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As ruas e as salas de audiência

Mônica Sette Lopes (*)

Um aluno enviou-me uma pergunta e uma frustração. Iniciando a carreira de juiz do trabalho, pergunta como diminuir a animosidade e controlar reações (as suas, as das partes e as dos advogados) nas audiências. Respondi que, após dezessete anos de carreira, me sentia, muitas vezes, angustiada com o resultado de uma audiência e com a sensação de que poderia ter feito melhor. Prometi-lhe dicas. Este é o objetivo deste artigo.

O processo do trabalho é caracterizado pela oralidade. A sua destinação, hoje tendência do processo geral, é de que as questões sejam postas na audiência, sejam ali debatidas e que, preferencialmente, haja uma composição de interesses e de diferenças pelo acordo. Isto que, do ponto de vista abstrato, é de uma clareza solar, constitui um processo de grande complexidade porque deve ser desenvolvido em todas as audiências do dia (entre dez e dezoito) e em todos os dias da semana. Cada vez que o microfone soa e a porta se abre é um mundo novo que avança para a percepção dos sentidos. Não há uma única regra que possa conter essa variedade e ela entorna sobre a mesa uma outra face da realidade do direito: a versão com que cada um dos que ali ingressam o entende ou quer que ele seja entendido.

Uma mesma explicação pode gerar a completa assimilação dos riscos reais do caso ou uma agressividade virulenta que o juiz tem que conter e muitas vezes não consegue. Nem sempre o ouvido do intérprete se abre para os entraves de cada situação. E o alerta não é decodificado. E o problema fica mais grave porque ganha um novo complicador que decorre do processo que existe para solucioná-lo.

A sala de audiências é a porta através da qual o direito encontra a rua. É ela, que enfrenta a longa fila, pega o elevador, aguarda na ante-sala e atende ao chamado do microfone. É a rua descrita por João do Rio: "Nas grandes cidades a rua passa a criar o seu tipo, a plasmar o moral dos habitantes, a inocular-lhes misteriosamente gostos, costumes, hábitos, modos, opiniões políticas" (RIO, João do. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 66).

E a rua deve ser recebida como uma visita de cerimônia, destas que se trata polidamente, mas com as quais não se tem (nem se pode ter) intimidade. É preciso paciência para ouvi-las, cuidado para acolhê-las, bom humor para tentar amenizar o desconforto de estar ali. Mas o tempo é curto, os processos são muitos e nem sempre é possível tratar cada situação peculiarmente como que ela merece. A acomodação do conflito pela oralidade exige um debate longo para que as diferenças possam se assentar. A isto soma-se o fato de que nem sempre as partes estão dispostas a desvendar todos os minúsculos elementos de sua história comum. Há ódios recíprocos que vão normalmente além da linha biunívoca do crédito e do débito que se coloca como objeto dos pedidos. Para resolver o problema estritamente jurídico, com freqüência, é preciso ultrapassar, candidamente, fatores exorbitantes como a mágoa de uma palavra ríspida, que jamais será esquecida (para resumir, basta se pense numa sala de audiências das varas de família e se considere a simplicidade estrutural das regras básicas de direito de família).

A experiência dos vários juízes e advogados mostra que, nem sempre, é a natureza questão que torna uma audiência difícil. É um acaso, um descuido, um diminutivo que um advogado paulista toma por ofensivo e não por um mero vezo da fala mineira e sobe nas tamancas. Outras vezes é a testemunha cuja mentira se detecta sem que se ache o caminho para lavrar esta percepção formalmente na ata, de modo a que possa ser apreciada no futuro.

Não há, portanto, um formulário de condutas a ser transmitido com um receituário.

Nos últimos tempos, procuro adotar, com algum sucesso, mas não com sucesso total, a postura da fala franca e, sempre que possível, mansa. Tento exercitar uma paciência pedagógica: aquela que é usada nas salas de aula para ensinar a pensar e a ter dúvidas. Isto naturalmente implica mostrar o que não sei ? principalmente a incerteza quanto à melhor solução onde o quadro de fato não é exato. Admitir a dúvida é, naturalmente, enfatizar que o juiz não tem o dom da onipresença e da onisciência e que a construção do direito é um processo participativo e contínuo que envolve a intervenção corriqueira de todos. Pode ser que os anos de casa tragam uma facilidade de interlocução que os mais novos não têm e aí reside um outro fator a ser construído: é preciso a consciência de que o direito se faz por várias mãos e que ele tem a humanidade que nos caracteriza a todos. Se ninguém nasce sabendo, é preciso que todos contribuam para o amadurecimento dos que iniciam a caminhada principalmente quando são partícipes do processo ? e aqui me refiro a advogados e a juízes em especial.

A sala de audiências não é lugar para grito, movimentos bruscos, atos de bravata ou para que as partes e seus advogados se fustiguem com seu medo e sua raiva. Ele deveria ser um lugar de um recolhimento quase sagrado, um lugar para analisar cada pequeno ângulo da questão, para enfrentar com a mais candente ousadia as fraquezas do direito e as dificuldades para a implantação de uma Justiça rápida. Um lugar cheio de porquês falados de olhos francos e recebidos com calma no diálogo absoluto que torna o ser humano mais humano.

Nada disto é fácil e a tensão do juiz, dos advogados e das partes volta a cada abertura da porta quando microfone proclama o nome do próximo conflito e ele entra, se assenta, fala ou fica mudo deglutindo seu rancor.

A única dica para o aluno querido que se encontra para lá de todas as montanhas é que ele tente perceber o gosto e a beleza que há na humanidade inteira que se reúne à volta da mesa e no mistério da rua que invade cada juiz com seus gostos, costumes, hábitos, modos, opiniões políticas. E que o faça silenciosamente, como quem observa a paisagem da janela que descerra o mundo da vida.

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(*) Juíza da 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Professora dos cursos de graduação e de pós-graduação da Faculdade de Direito da UFMG, Doutora em Filosofia do Direito pela FDUFMG

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Diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra