Mandantes de crime que matou líder comunitário vão a júri popular

Série que contou a história do líder venceu o Prêmio Anamatra de Direitos Humanos 2014

Ao lado de três filhos, Dona Branquinha cuida do Mercadinho Menino Jesus, na região da Chapada do Apodi, no leste do Ceará, e tenta levar a mesma vida de quando a família era completa. A saudade que ficou é amenizada pelas lembranças dos momentos que passou na companhia do falecido marido e pelas fotos espalhadas pelo sítio da família.

“Branquinha” é o apelido de Lucinda Xavier, esposa de José Maria Filho, conhecido como Zé Maria do Tomé, líder comunitário e ambientalista que lutava contra o uso abusivo de agrotóxicos e denunciava as consequências de sua utilização indiscriminada, como a contaminação da água e doenças, a exemplo do câncer, em trabalhadores da Chapada do Apodi. O ambientalista foi morto com 20 tiros à queima-roupa, no dia 21 de abril de 2010, em Limoeiro do Norte, e o caso ganhou repercussão internacional.

“Eu só descobri o valor que meu esposo tinha e de tudo que ele representava para a nossa comunidade depois que ele morreu. Acredito que a nossa família cresceu, junto com o movimento”, afirma Dona Braquinha ao se referir ao Movimento 21 (número que simboliza a data do assassinato), criado a partir de uma aliança de lideranças locais, sindicais, professores, estudantes e pesquisadores, que vem promovendo uma série de debates sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos na região.

Passados cinco anos da morte de Zé Maria, um alento para a dor de Dona “Branquinha” e de sua família pode vir da Justiça. É que por determinação da juíza Flávia Setúbal de Sousa Duarte, da 1ª Vara da Comarca de Limoeiro do Norte, no Ceará, os três acusados de envolvimento na morte de Zé Maria, irão a júri popular. A sentença foi proferida no dia 18 de agosto.

“Eu acredito muito na justiça, apesar de já ter passado cinco anos. Isso não vai trazer ele de volta, mas quero que todo mundo saiba que os acusados irão a júri”, desabafa Dona Branquinha. 

A história de Dona Branquinha e de muitas outras mulheres foi contada pelo jornalista Antônio Melquíades Júnior, do Diário do Nordeste (CE), na série de reportagens “Viúvas do Veneno”, vencedora do Prêmio Anamatra de Direitos Humanos 2014, na categoria Imprensa/Impresso. “O Prêmio evidencia ainda mais as denúncias ali colocadas na matéria que vão para além do dia da publicação. É dar ênfase à voz aos trabalhadores que clamam por justiça”, afirmou o jornalista à época.

A série premiada retratou a trajetória de trabalhadores rurais mortos por contaminação do uso abusivo de agrotóxicos em lavouras nos estados do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Bahia, utilizados para garantir a colheita e aumentar a produtividade. Muitas viúvas recorreram à Justiça do Trabalho, que confirmou, em segunda instância, o nexo causal entre contaminação e morte.

A exemplo de Dona Branquinha, Melquíades afirma ter uma expectativa positiva com relação ao julgamento. “Os delegados disseram estar convictos das acusações. Com base nisso, eu espero que a justiça seja feita. É preciso acreditar nas instituições”, disse.

O jornalista relata que, durante muitos anos, Zé Maria foi fonte de suas reportagens e personagem de muitas histórias envolvendo a luta contra os agrotóxicos na região. “Ele foi o início de tudo e a grande causa da série. Eu quis dar continuidade a sua luta. A reportagem foi para mim uma forma de gritar por sua morte”, disse.

A juíza Noemia Porto, diretora de Cidadania e Direitos Humanos da Anamatra, afirma que a contaminação por agrotóxicos é um caso, infelizmente, recorrente. “A Justiça do Trabalho tem uma preocupação permanente com a integridade do meio ambiente do trabalho, o que inclui a questão grave e atual do uso abusivo dos agrotóxicos”, afirma.

Pesquisa realizada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) aponta que, nos últimos 40 anos, a área plantada no Brasil aumentou 78% mas, em contrapartida, o uso de agrotóxicos subiu 700% no mesmo período, o que representa um consumo anual superior a 300 mil toneladas. O uso dos também chamados defensivos agrícolas em excesso pode provocar danos à saúde não apenas para o agricultor, que aplica o produto no campo, mas também aos consumidores dos alimentos produzidos nessas condições.

 


Fotos: Diário do Nordeste (CE)

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