O diretor de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos da Anamatra, Guilherme Feliciano, representou a entidade nesta quinta-feira (8/5), na Câmara dos Deputados, no Fórum do Setor de Serviços. O evento teve como objetivo discutir as questões que mais afetam o empreendedorismo no segmento de serviços. A iniciativa do Fórum resultou de parceria entre a Central Brasileira do setor de Serviços (Cebrasse) e a Frente Parlamentar Mista de Defesa do Setor de Serviços, presidida pelo deputado Laércio Oliveira (SDD/SE),
Em sua intervenção, o magistrado rebateu declarações do advogado Percival Percival Mericato, do Celebrasse, que afirmou que a “legislação trabalhista e a Justiça do Trabalho são um tremendo obstáculo para o desenvolvimento econômico, pois prejudicam os empresários, os trabalhadores, a competitividade, o consumidor e o empreendedorismo”. O advogado também afirmou que a legislação é “caduca”, que o Judiciário vem aplicando súmulas no lugar das leis e que os juízes do Trabalho parecem considerar que “todos os empresários são delinquentes”.
Guilherme Feliciano iniciou explicando a diferença fundamental, na perspectiva do Estado Democrático de Direito, entre o Poder Judiciário e os demais poderes da República, uma vez que, à diferença dos outros agentes políticos, o magistrado não é eleito. “O juiz tem um tipo de isenção que os senhores não encontrarão em nenhum parlamentar”, disse. Também ressaltou que o acesso aos quadros de juízes é amplo e irrestrito, desde que atendidas às condições técnicas necessárias para a seleção, o que possibilita que a Magistratura seja integrada por pessoas oriundas de vários segmentos da sociedade. “Isso também é democracia”, ressaltou.
O magistrado falou ainda da evolução histórica da Justiça do Trabalho, que em 1943 consolidou-se sobre uma matriz corporativista. “A Justiça do Trabalho soube se reinventar, muito particularmente após a Emenda Constitucional 45”, disse. “Ela não é mais apenas a Justiça do trabalhador; ela é, mais que isso, a Justiça do Trabalho digno. Ela preserva a dignidade da pessoa humana no contexto do trabalho, inclusive para além da relação de emprego típica. Não há mais um foco classista e sim humanista”, disse.
O diretor explicou que, ao contrário do que se afirmava, o Direito do Trabalho serve inclusive como válvula de escape para que a questão social não se acirre, garantindo direitos mínimos com a força do Estado social, de modo a proteger da opressão aqueles que estão naturalmente em uma situação contratual de assimetria econômica e, portanto, mais vulneráveis. “Eu não posso vender o meu fígado ou meu rim no atacado; mas, no curso de cinco anos de trabalho sem a necessária proteção auditiva, poderia eu vender a minha audição no varejo, à conta de salários?”, provocou o magistrado, ao explicar o problema da falta de equipamentos de proteção individual. “É a isto que temos chamado de ‘patamar civilizatório mínimo’”, completou. Para o magistrado, o Direito do Trabalho faz com que as relações de produção e as tensões entre capital e trabalho se reproduzam com alguma humanidade. “A Justiça do Trabalho tem, inclusive, uma função social que os senhores talvez não suponham: as suas intervenções também contribuem para otimizar uma concorrência mais leal e legítima entre os agentes do capital”.
Sobre as declarações de que as súmulas tomaram os lugares da lei, explicou que os juízes do Trabalho podem recorrer à jurisprudência para integrar lacunas legais (art. 8º da CLT). Explicou que, diante de leis anacrônicas, “o juiz tem o papel de atualizar as regras com base nos princípios constitucionais. E isso não fere a separação dos poderes, mas realiza dinamicamente a ideia dos freios e contrapesos”, defendeu, ao rebater críticas relativas ao “ativismo judicial”. “O juiz é um agente jurídico concretizador”, acrescentou, ao citar a atuação do próprio Supremo Tribunal Federal (STF) no preenchimento de lacunas legislativas. “O que o STF tem feito é garantir a cidadania que às vezes o parlamento, por razões politicas, não consegue realizar”, disse.
Ao final de sua exposição, Guilherme Feliciano lançou um desafio para que os presentes examinem os preceitos da Constituição Federal que ainda padecem de regulamentação, tentando identificar a que segmento pertencem. “Esses preceitos dizem respeito basicamente aos direitos sociais”, disse, ao citar, por exemplo, os preceitos que preveem a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, o adicional de penosidade, a proteção do trabalhador conta a automação e a regulação da greve no serviço público, entre outras cláusulas constitucionais jamais regulamentadas no Brasil.
Foto: Lúcio Bernardo Jr/Câmara dos Deputados