Juíza Patrícia Ramos participa do Seminário Nacional de Juízes, Procuradores, Promotores e Advogados Eleitorais, promovido pelo MCCE
A participação da mulher negra e do homem negro no processo eleitoral e no processo legislativo. Esse foi o mote da intervenção da juíza Patrícia Ramos, secretária-geral da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), nesta quarta (22/7), na 6ª edição do Seminário Nacional de Juízes, Procuradores, Promotores e Advogados Eleitorais (SENAJE). O evento, realizado de forma virtual, foi promovido pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
A magistrada, que integrou mesa com o tema “Transparência, financiamento, inclusão das minorias e prestação de contas”, lembrou que, em 2013, a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Resolução nº 68/273, proclamou a Década Internacional Afrodescendente, com o tema “Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento”. “Nesse contexto, a pretensão internacional é a promoção do respeito; a proteção e garantia a todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, como estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos; e o pleno aproveitamento dos direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos dos afrodescendentes, bem como sua participação igualitária em todos os aspectos da sociedade”, apontou.
Mas, segundo Patrícia Ramos, estatísticas oficiais IBGE revelam que a população afrodescendente no Brasil (55,9%) ainda é oprimida e discriminada. “Em todos os segmentos da sociedade a população negra aparece em desvantagem e de forma precarizada, por exemplo, em condições de moradia e de distribuição de renda". As taxas de homicídio também atingem de forma diferenciada essa população: 98,5 mil entre 100 mil jovens de 15 a 29 anos. “É um dado gritante, mas banalizado. A população não se escandaliza tanto quanto deveria”, criticou.
“A ideia que nós temos é a de que a precarização e a subconsideração são destinadas à população negra de um modo geral, atingido a esfera da representação política”, observou a dirigente. Nas eleições municipais de 2016, por exemplo, 51,45% dos candidatos eram brancos, 39,12% pardos e 8,64% pretos. Nas chefias do executivo municipal, em um universo de 5.568 municípios, 45% dos candidatos eram brancos, sendo eleitos apenas 29% negros. Nas eleições de 2018, a realidade não foi diferente, 75,6% dos deputados federais eleitos eram brancos.
“Por que a maioria da população é considerada como uma minoria em relação à ascensão e às benesses e estruturas da sociedade? E por que, no âmbito legislativo, já essa defasagem?”, indagou a juíza. Segundo Patrícia Ramos, isso se explica pelo fato de a sociedade brasileira ter, em suas entranhas, um racimo estrutural. “O racismo estrutural se movimenta e se concretiza de forma cíclica através de atos ou omissões, de forma permanente”, observou.
Esse racismo estrutural, segundo a magistrada, traz consequências para a (des)educação política. “A partir do momento que o ser humano não tem perspectivas para frente, ele mesmo se coloca na porta dos fundos e não almeja um futuro melhor”. De acordo com Patrícia Ramos, esse cenário tem reflexos no sufrágio universal e na partipação da população afrodescendente na vida política. “Essa população, em sua maioria, não tem discernimento a respeito da representatividade e acaba votando, por exemplo, em troca de algo”. Os candidatos negros também encontram dificuldade para ingressarem na vida política, com pouca disponibilidade para fazer campanhas, além de esbarrarem na questão da distribuição do financiamento, que é desigual nessa população”.
A dirigente observou que, a partir de 2015, houve uma mudança em relação ao tema financiamento partidário, inclusive com reflexos na questão de gênero. Tal fato explica-se pelas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que vedaram o financiamento de campanhas por parte de pessoas jurídicas e que equipararam o percentual de candidaturas femininas ao mínimo de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, bem como do tempo de rádio e TV, respeitando-se em todo caso, o mínimo legal de 30%. Ainda assim, explicou, houve incongruências no resultado, tanto no que se refere aos montantes distribuídos, bem como às doações de pessoas físicas a candidatos.
Ramos também mencionou consulta feita por uma deputada federal ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que questionou, entre outros quesitos, se uma parcela dos incentivos à candidatura de mulheres que estão previstos na legislação brasileira poderia ser aplicada especificamente para candidatos da raça negra. O relator da consulta, ministro Luís Barroso, acabou por reconhecer que o Poder Judiciário não pode ser o protagonista na fixação de cotas, mas pode e deve nivelar desigualdades. “A igualdade efetiva requer igualdade perante a lei, redistribuição e reconhecimento. Quando a representação política é excludente, afeta-se a capacidade de as decisões e políticas públicas refletirem as vontades e as necessidades das minorias subrepresentadas”, apontou Barroso.
Ao final de sua exposição, Patrícia Ramos defendeu a necessidade de uma conscientização global sobre o tema da representatividade, de pressão da sociedade para mudar esse cenário, da reforma política, da quebra de paradigmas, da educação e da efetividade na representação.
A magistrada finalizou sua intervenção com uma citação do pesquisador da USP Osmar Teixeira Gaspar: “não queremos que a população negra simplesmente possa competir para um cargo legislativo. Queremos que ela possa efetivamente exercer o poder de influenciar nas decisões dentro desses colegiados e em todas as instâncias do poder, porque não é somente no Legislativo que os negros são preteridos em função das classes dominantes, mas também no Judiciário e no Executivo. É preciso mudar essa cultura de cima para baixo”.