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GISELLE SOUZA
DO JORNAL DO COMMERCIO
Entidades da magistratura declararam guerra ao projeto de lei que criminaliza a violação das prerrogativas da advocacia. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, entregou ao senador Demóstenes Torres, relator da proposição no Senado, ofício em que repudia a medida. Na avaliação do juiz, a criminalização é uma proposta exagerada, que poderá provocar clima de animosidade entre as carreiras. Outras instituições - como a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) - também são contra o texto.
Aprovada pela Câmara em maio último, a proposta prevê pena de detenção de seis meses a dois anos para quem violar direito ou prerrogativa do advogado, impedindo ou limitando a atuação dele como profissional. A proposição prevê ainda a ampliação da pena de um sexto até a metade, se do fato resultar prejuízo ao interesse patrocinado pelo advogado. De acordo com o projeto, os presidentes das seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) poderão requisitar a abertura de inquérito à autoridade policial, quando a violação ocorrer.
No ofício entregue ao relator do projeto, a AMB considera "de todo louvável a preocupação com a defesa das prerrogativas da advocacia, que, por sua vez, se traduz na defesa dos interesses dos cidadãos, que se valem destes serviços para o patrocínio de seus direitos". E argumenta: "A AMB entende que a defesa de uma categoria profissional específica, por mais relevante que seja sua função, não deve dar-se à custa da criminalização genérica de condutas".
No documento, a associação afirma que o Direito Penal deve ser visto como instrumento de tutela de bens jurídicos de maior relevância para a pessoa e para a sociedade. E que o projeto de lei não teria esse objetivo, uma vez que o ordenamento jurídico já prevê meios de proteção das prerrogativas dos advogados. Pela legislação em vigor, os magistrados que violarem as prerrogativas devem ser denunciados aos tribunais aos quais estão vinculados ou mesmo ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para que tomem medidas de correção cabíveis.
A AMB lembra ainda que, além das sanções administrativas, os juízes também estão sujeitos à responsabilização na área civil. E classifica o projeto como "extremamente vago" por não descrever "de maneira específica a situação fática sujeita a criminalização". Segundo Mozart Valadares, essa indefinição poderá resultar em interpretações equivocadas. "A qualquer contrariedade, o advogado poderá dizer que a prerrogativa dele foi ofendida e, inclusive, ajuizar ação criminal contra o magistrado", explicou.
De acordo com Mozart Valadares, 99,9% da magistratura mantêm boa relação com os advogados. A proposição, portanto, poderá abalar esse relacionamento. "Se o projeto for aprovado, vamos até o Supremo Tribunal Federal argüir sua inconstitucionalidade", assegurou o magistrado.
MOBILIZAÇÃO. Outras entidades de classe de âmbito nacional também têm se mobilizado contra o projeto. A ANAMATRA é uma delas. A associação chegou a encaminhar nota técnica contra a proposição quando esta ainda tramitava na Câmara. A entidade também considera que a aprovação da proposta irá prejudicar a relação entre a magistratura e a advocacia.
Ponto ainda criticado pela associação diz respeito à indefinição das hipóteses que poderiam culminar na abertura do processo criminal. "De início já se percebe a imensidão da abrangência do tipo penal, o que geraria intensa insegurança jurídica e a inibição da atuação dos agentes do Estado, ainda que dentro do espaço legal e constitucional de sua atuação", afirmou a entidade, na nota técnica.
Segundo o presidente da ANAMATRA, José Cláudio Montesso, o projeto abre brecha para que qualquer contrariedade seja caracterizada uma infração: desde uma discussão banal sobre o acesso do advogado a uma área onde é realizada a sessão do tribunal até se os magistrados e servidores deixaram de dispensar a esse profissional tratamento cortês.
"O projeto não atende aos interesses da sociedade, além de criar uma tipificação penal extremamente aberta. A interpretação quanto ao que viria a ser a prerrogativa do advogado pode ser a mais ampla possível. Desde ter acesso ao processo até ser recebido pelo juiz. Daí por que a gente entende que esse projeto poderia resultar em conflitos entre os juízes e os advogados", afirmou Montesso.
De acordo com o presidente da ANAMATRA, o projeto estabelece tratamento desigual para as carreiras. "Seria imaginar que uma categoria profissional, mesmo sendo importante e relevante, tem status superior a qualquer outra, a ponto de que a violação de suas prerrogativas seja classificada como um tipo penal. Na magistratura e no Ministério Público, violação da prerrogativa resulta, no máximo, em uma ação de natureza administrativa, que pode ser levada até o CNJ ou ao Conselho Nacional do Ministério Público", disse Montesso.
Outra entidade que promete lutar contra a aprovação da proposição é a Ajufe. "Vemos com preocupação essa proposta. Somos contra porque ela institui um privilégio odioso e inconstitucional, assim como porque criminaliza o ambiente forense. Esse projeto não tem o menor sentido", disse o presidente da associação, Fernando Mattos, que também promete ir ao Supremo caso o projeto venha a ser aprovado. "Acho que a OAB tem assumido uma postura corporativa. Essa não é uma medida adequada para quem busca a celeridade do processo", afirmou ainda. |