Para Patrick HENRIOT, ato de julgar é político, devendo se inserir no contexto social em favor dos mais fracos
A Universidade Lumière Lyon 2 foi palco nesta sexta-feira (24/2) do último dia do 9º Congresso Internacional da Anamatra. A instituição, uma das parceiras da Anamatra na realização do evento juntamente com a Universidade Sorbonne, é a responsável na região pelos estudos mais avançados nas áreas de Direito do Trabalho, proteção social, ergonomia, ciências sociais, entre outros.
A primeira palestra coube ao Secretário Nacional do Syndicato de la Magistrature na França, Patrick HENRIOT. A mesa foi coordenada pelo vice-presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano. O secretário falou das funções do Syndicato, que congrega na França cerca de 10% dos 8.000 magistrados da Justiça Judiciária (juízes togados) e administrativa e atua em defesa dos interesses materiais e morais dos juízes, bem como mantém uma interlocução com os diversos órgãos da França em face de projetos de leis relativos à Justiça e aos direitos fundamentais. Segundo HENRIOT, a representatividade do sindicato é positiva, tendo em vista o baixo índice de sindicalização de outras profissões na França.
Em sua exposição, HENRIOT falou do caminho traçado pela entidade desde o seu surgimento, em 1968, período que marcou uma mudança importante em relação ao conservadorismo do Judiciário. “Houve uma clara opção pelo modelo de uma organização proletária, de críticas ao próprio modelo do Judiciário e de suas estruturas”. Segundo o palestrante, o caminho para a legitimidade do sindicato foi longo. Uma das críticas, que se intensificaram em 1976 com a primeira greve dos juízes apoiada pelo sindicato, era a de que os juízes afiliados eram “vermelhos” e, portanto, parciais na tomada de suas decisões. “A imparcialidade é diferente de neutralidade. A neutralidade da Magistratura é um mito, ela deve atuar em favor dos mais fracos”, defendeu. Segundo HENRIOT, o Syndicato tem uma posição eminentemente política e de esquerda. “Consideramos que o ato de julgar é político e se insere no contexto social”, disse. Contudo, esclareceu o palestrante, isso não se confunde com opção político-partidária do juiz.
O secretário ressaltou que a entidade se preocupa com as missões da Justiça e as funções do juiz. “A vontade é que o magistrado possa inscrever a sua ação no movimento social”. Segundo HENRIOT, devido a essa característica de defender o papel do juiz na proteção dos mais fracos, o sindicato atua com muita atenção com relação ao Direito e à Justiça do Trabalho. “Fazemos isso juntamente com outras forças sindicais que querem um Direito do Trabalho fundado em uma ordem pública social forte”.
Conseil de Prud'hommes - Patrick HENRIOT também falou das características do Conseil de Prud’hommes, responsável pelos julgamentos dos litígios trabalhistas de primeiro grau na França e que tem em sua formação não juízes togados, mas conselheiros indicados por entidades patronais e de trabalhadores, cabendo a presença do juiz profissional apenas em casos de desempate. “Os litígios são resolvidos a partir do Direito e quem é o especialista do Direito do Trabalho é o magistrado. Os conselheiros conhecem o mundo do trabalho”, comparou. Segundo o secretário, essa característica da formação do Conselho também é complexa para as partes, que acabam não entendendo quem é o julgador. “O importante é a transparência, a clareza e a simplicidade da jurisdição, que se perdem da forma como se organiza o Conseil”, analisou.
Reforma Trabalhista – A reforma trabalhista francesa de 2016 também foi criticada pelo palestrante. “Fizemos um combate forte, pois o projeto estava impregnado de uma desconfiança enorme em relação ao juiz,” ressaltou. Para HENRIOT, o espaço reconhecido ao magistrado no controle da sua decisão e na aplicação do Direito do Trabalho é um tema central.
As mudanças que a reforma imprimiu ao Conseil também foram criticadas pelo palestrante, alterações essas que ocorreram impulsionadas por críticas com relação à morosidade dos processos, à baixa taxa de conciliação e ao elevado índice de recorribilidade. “Se dizia que o julgamento no Conseil era de baixa qualidade”, disse. A mudança conseguida para mudar esse cenário, na avalição de HENRIOT, foi minimalista: os conselheiros terão agora de passar por formação na Escola Nacional de Magistratura, porém por um período obrigatório de apenas cinco dias.
Com a reforma também aumentaram as possibilidades de composição do Conseil, podendo, em alguns casos, serem convocados mais magistrados profissionais, por exemplo, a pedido de uma das partes ou devido à natureza do caso. Nesse ponto, explicou HENRIOT, a preocupação é que o equilíbrio entre os conselheiros acaba sendo rompido. “O conselheiro se enxerga como um perito, acaba ficando desencorajado, pois a decisão não depende mais dele. A dispersão da função de jugar representa o fim da autoridade do Conseil enquanto jurisdição”, analisou.
No tema conciliação, HENRIOT considera fundamental a presença do juiz para garantir que a ordem social seja preservada e que as partes sejam esclarecidas com relação aos seus direitos e deveres. Nesse ponto, na avaliação do palestrante, a reforma também foi negativa ao estabelecer que as partes não são obrigadas a estar presentes no momento da audiência, devendo ser assistidas por um advogado <antes da reforma, era possível ingressar com uma ação sem a presença desse profissional>. Para HENRIOT, a conciliação foi banalizada e a reforma acabou por “forçar” a conciliação na audiência de instrução. “Há um paradoxo. A reforma acaba por incentivar toda e qualquer conciliação feita fora da Justiça do Trabalho, por exemplo por meio arbitragem. O sindicato é hostil a isso”.
Para Patrick HENRIOT, face a esses múltiplos cenários na França, entre eles o da “regressão do papel do juiz”, e com a reforma trabalhista em pleno vigor no país, o grande desafio da Justiça do Trabalho na França reside no objetivo de sua própria razão de existir, que é equilibrar as relações. “De que forma a Justiça pode ser prestada de forma justa?”, indagou aos congressistas.
* Texto elaborado com a colaboração da juíza Noemia Porto, diretora de Cidadania e Direitos Humanos da Anamatra. Confira abaixo comentário da magistrada sobre a palestra.
“O sindicalismo da Magistratura na França percorreu um longo caminho, desde 1968, em busca do reconhecimento da legitimidade de representação. Esse percurso envolveu a defesa dos interesses morais e materiais da profissão, além das defesas individuais, quando necessárias. Todavia, para além disso, a representatividade foi se firmando a partir da convicção de que era necessário inscrever a atuação sindical no movimento social, mantendo aberto o diálogo com diversos atores. Houve uma clara opção também pela defesa dos interesses dos mais pobres. O que se nota dessa complexa desenvoltura do sindicalismo da Magistratura na França é que se desenvolveu uma consciência de que a neutralidade do juiz é um mito e que não se confunde com a imparcialidade. Observando um paralelo entre a organização coletiva da Magistratura na França e como se movimenta a Anamatra no Brasil, é possível observar a importância em se conjugar a defesa profissional com a capacidade de diálogo social, sobretudo na defesa dos direitos fundamentais das pessoas. A defesa das pessoas concretas, sobretudo dos mais desfavorecidos, é a defesa da própria sociedade”.
Foto: Alexandre Alves