Presidente Luciana Conforti destacou a importância da perspectiva interseccional de gênero, com ênfase no aspecto racial
“É importante reconhecer o racismo como um dos fatores que agravam a condição das mulheres negras para o efetivo combate ao assédio moral e sexual no ambiente de trabalho”. A fala é da presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Conforti, que participou, nesta segunda (25/3), da audiência pública ‘Atuação judicial em audiências sobre assédio moral e sexual’ promovida pelo Programa de Equidade de Raça, Gênero e Diversidade; pelo Comitê de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação no âmbito do TST e do CSJT; pela Ouvidoria do TST; e pelo grupo de trabalho instituído para construção do Protocolo para Atuação com Perspectiva Antidiscriminatória e Inclusiva no âmbito da Justiça do Trabalho.
O evento foi conduzido pela ministra Kátia Arruda, que coordena o Programa de Equidade de Raça, Gênero e Diversidade. Ela destacou a importância da audiência. 'É uma oportunidade de ouvir as pessoas e debater sobre temas tão relevantes e, sobretudo, de nos unirmos em torno de causas e em torno da solidariedade, que deve nortear todos os temas que envolvem os direitos sociais e humanos", afirmou.
A ministra Delaíde Arantes, que está à frente do Comitê de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação, também participou e, em sua fala, apontou a importância do acolhimento e escuta das vítimas de assédio moral e sexual durante o processo judicial. ‘A adequação do sistema de Justiça para o atendimento dessa importante demanda é um relevante passo para a concretização da dignidade da pessoa humana assegurada na Constituição Federal de 1988 e em normas e tratados internacionais’, alertou a jurista.
Número elevado de ações na JT
A presidente da Anamatra apresentou dados divulgados pelo TST em 2023, os quais demonstram que a Justiça do Trabalho recebe, em média, 6,4 mil ações relacionadas ao assédio moral no trabalho por mês. Só no ano de 2022 foram ajuizadas 77,5 mil ações trabalhistas com essa temática em todo o país. A maior parte dos processos foram ajuizados no Tribunal Regional da 2ª Região (SP). Já os casos de assédio sexual representaram aproximadamente 4,5 mil processos ao ano, o que dá uma média de 378 ações trabalhistas por mês. No entendimento da magistrada, esses números elevados tem ligação direta com a melhoria dos canais de denúncia nos locais de trabalho e com o avanço dos meios comunicação.
Perspectiva de gênero e raça
Ela também destacou pesquisa realizada pela iniciativa privada que revelou que 47,12% das participantes relataram ter sofrido assédio sexual, com predominância entre as mulheres negras (52%). Conforti ressaltou a importância de uma abordagem interseccional para melhor compreensão dos casos, considerando a sobreposição de mulheres negras em situações de desemprego, subutilização e informalidade.
De acordo com a magistrada, é preciso combater a hiperssexualização e a ‘coisificação’ do corpo feminino. ‘Essas condutas ainda fazem parte do imaginário da cultura nacional, ainda mais as mulheres negras, já que o corpo negro foi desumanizado e visto como reprodutor e objeto sexual. É a herança do período escravocrata ainda presente, destacando-se nesse contexto o trabalho doméstico, inclusive infantil’.
Nesse cenário, aponta a presidente, ‘nas audiências, é importante reconhecer o racismo como um dos fatores que agravam a condição das mulheres negras para o efetivo combate ao assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. E também devemos, na condução dos processos, adotar uma postura antirracista, antissexista e corretiva dessas desigualdades sociais, desde a triagem dos processos, passando por todo o transcurso do feito, determinando-se a juntada de documentos e a produção das demais provas, até o julgamento com base no protocolo de julgamento com perspectiva de gênero.
Lei Mariana Ferrer
Luciana Conforti também ressaltou a importância de considerar a Lei 14.245/2021, conhecida como "Lei Mariana Ferrer", nas audiências, visando a coibir atos que atentem contra o decoro da vítima e testemunhas, especialmente nos casos de crimes contra a dignidade sexual, para garantir a integridade física e psicológica dessas pessoas. Além disso, alertou para o papel das empresas na luta contra o assédio, o que deve ser avaliado durante as audiências. “As empresas devem adotar política clara de ‘tolerância zero’ quanto a tais condutas no âmbito das organizações, como mecanismos de denúncia anônima, meios adequados de apuração, além da proteção e do acolhimento, com equipe multidisciplinar da vítima”, apontou Conforti.
Diversas outras especialistas e representantes da sociedade civil apresentaram suas análises e sugestões sobre o tema, com o objetivo de colaborar com a construção do Protocolo para Atuação com Perspectiva Antidiscriminatória e Inclusiva do Judiciário Trabalhista.
Confira a audiência na íntegra: