03/07/24

Revista Trabalhista: prorrogado o prazo para envio de artigos para a 68ª edição

Novo prazo para envio de sentenças e acórdãos é 05 de agosto de 2024
03/07/24

Corregedor Nacional de Justiça arquiva PP que questionava decisões da Justiça do Trabalho em contratos de franquia

Anamatra solicitou ingresso no feito, como terceira interessada, e teve posicionamento considerado na decisão
02/07/24

Anamatra discute atuação em torno da prevenção e combate à violência doméstica contra magistradas e servidoras

Presidente Luciana Conforti participou de roda de conversa promovida pela Ejud 6 e Esmafe 5, em Pernambuco (PE)
02/07/24

Toma posse a nova Diretoria da Amatra 4 (RS) para o biênio 2024/2026

Associação gaúcha será liderada pelo juiz Tiago Mallmann Sulzbach

Tutela cautelar na ação civil pública

Carolina Lobato Goes de Araújo (*)

A questão do tempo no processo sempre foi fator de grande preocupação entre juristas e aplicadores do direito em geral. Já dizia Carnelutti que "o tempo é um inimigo do direito, contra o qual o juiz deve travar uma guerra sem tréguas." (In LEITE, 2006, p.256)

O fator tempo no processo está intimamente relacionado à efetividade da tutela jurisdicional, que, por sua vez, ganha ênfase na terceira onda renovatória na busca do acesso à justiça, de Mauro Cappelletti, qual seja, a reforma interna processual e a concretização da justiça plena.
Visto sob outro prisma, não é possível falar-se em justiça plena se escapam às mãos dos destinatários da norma instrumentos aptos de proteção ao direito vindicado, cujo reclame é de urgência, sob pena da perda do direito material ameaçado ou lesado se concedido ao final de todo o trâmite processual ordinário.

Nas palavras de Cruz e Tucci "quanto mais distante da ocasião tecnicamente propícia for proferida a sentença, a respectiva eficácia será proporcionalmente mais fraca e ilusória." (In FREIRE PIMENTA, 2004, p.350)

Observam Bielsa e Graña, in verbis:

 

Um julgamento tardio irá perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida em que se postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e, transcorrido o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável, injusta, por maior que seja o mérito científico do conteúdo da decisão [...]

Em suma, o resultado de um processo `não apenas deve outorgar uma satisfação jurídica às partes, como também, para que essa resposta seja a mais plena possível, a decisão final deve ser pronunciada em um lapso de tempo compatível com a natureza do objeto litigioso, visto que - caso contrário  se tornaria utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito. Como já se afirmou, com muita razão, para que a Justiça seja injusta não faz falta que contenha equívoco, basta que não julgue quando deve julgar. (In FREIRE PIMENTA, 2004, p.351)

As opiniões acima registradas revelam em si a angústia dos estudiosos do direito em ultrapassar o problema advindo com a quantidade de ações que assolam os tribunais em geral, ocasionando a demora no trâmite processual e penalizando duplamente a parte que tem razão: penalizada, primeiro, por não ter satisfeito o direito que deveria ser cumprido espontaneamente; e, segundo, por ter que enfrentar o desgaste tanto emocional quanto econômico para demonstrar em juízo a sua razão, após um longo tempo de espera, tempo esse que nem por isso trará a certeza de vitória da demanda.

Nesta seara, a chamada "Reforma Judiciária", implementada com a Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, encampou a mentalidade vanguardista de instrumentalidade do processo e sua efetividade, inserindo o inciso LXXVIII ao art. 5o da Constituição para elevar à garantia fundamental de todos, "no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

É lamentável que certos direitos, não tutelados em tempo hábil, percam sua razão de ser, desaparecendo no tempo e no espaço. Se é assim no processo individual ordinário, o que se dirá no processo relativo a direitos de dimensão coletiva, de alto relevo na sociedade? Para estes, as tutelas de urgência se apresentam como vias processuais próprias a garantir-lhes a existência. E é aí que entra o seu papel na ação civil pública.

A Lei da Ação Civil Pública prevê dois dispositivos sobre tutela cautelar. O primeiro se refere à possibilidade do ajuizamento da ação cautelar propriamente dita nos arts. 4º e 5º. O segundo dispõe sobre a concessão de mandado liminar, "com ou sem justificação prévia", no art. 12.
Reza o art. 12 da Lei 7.347/85: "Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo."

Entendemos que o mandado liminar previsto no artigo em comento possui natureza satisfativa, antecipatória da tutela definitiva.

Quanto à natureza jurídica do ato concessivo da liminar, não há dúvida de que se trata de decisão interlocutória, mesmo porque o próprio dispositivo já prevê como meio recursal o agravo, única via instrumental cível apta a ensejar a recorribilidade neste tipo de decisão.

Transladando a norma em comento para o processo do trabalho, é essencial que se façam as adaptações do processo civil ordinário para o processo trabalhista diferenciado, no qual, contrariamente ao âmbito civil, prevalece o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias. Neste particular, desponta o `PAR` 1º do art. 893 celetista, in verbis: "Os incidentes do processo serão resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recurso da decisão definitiva."

Nesse espectro, a primeira conclusão que se retira é que as matérias oriundas de decisão interlocutória somente serão recorríveis em recurso de decisão definitiva, como o recurso ordinário. A segunda relaciona-se à prerrogativa da parte de poder impetrar mandado de segurança caso sofra violação em seu direito líquido e certo. (In LEITE, 2006, p.256-257)
Quanto ao enquadramento do tipo de tutela prestado na liminar, entendemos tratar-se de liminar do tipo satisfativa, e não cautelar. A diferenciação é de extrema importância, pois enquanto a segunda é dotada de uma "instrumentalidade hipotética" , isto é, assegura-se o resultado útil do processo principal, na primeira há uma verdadeira antecipação provisória do próprio bem da vida vindicado.

Na visão de Bezerra Leite, a liminar possui caráter híbrido, pois, como tutela antecipada que é, encerra um provimento jurisdicional com eficácia mandamental ou executiva lato sensu. Híbrido, explica o autor, porque

 

[...] a liminar é uma providência de cunho emergencial, expedida também (em convergência às medidas cautelares) com o fundamental propósito de salvaguardar a eficácia da futura decisão definitiva, mas possui um caráter executivo lato sensu e mandamental, na medida em que há a entrega, embora precária, do bem da vida vindicado no bojo dos próprios autos do processo a que se refere. (In BEZERRA LEITE, 2006, p.258)

Sobre o tema, observam Nery e Nery que a liminar prevista no art. 12 da Lei 7.347/85 trata de

 

[...] tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a ação de conhecimento. [...] Com a instituição da tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito no direito brasileiro, de forma ampla, não há mais razão para que seja utilizado o expediente das impropriamente denominadas `cautelares satisfativas, que constitui em si uma contradictio in terminis, pois as cautelares não satisfazem: se a medida é satisfativa é porque, ipso facto, não é cautelar. (NERY e NERY in MANCUSO, 2004, p.257)

No que tange ao preenchimento dos requisitos para a concessão da liminar, acordam Celso Antônio Pacheco Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues, Nery e Nery e Bezerra Leite que, no âmbito da ação civil pública, não é necessário para a concessão da liminar o preenchimento de todos os requisitos elencados no art. 273 do CPC, bastando a existência da fumaça do bom direito e do perigo da demora do provimento jurisdicional. Isso porque existe regra expressa na LACP (art. 12) e no CDC (art. 84) no sentido de que apenas supletivamente as normas sobre a liminar serão complementadas pelas normas adjetivas do Código de Processo Civil e, ainda assim, desde que não se apresente em confronto com suas regras específicas. Nesta linha, o preenchimento do inciso II do art. 273 do CPC (abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu) é suficiente para ensejar a concessão da liminar antecipatória do mérito. (NERY e NERY in MANCUSO, 2004, p.261-262)

Em outras palavras, ao juiz é vedado exigir como condição de concessão da tutela: a) requerimento expresso do autor (caput); b) prova inequívoca para convencimento da verossimilhança da alegação do autor (caput); c) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (inciso I); e d) comprovação de que não haja perigo de irreversibilidade do provimento antecipado (`PAR` 2º). (NERY e NERY in MANCUSO, 2004, p.262)

Ainda sobre a concessão da liminar, ensinam Nery e Nery que

 

[...] não há discricionariedade no ato do juiz, que deve ater-se ao comando emergencial da lei. Presentes os pressupostos não pode deixar de conceder a liminar; ausentes, deve denegá-la (Lara, Liminares, passim). A decisão, quer concessiva quer denegatória, tem de ser sempre fundamentada, sob pena de nulidade (CF, 93, IX). (NERY e NERY, 2003, p.1341)

Nos dizeres de Pontes de Miranda, a probabilidade é elemento necessário à concessão da tutela de emergência. O grau do provável é examinado pelo juiz, mas se ele mesmo tem dúvida, deve deferir o pedido de medida cautelar. (MANCUSO, 1998, p.253)

Em sendo o objeto da ação civil pública direitos transcendentes ao indivíduo de relevante conotação e repercussão social, não raro se confundindo com o próprio interesse público, deve a tutela de urgência prevista na Lei 7.347/85 primar pela obtenção da tutela específica, pois, em se tratando de direitos cuja eventual lesão é praticamente de impossível reparação, como o meio ambiente, a saúde e a vida do trabalhador, o ideal é que a atuação jurisdicional incida antes mesmo da ocorrência do evento danoso.

Sobre o tema, reproduz Mancuso as palavras de José Carlos Barbosa Moreira de que

 

[...] é chegada a hora de se outorgar tutela jurisdicional que supra as lacunas de uma visão puramente economicística do intercâmbio humano referindo-se ele expressamente aos "interesses coletivos ou difusos", para concluir: Se a Justiça civil tem aí um papel a desempenhar, ele será necessariamente o de prover no sentido de prevenir ofensas a tais interesses, ou pelo menos de fazê-las cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a repetição; nunca o de simplesmente oferecer aos interessados o pífio consolo de uma indenização que de modo nenhum os compensaria adequadamente do prejuízo acaso sofrido, insuscetível de medir-se com o metro da pecúnia. (In MANCUSO, 2004, p.267-268)

Em razão da relevância dos interesses de dimensão coletiva, observa Bezerra Leite que a liminar prevista na Lei 7.347/85 pode ser concedida de ofício pelo juiz da causa, pois se esta pode ser concedida de ofício na Lei 1.533/51, que regula tanto o mandado de segurança individual quanto o coletivo, com muito mais razão o será na ação civil pública, cujo objeto ultrapassa a barreira do individual para atingir a esfera coletiva de proteção do interesse. (BEZERRA LEITE, 2006, p.263-264)

Diz o `PAR` 1º do art. 12 da LACP:

 

A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.

Sobre a questão, nota-se a restrição da regra para atingir somente as pessoas jurídicas de direito público e o MP, devendo ser deferida a suspensão da liminar somente nos casos em que se demonstre que a concessão da liminar gerará grave lesão aos bens pelos artigos enumerados, destacando caber ao requerente o ônus da prova deste fato. (NERY e NERY, 2003, p.1342)

Por último, complementa o `PAR` 2º do art. 12 da Lei 7.347/85 que a multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

A multa prevista na liminar não se confunde com a multa fixada no art. 11 da LACP. A última é uma astreinte atrelada à sentença e tem por base coagir o réu a cumprir a obrigação específica cominada. A primeira, em sendo somente exigível após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, computa-se desde o desatendimento da liminar, iniciando-se a somatória das multas diárias, cujo montante comporá, ao final, a conta de liquidação. (MANCUSO, 2004, p.276-277)

Questão polêmica e que causa até mesmo certa indignação entre alguns juristas está relacionada a um privilégio estatal inserto no bojo da Medida Provisória 1.570/97, convertida na Lei 9.494, de 10.09.1997.

Impõe a mencionada lei a restrição na concessão de liminares contra atos do Poder Público em procedimentos cautelares e demais ações de natureza cautelar ou preventiva toda vez que providência semelhante não puder ser prestada nos mandados de segurança.

Nery e Nery, enfatizando a duvidável constitucionalidade da medida, comentam que a lei não pode impor vedações ou restrições ao mandado de segurança, cujos limites decorrem exclusivamente da Constituição, acrescentando ser ela ineficaz e inócua, porquanto se a situação de fato reclamar urgência na prestação jurisdicional, o juiz tem de conceder a liminar, sob pena de ferir de morte o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5o, inciso XXXV, CF). (NERY e NERY, 2003, p.1341)

Ademais, não se justifica o tratamento processual mais benéfico conferido à Fazenda Pública em casos que tais, preferindo o interesse da Administração à iminência de lesão aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, em verdadeira afronta ao "princípio da igualdade entre as partes (CPC, art. 125, I), corolário da garantia constitucional da isonomia (CF, art. 5o, caput)". (MANCUSO, 2004, p.259)

Dispõe ainda o art. 2o da Lei 9.494/97 que no mandado de segurança coletivo e na ação civil pública a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas.
Sobre o assunto, nota-se que se a espera de 72 horas para a oitiva do representante do ente público se fizer à custa de ameaça ou iminência de perecimento do direito, deverá o juiz conceder a liminar inaudita altera parte. (NERY e NERY, 2003, p.1341) E isso se dá em razão do simples e notório fato de que, como ressaltou Lúcia Valle Figueiredo:

 

[...] a irreparabilidade do dano na ação civil pública é manifesta, na hipótese de procedência da ação. A volta ao statu quo ante é praticamente impossível e o fluid recovery não será suficiente a elidir o dano. Mister também salientar que os valores envolvidos na ação civil pública têm abrigo constitucional. A lesão a ditos valores será sempre irreparável (danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valores histórico, turístico e paisagítico). (MANCUSO, 2004, p.258-259)

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(*) Mestre em Direito do Trabalho pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG e analista judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região

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Dr. Marco Aurélio Marsiglia Treviso
Diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra