Representantes do Estado brasileiro alertam para tentativas de esvaziamento do conceito de trabalho escravo

Anamatra acompanha no CNJ evento que discute direito internacional dos direitos humanos

Discursos em prol da importância do combate ao trabalho escravo marcaram, na manhã dessa terça-feira (8/6), as manifestações do Estado brasileiro acerca das denúncias de trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde, ocorrido em meados de 1990 até 2002 em Sapucaia (PA). A reunião ocorreu na sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e precedeu o início do seminário “O Direito Internacional dos Direitos Humanos em face dos Poderes Judiciais Nacionais”, organizado pelo CNJ, Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Corte Interamericana de Direitos Humanos e Fundação Konrad Adenauer. O Seminário segue até esta quarta (8/6). O presidente da Anamatra, Germano Siqueira, a diretora de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos, Maria Rita Manzarra, prestigiaram a abertura do evento.

Pelo Estado brasileiro, falaram representantes do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Secretaria de Direitos Humanos e Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os discursos foram marcados pela preocupação com a tentativa do Parlamento de alteração do conceito do crime de manter trabalhadores em condições análogas às de escravo (art. 149 do Código Penal). Na avaliação dos representantes, a prática deve ser considerada violação de direitos humanos e não mera infração trabalhista. As manifestações também lembraram, entre as políticas públicas e ações efetivas para a combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil, a criação do grupo móvel de fiscalização e o cadastro de empregadores (lista de transparência MTE).

Para o ministro do TST, conselheiro do CNJ e membro da Comissão de Peritos em Aplicação de Normas Internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Lelio Bentes, o trabalho escravo é um fenômeno que se nutre de um lado pela vulnerabilidade das vítimas e de outro a expectativa de impunidade dos infratores. “O Poder Judiciário tem buscado dar combate a essa mazela nas esferas das respectivas competências”, disse, ao relatar a evolução legislativa e jurisprudencial na matéria, com o Código Penal, e em julgado dos tribunais. Nesse sentido, lembrou que várias decisões da Justiça do Trabalho, inclusive condenando os infratores com indenizações por dano moral coletivo. “São decisões que cumprem a finalidade de fazer com que o infrator repare a sociedade pela grave ofensa à ordem jurídica”, disse, lembrando condenações de até 5 milhões por grave exploração de trabalhadores.  

Para a juíza Luciana Conforti, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Anamatra, que representou a entidade nas diligências feitas também aos trabalhadores explorados na Fazenda Brasil Verde no dia anterior, de fato, o principal problema a ser enfrentado por todos que estão engajados no efetivo combate ao trabalho análogo ao escravo no Brasil, é a tentativa de esvaziamento do conceito do crime. “O conceito atual resultou de construção social, voltada à realidade brasileira, como consenso da comunidade sobre a necessidade de proteção da humanidade e dignidade dos trabalhadores. Retirar da tipificação do crime as condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva, seria o mesmo que retornar a 1940, quando o Código Penal não previa tal situações, deixando de proteger o cidadão brasileiro em face dos diversos mecanismos de exploração a que estão submetidos e de considerar as inúmeras possibilidades de compartilhamento de serviços e de desdobramento das cadeias produtivas”, alertou.

A Anamatra atua no Parlamento pela manutenção do atual conceito de trabalho análogo ao escravo, que inclui as condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva. Nesse sentido, a entidade trabalha contra as tentativas de limitação do conceito para efeito de desapropriação de propriedades, conforme prevê, por exemplo, o PLS 432/2013, que aguarda deliberação do Plenário do Senado Federal. A Associação já se manifestou, em diversas ocasiões, no sentido de que o conceito a rigor sequer precisa de regulamentação, à vista do que dispõe o artigo 149 do Código Penal e do que em torno dele já se construiu, na Justiça do Trabalho e na Justiça Federal.

Controle de convencionalidade
Na abertura do Seminário, o ministro Ricardo Lewandowski lembrou que o Brasil vem enfrentando temas centrais no tocante à proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana. “É bem verdade que há ainda muito o que fazer nessa temática, mas a nossa contribuição está impressa em casos emblemáticos revelados pela jurisprudência do STF, especialmente para combater as discriminações de gênero, raça, orientação sexual etc., tendo a Corte esboçado os primeiros passos para validar as ações afirmativas entre nós”, disse. Para o ministro, o evento representa o marco da implementação do direito internacional dos direitos humanos e o debate vai além de simples análises de casos concretos, promovendo a discussão sobre o controle de convencionalidade.

Nesse mesmo sentido, o presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto Caldas, falou da importância de que as leis do país estejam de acordo com os tratados e convenções internacionais que o Estado se comprometeu a cumprir, o chamado controle de convencionalidade. Para Caldas, tal prática vai ao encontro de efetivar os direitos humanos nas decisões judiciais. “No Brasil, o controle de convencionalidade avança a passos largos. Vamos a evolução dos julgamentos do STF, TST, STJ e de vários juízes que se apropriam devidamente da jurisprudência da Corte Interamericana. São essas ações práticas que potencializam e multiplicam o acesso do cidadão aos direitos humanos”, disse.

  


Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

 

 

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