Vice-presidente da Anamatra participa de debate sobre a Lei 13.467/2017, na OAB- DF
“Estamos numa etapa de recomeços. Teremos pelo menos mais 20 anos de reinterpretação, repactuação constitucional e recolocação das instituições diante dos impactos da Lei 13.467/2017”. Com essas palavras, a vice-presidente da Anamatra, Noemia Porto, iniciou a sua participação na noite dessa segunda (18/9) no debate sobre a reforma trabalhista e os impactos no movimento sindical, promovido pela OAB-DF.
Noemia Porto falou do início do movimento sindical, no século passado, período no qual, na visão da magistrada, a organização dos trabalhadores era mais “pulsante”, impulsionada pelas reivindicações de direitos, sendo importantes movimentos tais como o da primeira greve geral, em 1917, que completa cem anos. Já por volta de 1930, lembrou a vice-presidente, a etapa é diferente, dando-se início ao período de intervenção estatal, que culmina com as diversas regras dispostas na CLT, de 1943, cujas normas tinham como enfoque o trabalhador urbano (em menor número) e excluindo os rurais e os domésticos. Esse sindicalismo com intervenção, seguiu até o período da ditadura militar, com alguns avanços, mas muitos paradoxos. Em 1968, com as greves de Contagem e Osasco notam-se grandes movimentos de greve na época da ditadura. Quase uma década depois, surge o chamado “novo sindicalismo” que lutava pelo fim da ditadura e pela afirmação da cidadania. O sindicato se torna novamente movimento. “Nota-se que as greves são importantes marcas de luta”, explica a juíza.
A reabertura da democracia brasileira na década de 80, a promulgação da Constituição de 1988 e a lei de greve de 1989, até o início dos anos 2.000, revelam uma outra etapa, também contraditória. A afirmação da greve como direito fundamental da classe trabalhadora, mas sua rápida regulamentação e restrição numa lei de 1989, o avanço do sistema toyotista, a urbanização dos trabalhadores e a proliferação de muitas entidades sindicais, sem a predominância de uma efetiva liberdade sindical, marcarão as dificuldades de identificação de uma pauta e de uma luta comum. “A própria ideia da classe trabalhadora se perde”, disse Noemia, fazendo um paralelo com a atualidade, na qual muitos trabalhadores deixam de usar a denominação de trabalhador, passam a ser “colaboradores”. “Ele passa a se imaginar um microempreendedor e o Direito do Trabalho parece não acompanhar essa realidade de acelerada desafiliação social”.
“Chegamos à atualidade, com a lei 13.467/2017, que chega num momento em que é visível o cenário de crise sindical e de desunião entre os representantes dos trabalhadores. Isso não podemos esconder”, alertou Noemia Porto. Segundo a juíza, com a atual alteração da lei trabalhista, o modelo sindical ficará como o “mais exótico do planeta, para dizer o mínimo”, com redução na base territorial, que é incompatível com a ideia de liberdade sindical, mas numa etapa de retirada da contribuição que até então era obrigatória. “É necessária uma reflexão crítica sobre a perda de oportunidade do sindicalismo, isso tanto na Constituinte de 88, quanto nos anos posteriores, de se reinventar no novo cenário pós-fordista, de trabalhadores integrados, semi-integrados e nunca integrados”. A crise sindical é anterior ao advento da nova lei e deve desafiar as entidades a repensar os seus rumos, concluiu.
Na avaliação da vice-presidente, a exemplo do que aconteceu no passado, o sindicalismo vive uma crise de legitimidade e de representatividade, de linguagem, de práticas e de articulação. “O sindicalismo se manteve institucionalizado, mas não em movimento. Ele se torna desimportante quando se revela apenas como mais uma instituição”. Nesse cenário, na avaliação da magistrada, a Lei 13.467/2017 exige, pela desagregação que aprofunda no seio social, que o movimento sindical “seja isso: movimento”.
Ainda segundo Noemia Porto, a modificação legislativa altera questões substanciais de forma absolutamente paradoxal. Isso porque retira a contribuição sindical sem nenhum debate sistêmico e profundo sobre o sindicalismo, mas, ao mesmo tempo, confere às entidades uma responsabilidade imensa pela negociação de direitos que constituem o eixo da histórica luta dos trabalhadores por melhores condições de vida e de trabalho, como acontece com os temas da remuneração e da jornada.
Mais grave ainda, na avaliação da magistrada, é a possibilidade que a Lei 13.467/2017 abre para a negociação direta entre empregados e empregadores em um cenário em que estão estimulados contratos precários e o processo de desafiliação dos sindicatos que se encontra em curso desde a década de 1970, quando houve o primeiro precedente que deu origem à Súmula 331 do TST (terceirização). “Não basta agora que o trabalhador seja apenas trabalhador, ele tem de ser um expoente da empresa. O trabalhador tem que se manter empregável, mas não empregado. A nova lei cria a ilusão de que ele é a empresa, uma espécie de ontologia que conduz a patamares de autoexploração e longe da base dos sindicatos”.
Noemia Porto afirmou que é necessário que todos se coloquem no contexto da gravidade do nosso tempo. “Preocupa-me imaginar, neste cenário, que toda a responsabilidade e o futuro do mundo do trabalho, como tenho observado em diversas reuniões e eventos, se coloque como um desafio apenas para os magistrados e suas decisões, como se a caneta da Magistratura é que pudesse resolver o futuro, ou a falta dele, que se abriu para a sociedade”. Nesse ponto, a vice-presidente da Anamatra defendeu a importância da luta por um Judiciário independente, forte e compromissado com a Constituição, contudo, sem que seja imaginado como única ou principal “solução para todos os problemas da sociedade”.
Segundo a dirigente, os sindicatos precisam refazer os próprios caminhos e se reencontrar do lugar de onde jamais deveriam ter saído, que é o da representação legítima dos trabalhadores. Na avaliação da vice-presidente da Anamatra, para o futuro do movimento sindical, é necessário resgatar o sentido de classe nos trabalhadores, integrar os diferentes afiliados (empregados diretos, temporários, não empregados, etc), avançar para a ideia de contratos coletivos (pactos negociados progressivos de melhoria da condição social dos trabalhadores), e integrar mulheres e jovens à lista sindical e na representação política.
Para Noemia Porto, os sindicatos precisam, respeitando as diferenças, reunir as pautas díspares das incontáveis representações de trabalhadores, inclusive em conjunto com outros movimentos sociais que lutam pela afirmação da cidadania. “Não devemos olhar para a Lei 13.467/2017 como de início da crise dos sindicatos. Essa crise é anterior. A partir de agora, ou nos reiventamos todos, ou não haverá futuro para o Direito do Trabalho no Brasil”, finalizou.
Participantes – Também participaram da mesa de debates o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Lelio Bentes, o presidente da OAB/DF, Juliano Costa Couto; a conselheira e presidente da Comissão Sindical de Direito Sindical e Associativo, Denise Rodrigues Pinheiro; o diretor tesoureiro da OAB/DF, Antonio Alves; o advogado e membro honorário vitalício do Conselho Federal da OAB, Cezar Britto; o conselheiro federal e presidente da Comissão Especial de Direito Sindical do Conselho Federal da OAB, Bruno Reis; a conselheira e vice-presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, Alessandra Camarano; o conselheiro e vice-presidente da Comissão de Direito Sindical e Associativo, Cláudio Santos; o secretário-geral e a secretária-geral adjunta da Comissão de Direito Sindical e Associativo, Douglas Flores e Caroline de Sena Vieira, respectivamente.