Juíza Noemia Porto participa de evento promovido pela Ejud 4, para discutir novas relações de trabalho pós-covid19
“Há persistência de desigualdade jurídica no mercado de trabalho, diante da incapacidade de se generalizar direitos de cidadania”. A afirmação é da presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, que participou, nesta quinta (18/3), de evento dedicado ao debate da nova realidade do mundo do trabalho na pandemia do novo coronavírus (Covid-19), promovido pela Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) e outras instituições.
No início de sua exposição, ao falar do agravamento do quadro de desigualdade e pobreza no Brasil pela pandemia do coronavírus, a magistrada defendeu que, na perspectiva do Estado Democrático de Direito, é importante conceber a necessidade de remoção das desigualdades que possam ser consideradas ilegítimas, como é o caso da desigualdade jurídica.
“A desestruturação do mercado de trabalho; tratar os direitos trabalhistas como direitos de bagatela; assumir o discurso de que qualquer ocupação deve valer como opção para o desemprego; a contradição semântica e prática entre modernizar e retirar proteção, desburocratizar e abandonar são discursos e defesas assumidas por autoridades públicas, dos três Poderes da República, que apenas contribuem para o agravamento do quadro de desalento que assola o país”, alertou a juíza.
Em mercado de trabalho marcado pelos altos índices de informalidade, a presidente da Anamatra esclareceu que, em que pese as normas de proteção trabalhista no Brasil continuarem tendo como ícone a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a identificação entre trabalho e emprego não compõe a percepção que os próprios trabalhadores constroem sobre estarem ou não ocupados.
“Trabalho é toda a atividade que importa em ganho que é essencial para quem sobrevive a partir dos frutos gerados pelas atividades que desenvolve. Além disso, trabalho também é toda atividade geradora de ganho ou não que implique em satisfação por parte daquele que o realiza. A despeito dessa concepção mais ampla, considerando as linhas mais estreitas traçadas pela legislação trabalhista de proteção, a que tem sido praticada é muito mais excludente do que includente, o que contribui para o diagnóstico mais geral da desigualdade que se intensifica na sociedade brasileira”, alertou a magistrada que, em sua fala fez, referência a autores como Márcio Túlio Viana e Luís Roberto Cardoso de Oliveira.
Para a presidente da Anamatra a proteção do trabalho, para além do emprego, deve ser alinhar-se à perspectiva do trabalho decente, conforme vem construindo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), observando os primados da saúde e da segurança e a essencialidade de um meio ambiente laboral equilibrado. “Além da dignidade, da liberdade, da igualdade e da saúde e da segurança, podem ser considerados requisitos para a construção de uma agenda do trabalho decente, a remuneração justa, a inserção do trabalhador numa atividade lícita, além da equidade, do lazer e da aposentadoria digna”.
A responsabilidade na definição e aplicação de patamares de proteção jurídica centrados na pessoa humana é papel de todos os Poderes da República, defende a presidente. Nessa linha, para a magistrada, é importante refletir sobre a extensão da cidadania ocorrendo na dependência da regulamentação de novas profissões ou da inserção de novas formas contratuais de trabalho, para além da concepção de emprego. “A expansão dos direitos, até o presente momento, não possui a medida da expansão dos valores inerentes ao conceito de membro da comunidade. Relaciona-se, estreita e estritamente, cidadania e profissão ou ocupação, sendo importante, para o exercício dos direitos, situar o citadino no processo produtivo, conforme reconhecimento legal, ou como um auxiliar do Estado. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece”, finalizou.