“O trabalho é cada vez mais a causa do sofrimento patogênico”

Professora francesa Beatrice Edrei fala sobre psicodinâmica do trabalho aplicada a magistrados

 

A conferência de abertura da programação científica do 19º Conamat abordou a centralidade do trabalho no âmbito do Poder Judiciário, na manhã desta quinta-feira (3/5), em Belo Horizonte (MG). A professora francesa Beatrice Edrei compartilhou os resultados de estudos nas áreas da psicodinâmica e psicopatia do trabalho aplicadas ao Judiciário francês.

Os trabalhos foram presididos pelo juiz Leonardo Vieira Wandelli (Amatra9). “Começar o Conamat com esta conferência sobre pesquisas que dizem respeito à realidade vivenciada pela magistratura francesa e que trazem reflexões a nossa realidade é extremante oportuno em um momento extremamente relevante e sensível para a Magistratura brasileira”, disse o magistrado. 

Psicóloga, com atuação em saúde mental no ambiente laboral, Beatrice relatou as implicações da centralidade do trabalho como causa de patologias laborais. “O trabalho é cada vez mais a causa do sofrimento patogênico, enquanto, em teoria, ele deve ser um construtor da saúde”, disse ao relatar a experiência com uma magistrada francesa. 

“Ela se interessou pelo tema do abandono do colegiado e o sofrimento da prática judiciária de segunda instancia. No plano clínico, descreveu uma máquina judiciária na qual predominam a tensão com os ritos, a preocupação da hierarquia somente com a estatísticas e o cinismo diante do trabalho rápido mesmo sem qualidade”, explicou a pesquisadora. 

Segundo Beatrice, esse fenômeno decorre essencialmente do interesse da administração pública cada vez mais voltada ao desempenho de estatísticas, o que impende o tempo necessário de pensamento coletivo. “Não é seguro, no entanto, afirmar que o fluxo do trabalho explica sozinho a experiência da solidão e sofrimento. Há práticas veladas impostas à profissão que causam sofrimento muito além da carga de trabalho”, analisou. 

A professora falou das alterações no ordenamento jurídico francês, que nos últimos 20 anos reduziu consideravelmente a formação colegiada. “Atualmente, contenciosos são julgados por um único juiz. Por outro lado, quando o jurisdicionado decide recorrer tem, em princípio, a garantia legal de ver seu caso analisado por um colegiado. No entanto, não é raro que os magistrados que não redigiram o acordão não tenham qualquer conhecimento do caso”, revelou Beatrice. 

Para a pesquisadora, essa prática é vista como um arranjo que se impôs sozinho ao processo judicial para gerir o grande fluxo de ações, tornando-se algo pouco questionado, porém com sérias consequências. “No plano da qualidade real do trabalho, o jurisdicionado não tem sua lide resolvida por três juízes, e sim somente por um deles. Essa ‘artimanha’ faz com um magistrado deixe seu nome em uma decisão com a qual ele poderia nem concordar, sem qualquer conhecimento”, enfatizou. 

Nesse sentido, a pesquisadora alertou que esse tipo de prática pode gerar a longo prazo um efeito paradoxal e a sensação de traição de si mesmo. “Entendemos por ‘artimanha’ uma inovação ao que já está estabilizado, uma conduta sem a intenção de prejudicar e que é validada como nobre na busca de um objetivo. Porém, nesse caso, o encobrimento do deliberado pelos juízes pode causar embaraço em detrimento do sofrimento pela carga de trabalho”, sublinhou Beatrice.

De acordo com a conferencista, a magistrada francesa constatou, ao final do estudo, que ganhar tempo trabalhando de forma mais simples do ponto de vista da ética do ofício implica em menor consciência e satisfação profissional. “O paradoxo para os juízes é a autonomia. A consciência moral está sempre no cerne do seu compromisso profissional. Agir contra o seu melhor juízo é desafiar a concepção do trabalho, o que nos permite explicar o aumento dos sofrimentos psíquicos no mundo da justiça”, ressaltou a pesquisadora. 

Beatrice acredita que a experiência do trabalho é afetiva e o juiz não analisa só intelectualmente um processo, ele alcança elementos subjetivos que o guiarão na análise de uma situação e posterior decisão. “A solução então é enxergar no seu sofrimento o ponto de partida para encontrar a saída, cujo destino não é mais se reprimir”, ponderou a professora

A pesquisadora concluiu sua exposição sugerindo a emancipação da tendência massiva de organizar a atividade jurisdicional a partir de modelos oriundos da gestão industrial. Alertou, ainda, que a cooperação vertical, horizontal e transversa deve ser o cerne da prevenção de doenças dos profissionais que atuam no Poder Judiciário. “Assumir o risco de se comprometer, de ser capaz de debater serenamente e ajustar as normas é uma atitude que deve ser ratificada por políticas públicas”, finalizou.

Conamat - O Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat) acontece bianualmente e conta com participação de magistrados de todo o país. Em sua 19ª Edição, o evento, que acontece de 2 a 5 de maio, em Belo Horizonte, conta com a parceria da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 3ª Região (Amatra 3/MG) e reunirá cerca de 600 pessoas entre ministros, juízes, desembargadores, advogados, procuradores, estudantes de Direito e entidades da sociedade civil de todo o país para debater tema “Horizontes para a Magistratura: Justiça, Trabalho e Previdência”.

As palestras estão sendo transmitidas ao vivo e ficarão disponíveis no canal TV Anamatra no Youtube. Inscreva-se e acompanhe: www.youtube.com/tvanamatra

 
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Confira o site do evento: www.anamatra.org.br/conamat

 

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