Juíza Noemia Porto critica flexibilização das regras trabalhistas como solução para a preservação de empregos na pandemia
A luta histórica por melhores condições de trabalho, que marcou todo o século XIX e se plasmou em uma série de protestos e greves nos Estados Unidos, deu origem ao 1º de maio, o “Dia do Trabalhador”, comemorado em praticamente todos os países ocidentais. A data foi formalmente instituída pela Internacional Operária, em 1889, para homenagear os trabalhadores mortos na Revolta de Haymarket.
Mais de cem anos depois, o Brasil se vê em meio à extensa mudança de sua legislação trabalhista no cenário da crise sanitária, social e política que é a pandemia do novo coronavírus (Covid-19). “Com mais de um ano imersos na pandemia e todos os seus reflexos na vida de trabalhadoras e trabalhadoras, a data nos leva à reflexão sobre a importância do trabalho decente e da imprescindibilidade dos que atuam nesse sentido, como a Justiça do Trabalho”.
Dados do IBGE revelam quase 14,3 milhões de pessoas desempregadas, o maior contingente desde 2012, início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). O estudo aponta o aumento do número de empregados sem carteira assinada no setor privado e a redução do número de empregadores. A queda é de 1,1% na população fora da força de trabalho. Dados do Dieese (Emprego em Pauta) sinalizam que o quadro revelado pelo IBGE se agrava entre a população de mais baixa renda, entre os quais aqueles e aquelas que recebem até um salário-mínimo mensal, trabalhadoras e trabalhadores domésticas, menos escolarizados, negros e mulheres.
As análises do IBGE e do Dieese demonstram como a pandemia tem agravado a relativização de direitos sociais, especialmente após a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), em colisão com o texto constitucional e com as convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, alerta a presidente. “Ao contrário do incremento das normas de proteção jurídica em favor de um ambiente de trabalho sustentável, nos vemos imersos em iniciativas que, sob a alegação de preservação de empregos, precarizam as regras trabalhistas com reflexos diretos na dignidade do trabalhador e da trabalhadora”.
Entre as iniciativas recentes nesse sentido, a presidente menciona a Medida Provisória nº 1.046/2021, que flexibiliza regras sobre teletrabalho, férias individuais e coletivas, banco de horas e recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A MP também autoriza a suspensão de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares e estabelece que, como regra geral, o home office não implica em controle de jornada. “Essa e outras novas Medidas Provisórias repetem, em parte, o modelo adotado pelas MPs de 2020 e sem que, até agora, tenham dado resultados positivos no sentido da efetiva proteção do emprego e das pessoas”, compara a presidente.
Para Noemia Porto, as MPs desconsideram o preocupante cenário de adoecimento no trabalho, a legislação brasileira e orientações internacionais sobre a correta resposta a crises nacionais para a continuidade dos negócios das empresas. A magistrada cita como exemplo o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado nesta semana por ocasião do Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho (28 de abril), “Antecipar, preparar e responder a crises: investir agora em sistemas de SST resilientes”.
O documento da OIT examina a prevenção e a gestão de riscos relacionados à pandemia da Covid-19 e aponta que as respostas que têm sido dadas pelos países tiveram como resultado, entre outros, elevados níveis de desemprego e precarização. Além do risco de infeção pelo novo coronavírus, os trabalhadores e trabalhadoras de todos os setores enfrentam outros perigos como o aumento dos níveis de stress e da violência e assédio relacionados com o trabalho, analisa a Organização.
Para a OIT, as normas internacionais contêm orientações específicas para assegurar um trabalho digno e a proteção dos trabalhadores e trabalhadoras no contexto da resposta a crises, a exemplo das Convenções 155 (segurança e saúde), 161 (serviços de saúde), 187 (quatro promocional de segurança e saúde no trabalho) e da recomendação 205 (emprego e trabalho digno).
Nesse cenário, na avaliação da presidente da Anamatra, o 1º de maio deve permitir uma memória de luta e de reflexão sobre a importância do respeito aos direitos sociais e aos valores fundamentais do trabalho. “A Anamatra, a Justiça do Trabalho e todos os seus magistrados e magistradas seguem atuantes e vigilantes na defesa da centralidade e fundamentalidade do Estado Democrático de Direito e no reconhecimento da importância da justiça social, da dignidade da pessoa trabalhadora e de um ambiente de trabalho seguro e saudável para todos e todas”.