratura não conseguiram no Parlamento a aprovação da Nota Técnica com posição contrária à proposta, a Ajufe vai pedir um pronunciamento do Conselho Nacional da Justiça.
A advocacia vem sofrendo um longo processo de desgaste _desde a rejeição de nomes para a composição de tribunais à exposição de advogados investigados em operações da Polícia Federal autorizadas pelo Judiciário e conduzidas pelo Ministério Público. Ao mesmo tempo, tenta reforçar a discussão sobre a importância do seu ofício e as ameaças ao direito de defesa.
O debate em torno do projeto deverá trazer novamente à tona os protestos acumulados da advocacia, que envolvem a questão do recebimento dos advogados por juízes e dificuldades para acesso aos autos ou para entrevistar presos numa penitenciária.
Do lado da magistratura, a notícia gerou grande apreensão. Como revelou o jornal, na edição de quarta-feira, o projeto torna crime punível com prisão de até dois anos "violar direito ou prerrogativa do advogado (...) impedindo ou limitando sua atuação profissional".
"Eu não acredito nessa possibilidade, mas se o projeto for aprovado, vamos entrar com uma Adin [ação direta de inconstitucionalidade] e o Supremo Tribunal Federal, tenho certeza, vai entender que é a proposta é inconstitucional", diz Nunes.
O presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Mozart Valadares Pires, também se manifestou contra o projeto da OAB. “A magistratura respeita e reconhece as prerrogativas do advogado, função essencial à Justiça. Somos contrários ao projeto de lei em questão porque existem as corregedorias e o Conselho Nacional de Justiça para o advogado representar contra o magistrado caso suas prerrogativas não sejam reconhecidas no exercício da função.”
Segundo a Ajufe, a OAB informou que esse projeto teve origem em reclamações de que as prerrogativas dos advogados não estavam sendo observadas pelas autoridades policiais. "Da forma como foi redigida a norma, ela pode vir a ser aplicada a qualquer pessoa que porventura venha a se contrapor a uma prerrogativa dos advogados", diz Nunes.
"Ou seja, qualquer relação com um advogado em que haja uma divergência poderá transbordar para uma acusação, e o juiz também estará passível de ser acusado de violar uma prerrogativa, se, diante de uma decisão judicial, o advogado entender que houve uma afronta. Isso seria bastante para uma representação, pedindo a instauração de um inquérito contra um juiz", alerta o presidente da Ajufe.
Como a proposta segue para votação no Senado, a Ajufe vai insistir na posição contrária a sua aprovação.
O projeto foi tratado nesta semana em reunião dos presidentes da Ajufe e da Anamatra, respectivamente Walter Nunes e Cláudio Montesso, com o presidente do Conselho Federal da OAB, Raimundo Cezar Brito. Apesar de entender a posição contrária dos magistrados, o presidente da OAB disse que o projeto foi elaborado em razão das ofensas às prerrogativas dos advogados praticadas por delegados.
Para o presidente da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), Marcio Kayatt, "o grande mérito do projeto reside na discussão sobre o verdadeiro papel desempenhado pelo advogado, como partícipe indispensável à realização da Justiça - na própria dicção do texto constitucional - para cujo mister o legislador assegurou determinadas prerrogativas, que antes de representarem algum privilégio, consubstanciam-se em verdadeiros instrumentos de efetivação dos princípos constitucionais da ampla defesa e contraditório assegurados a todos os cidadãos".
Segundo Kayatt, na maior parte das vezes, quem viola as prerrogativas dos advogados é uma autoridade. "E os representantes do Ministério Público volta e meia também violam as prerrogativas. Daí porque tenho sérias dúvidas se o MP se esforçará para aplicar a lei, caso ela venha a ser também aprovada pelo Senado e sancionada pelo Presidente", diz. "Quanto à origem do projeto, nasceu ele exatamente das reiteradas violações às prerrogativas do advogado que, repita-se, são verdadeiros instrumentos de consecução do devido processo legal".